quinta-feira, 28 de março de 2013

MIKIO, 119; BH, 0270302013; Publicado: BH, 0280302013.

FHC vulgo Fernando Henrique Cardoso na
ABL Academia Brasileira de Letras é o
Esperado lá encontram-se as caveiras as
Cinzas os esqueletos de Roberto Marinho
José Sarney Merval Pereira um FHC
A mais não fará nenhuma diferença mas
Penso que ali não é o lugar ideal ao
Pior presidente da República Federativa
Do Brasil ali é a Casa de Machado de
Assis do Bruxo do Cosme Velho nosso
Maior gênio literário o nosso maior escritor
Não a casa da mãe joana não a casa de quem
Pediu para esquecer o que escreveu que teve a 
Coragem de dizer que assinou documentos sem ler
Ali é a Casa do grande Austregésilo de Athayde
Não a casa de quem chamou aposentado de
Vagabundo independente da minha vontade já vejo
FHC numa cadeira da Academia como o vi
Na cadeira da Prefeitura de São Paulo mas
Lá o Jânio Quadros jogou-o para escanteio
Depois de desinfetar completamente a
Cadeira lembro-me que duma feita ter
Comprado um livro de Montesquieu
Quando o vi com a tradução de FHC me desfiz
De imediato do livro passeio-o adiante sem
Nem sequer lê-lo a Academia Brasileira de
Letras não ganha nada com a eleição de FHC
Como não ganhou nas eleições de Sarney
Marinho Merval para FHC será bom muito
Vaidoso fofoqueiro linguarudo de vários
Idiomas adora meter a língua a falar mal do
Brasil tem o apoio do PIG do Partido da
Imprensa Golpista conivente STF Supremo
Tribunal Federal que o acoberta PGR
Procuradoria Geral da República engavetadora
Doutras entidades comandadas por seus
Comparsas lesa-pátria na certa muitos farão
Artigos a comemorar a chegada de mais um
Imortal em avançado estado de decomposição
À ABL a casa do Bruxo do Cosme Velho
Já repudio com todo o meu desprezo

terça-feira, 26 de março de 2013

João Ubaldo Ribeiro, Senhor Presidente; BH, 0260302013.


Antes de mais nada, quero tornar a parabenizá-lo pela sua vitória estrondosa nas urnas. Eu não gostei do resultado, como, aliás, não gosto do senhor, embora afirme isto com respeito. Explicito este meu respeito em dois motivos, por ordem de importância. O primeiro deles é que, como qualquer semelhante nosso, inclusive os milhões de miseráveis que o senhor volta a presidir, o senhor merece intrinsecamente o meu respeito. O segundo motivo é que o senhor incorpora uma instituição basilar de nosso sistema político, que é a Presidência da República, e eu devo respeito a essa instituição e jamais a insultaria, fosse o senhor ou qualquer outro seu ocupante legítimo. Talvez o senhor nem leia o que agora escrevo e, certamente, estará se lixando para um besta de um assim chamado intelectual, mero autor de uns pares de livros e de uns milhares de crônicas que jamais lhe causarão mossa. Mas eu quero dar meu recadinho.

Respeito também o senhor porque sei que meu respeito, ainda que talvez seja relutante privadamente, me é retribuído e não o faria abdicar de alguns compromissos com que, justiça seja feita, o senhor há mantido em sua vida pública – o mais importante dos quais é com a liberdade de expressão e opinião. O senhor, contudo, em quem antes votei, me traiu, assim como traiu muitos outros como eu. Ainda que obscuramente, sou do mesmo ramo profissional que o senhor, pois ensinei ciência política em universidades da Bahia e sei que o senhor é um sociólogo medíocre, cujo livro O Modelo Político Brasileiro me pareceu um amontoado de obviedades que não fizeram, nem fazem, falta ao nosso pensamento sociológico. Mas, como dizia antigo personagem de Jô Soares, eu acreditei.

O senhor entrou para a História não só como nosso presidente, como o primeiro a ser reeleito. Parabéns, outra vez, mas o senhor nos traiu. O senhor era admirado por gente como eu, em função de uma postura ética e política que o levou ao exílio e ao sofrimento em nome de causas em que acreditávamos, ou pelo menos nós pensávamos que o senhor acreditava, da mesma forma que hoje acha mais conveniente professar crença em Deus do que negá-la, como antes. Em determinados momentos de seu governo, o senhor chegou a fazer críticas, às vezes acirradas, a seu próprio governo, como se não fosse o senhor seu mandatário principal. O senhor, que já passou pelo ridículo de sentar-se na cadeira do prefeito de São Paulo, na convicção de que já estava eleito, hoje pensa que é um político competente e, possivelmente, tem Maquiavel na cabeceira da cama. O senhor não é uma coisa nem outra, o buraco é bem mais embaixo. Político competente é Antônio Carlos Magalhães, que manda no Brasil e, como já disse aqui, se ele fosse candidato, votaria nele e lhe continuaria a fazer oposição, mas pelo menos ele seria um presidente bem mais macho que o senhor.

Não gosto do senhor, mas não tenho ódio, é apenas uma divergência histórico-glandular. O senhor assumiu o governo em cima de um plano financeiro que o senhor sabe que não é seu, até porque lhe falta competência até para entendê-lo em sua inteireza e hoje, levado em grande parte por esse plano, nos governa novamente. Como já disse na semana passada, não lhe quero mal, desejo até grande sucesso para o senhor em sua próxima gestão, não, claro, por sua causa, mas por causa do povo brasileiro, pelo qual tenho tanto amor que agora mesmo, enquanto escrevo, estou chorando.

Eu ouso lembrar ao senhor, que tanto brilha, ao falar francês ou espanhol (inglês eu falo melhor, pode crer) em suas idas e vindas pelo mundo, à nossa custa, que o senhor é o presidente de um povo miserável, com umas das mais iníquas distribuições de renda do planeta. Ouso lembrar que um dos feitos mais memoráveis de seu governo, que ora se passa para que outro se inicie, foi o socorro, igualmente a nossa custa, a bancos ladrões, cujos responsáveis permanecem e permanecerão impunes. Ouso dizer que o senhor não fez nada que o engrandeça junto aos corações de muitos compatriotas, como eu. Ouso recordar que o senhor, numa demonstração inacreditável de insensibilidade, aconselhou a todos os brasileiros que fizessem check-ups médicos regulares. Ouso rememorar o senhor chamando os aposentados brasileiros de vag abundos. Claro, o senhor foi consagrado nas urnas pelo povo e não serei eu que terei a arrogância de dizer que estou certo e o povo está errado. Como já pedi na semana passada, Deus o assista, presidente. Paradoxal como pareça, eu torço pelo senhor, porque torço pelo povo de famintos, esfarrapados, humilhados, injustiçados e desgraçados, com o qual o senhor, em seu palácio, não convive, mas eu, que inclusive sou nordestino, conheço muito bem. E ouso recear que, depois de novamente empossado, o senhor minta outra vez e traga tantas ou mais desditas à classe média do que seu antecessor que hoje vive em Miami.

Já trocamos duas ou três palavras, quando nos vimos em solenidades da Academia Brasileira de Letras. Se o senhor, ao por acaso estar lá outra vez, dignar-se a me estender a mão, eu a apertarei deferentemente, pois não desacato o presidente de meu país. Mas não é necessário que o senhor passe por esse constrangimento, pois, do mesmo jeito que o senhor pode fingir que não me vê, a mesma coisa posso eu fazer. E, falando na Academia, me ocorre agora que o senhor venha a querer coroar sua carreira de glórias entrando para ela. Sou um pouco mais mocinho do que o senhor e não tenho nenhum poder, a não ser afetivo, sobre meus queridos confrades. Mas, se na ocasião eu tiver algum outro poder, o senhor só entra lá na minha vaga, com direito a meu lugar no mausoléu dos imortais.

O mentirosos é um farsalhão a mentira é uma farsa grande; BH, 0210702005; Publicado: BH, 0260302013.

O mentiroso é um farsalhão a mentira é uma farsa grande
De pouco mérito mentira é palhaçada ato burlesco uma
Farsada infeliz de quem vive na farsa que tem o destino
Como uma peça burlesca de teatro faz da vida um ato
Ridículo próprio da farsa da coisa de pantomima mesmo
Que o fim seja negro um berço escuro sujo de carvão
Coberto de fuligem o próprio farrusco a verdade estiver
Escondida lá atrás dela teremos que ir até a encontrar a
Verdade não é ferrugenta corta mais do que a espada
Imprestável na nossa face não pode se passar por um
Chanfalho no nosso rosto não pode ser uma máscara no
Nosso semblante carranca nem na nossa cara farrusca
A verdade é grande não é pequena tal qual um farroupo
Um porco que não tem um ano foi justamente atrás da
Verdade que surgiu a revolução federalista gaúcha de
1835 foi ao procurá-la que o farrapo foi à guerra foi a
Verdade que deu viva à farroupilha fez do farroupa
Indivíduo que se passava por miserável desprezível
Mendigo menção de herói nacional a mentira é frágil 
Dum lado igual ao farro o bolo de farinha de trigo
Doutro grossa tal o caldo grosso de cevada ao
Debochado amigo de pândegas boêmio farrista
Poucos dão crédito nos dias de hoje verdade então
Aquém aqui ali além apareça sem desdém que seja
Vinda do farricoco pessoa que usava hábito capuz
Para acompanhar enterros tomar parte em procissões
Do fárreo bolo de farinha de trigo o primitivo bolo
De noiva que em Roma simbolizava casamento a
Verdade é para acabar com o farrear da mentira em
Nossos corações quem fica a descomedir-se
Moralmente em patuscadas no fim vira um trapo um
Molambo humano pessoa que mais parece pedaço de
Roupa esfarrapada não é o digno revolucionário gaúcho
Do período regencial minha gente já dizia a minha avó
Mentira é farraparia falsidade é farrapagem ilusão é
Mulambaria a ira é que nos faz esfarrapar a nossa
Fardagem é o ódio que vem farrapar a nossa consciência
Só que não se preocupa com a consciência é o fascíola o
Verme achatado da classe dos Trematódeos que se
Encontra sobretudo nos canais biliares do carneiro a
Espécie de plantas criptogâmicas a fasciolária gênero de
Conchas univalves fusiformes pois quem não as têm
Não se encontrará nem com a fasciotomia a incisão
Cirúrgica da fáscia ou aponevrose a humanidade
Desde dos fastos desde dos anais registros públicos de fatos
Obras memoráveis desde o calendário da Roma Antiga
Que continha os dias fastos os nefastos procura a felicidade
O conhecimento desvendar todos os mistérios
Aquele que gosta de luxo é arrogante pomposo farto em
Todo o seu físico fartuoso no vestir fartos no andar
No sorrir não passa duma fataça uma tainha grande
Acabará com certeza numa frigideira de gordura quente
A ferver depois será servido cada fatacaz cada pedaço
Cada fatia grande aos famintos sem o milagre da
Multiplicação de peixe pão a felicidade agora meu
Povo é improrrogável não é a verdade que acarreta
Desgraças não é o falso que é nocivo funesto é a
Verdade que tem de ser irrevogável a qual teimo com
Ela determinado pelo fato de que é a mentira
Que é fatal para a raça humana é a fatalidade o que nos
Causará a falta da verdade é o acontecimento funesto a
Desgraça o fatalismo o próprio do sistema dos que tudo
Atribuem à fatalidade ou ao destino a negar o livre-arbítrio
A mentira sim é que e fatalista e o homem deve
Ser criador inventivo fértil fecundo de grandes de boas
Ideias para justamente com tanta busca de fecundidade
Abundância grande produção faculdade reprodutora
Facilidade de proliferação de obras de todos os tipos a afastar
Da arte a densidade conjuntural estrutural da mentira

Fórum “SP Sem Passado: Ensino de História e Currículo; BH, 0260302013.



Carta Aberta

São Paulo, 16 de Março de 2013. 

Recentemente, através das Resoluções nº 81 de 16/12/2011 e nº 2 de 18/01/2013, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo retirou o ensino de História (além de Geografia e Ciências Físicas e Biológicas) dos 1º, 2º e 3º anos da Matriz Curricular dos anos iniciais do Ensino Fundamental e reduziu a presença da disciplina de História a 5% da carga horária no 4º e 5º anos, restando apenas 100 horas de estudo de História numa carga total de 5.000 horas de estudos para as crianças entre 6 e 10 anos de idade. 

Soma-se a esse sequestro cognitivo, a proposta curricular São Paulo Faz Escola, criada em 2007 e ainda mantida pela atual gestão do governo do estado, com seus fascículos apostilados voltados aos anos finais do Ensino Fundamental e Médio, denominados Caderno do Professor e Caderno do Aluno, que padronizam práticas, engessam a autonomia e a criatividade dos professores, objetivando o estreito propósito de treinar jovens para obter melhores notas nos sistemas padronizados de avaliação como SARESP, Prova Brasil e ENEM. 

Diante desse fato, a ANPUH-SP e ANPUH-Brasil, através de seus GTs de Ensino de História e Educação, promoveram, no dia 16 de março do corrente ano, o Fórum SP Sem Passado: Ensino de História e Currículo no auditório da Faculdade de Educação da USP, que contou com cerca de 120 participantes, entre professores do Ensino Fundamental e Médio, estudantes de História e Pedagogia, além de professores e pesquisadores de ensino de História da FEUSP, FFLCH-USP, UNIFESP, UNESP, PUC-SP, UNICAMP, UNINOVE e FIG. 

Durante o evento, foi ressaltada a defesa da escola pública e destacou-se a importância do ensino de História na formação de crianças, jovens e adultos, pelas possibilidades de ampliação do conhecimento do mundo historicamente constituído, compreensão das temporalidades históricas, reflexão crítica sobre ações, acontecimentos e processos de transformação, e formação humanística. Da mesma forma, foi expressa uma legítima preocupação diante da ausência do ensino de História para crianças, adolescentes e adultos, que serão educados (ou deseducados) na ignorância do passado, resultando numa bomba de lesa-conhecimento. 

Além disso, a proposta indica de forma absolutamente equivocada, que disciplinas como História, Geografia e Ciências não contribuem para o processo de alfabetização e letramento das crianças. Cria-se uma artificial e inverídica oposição entre esses conhecimentos, como se o ensino dessas disciplinas fosse incompatível com Língua Portuguesa e Matemática, negando todas as discussões teóricas e as práticas bem sucedidas, acerca da interdisciplinaridade, e as potencialidades que trabalhos dessa natureza representam para o processo de aquisição da leitura e da escrita. Assim, ao invés de aprofundar a formação dos professores quanto ao conhecimento da especificidade dessas disciplinas escolares visando ampliar as possibilidades de trabalhos que assegurem formas significativas de aprendizagem para os alunos, a SEE/SP prefere promover a subtração de disciplinas básicas do currículo, restringindo o conhecimento de uma expressiva parcela das crianças paulistas, aviltando, inclusive, a formação do professor. 

Se, como disse o poeta Décio Pignatari, “na geleia geral brasileira (e paulista), alguém tem de fazer o papel de medula e de osso”, a ANPUH, mais uma vez não se furta a esse papel e, assim como nas décadas de 1970 e 1980 em que se insurgiu contra a implementação de Estudos Sociais, agora se posiciona contra as propostas curriculares que desqualificam e extirpam História, Geografia e Ciências da formação das crianças paulistas. Sabemos que essas práticas que retiram a História e promovem a amnésia social, promovem também o apagamento e o silenciamento do passado ao deliberadamente ignorar o debate acumulado sobre a História escolar das últimas décadas, bem como as pesquisas nesse campo, instituindo um ensino excludente que priva a parte mais sensível da população, as crianças em formação, do conhecimento histórico. 



GT de Ensino de História e Educação da ANPUH-SP 
GT de Ensino de História e Educação da ANPUH-Brasil

Pier Paolo Pasolini, Noite romana; BH, 0260302013.

Onde vais pelas ruas de Roma,
Nos tróleis ou no elétricos em que as pessoas
Voltam para casa? 
Apressado, obcecado, como se 
Te aguardasse o trabalho paciente
De onde a esta hora os outros regressam.
É logo a seguir ao jantar, quando o vento
Cheira a quentes misérias familiares
Perdidas nas mil e uma cozinhas, nas
Longas ruas iluminadas,
Sobre as quais mais claras espiam as estrelas.
No bairro burguês, reina a paz
Que a todos satisfaz em suas casas,
Não sem alguma cobardia, e que todos gostariam
Que lhes enchesse cada noite da existência.
Ah, ser diferente – num mundo porém
Culpado – significa que não se é inocente…
Vá, desce pelas curvas escuras
Da avenida que conduz ao Trastevere:
Verás que, imóvel e devastada, como
Arrancada a uma lama de outras eras
- Para satisfazer quem pode roubar
Mais um dia à morte e à dor -
Tens a teus pés toda a cidade…
Desço, atravesso a Ponte Garibaldi,
Rente ao parapeito, passando os nós dos dedos
Pelo rebordo de pedra esboroada,
Dura no ar morno que a noite
Ternamente exala, sobre a copa
Quente dos plátanos. 
Na outra margem,
Como lajes em fila descorada,
As mansardas, plúmbeas, rasas, do amarelado casario
Enchem o céu deslavado. 
Caminhando pelo lajedo
Deslabrado, de osso, contemplo, ou melhor,
Cheiro o grande bairro familiar,
Prosaico e ébrio – salpicado de estrelas
Envelhecidas e janelas sonoras -:
O Verão escuro e úmido doura-o,
Por entre as baforadas sujas
Que o vento vindo dos campos
Do Lácio espalha com a chuva
Sobre carris e fachadas.
E como cheira, no calor tão denso
Que é também espaço,
paredão, aqui em baixo:
Desde a ponte Sublicio até o Gianicolo
fedor mistura-se à embriaguez
Da vida que não é vida.
Sinais impuros de que por aqui passaram
Velhos bêbados de Ponte, antigas
Prostitutas, bandos de malandrins
Despudorados: rastos humanos,
Impuros que, humanamente infectos,
Vêm falar-nos, violentos e pacíficos,
Desses homens, dos seus baixos prazeres
Inocentes, dos seus míseros desígnios.

domingo, 24 de março de 2013

Minh'alma é uma ensambladura de alma; BH, 030040702003; Publicado: BH, 0240302013.

Minh'alma é uma ensambladura de alma
Não é alma meu espírito é uma ensamblagem
De espírito não é espírito tenho ensamblamento
De ser não tenho ser pois não soube ensamblar
Em mim um ente assim de entidade elevada
Perfeita com total coordenação de ideias
Não soube embutir meu pensamento
Com um padrão de nível de qualidade
Não servi para entalhar bem a minha
Imagem de homem bom que sabe
Emalhetar compaixão marchetar em
Torno de si a verdade tenho medo de
Ensandecer-me antes do tempo tudo
Em torno de mim só quer me tornar
Sandeu a televisão me deixa demente
A mídia é de me enlouquecer não
Existe nada que possa fazer para me
Impedir de me dementar duma vez
Por todas; se ainda obtivesse a condição
De emanchar a minha mente alargar meu
Ideal aproveitar as ensanchas assim
Ampliar tudo dentro de mim o sofrimento
Seria menos o meu choro não seria tão
Ensanguentado tão coberto manchado de
Sangue coagulado que chega a enroxar o
Semblante a enruçar os cabelos devido o
Meu modo de entudescer-me comigo
Mesmo tão ignorante que chego a
Embrutecer o mundo a asselvajar o
Universo a tornar bruto rude o chão
Onde piso gostaria de parar também de
Enrufar-me com as pessoas não pretendo
Mais arrufar-me com a natureza nem
Zangar-me com os meus semelhantes
Minha mãe está lá quase a chegar ao fim
Da jornada não quero ir vê-la, porém
Preciso ir lá mesmo com o padecimento
É minha mãe tenho obrigação de prestar
Solidariedade sei que não estou enroupado
De bons princípios não ando vestido de
Razão nem agasalhado de virtude não
Sou o que está bem servido de roupas o
Que está roupido pois estou nu enroscado
Agarrado nos meus delitos graves deixei-me
Envolver nos conflitos fiquei preso nos
Complexos por meio da rosca do medo da
Covardia que acompanham-me sempre
Caí desde que nasci no enroladouro
Fiquei como o caroço ou como aquilo
Em que se enrola o fio para formar o
Novelo então afoguei-me no enroladoiro
Pior do que a enrediça a planta que
Tem os ramos muito emaranhados
Donde não se aproveita nenhuma meada
Tal qual deste enrediço facilmente de
Emaranhamento dificilmente esclarecedor
Aqui termino sempre perdido
Nesta falta de lucidez de espírito
A procurar sempre o que nunca
Irei encontrar despeço-me com este
Vago deste vão de vácuo de deserto
Mental onde nem curandeiro dá mais
Jeito o benzedor desistiu de benzer pois
Também viu em mim um ensalmador
Charlatão mandingueiro sem enteléquia
Pobre na essência da alma muito distante de
Aristóteles porém teimoso que vai fundo no
Veio enredoso a derrubar o confuso a decifrar
O complicado a lutar para retoucar revolver os
Meandros os labirintos cerebrais com esperança
De enredoucar a estupidez do enregelado
Do hirto grotesco de coração álgido

Meu pensamento é enfatuado penso ser presumido; BH, 06070202003; Publicado: BH, 0240302013.

Meu pensamento é enfatuado penso ser presumido
Vaidoso arrogante devo ter nascido dum enfatuamento
Entre pai mãe ou da enfatuação dum clone mas não
Sei bem o que me tornou tão enfeado assim que
Qualquer motivo vil vulgar serve para enfebrecer
Meu ser passar meu corpo a estado febril
Criar febre na minh'alma mas não
Nasci em dia de carnaval por isso
Não sou enfeitado não ando ornado
De enfeites nem adornado ou ataviado
Muito menos alindado pois não faço barba
Nem corto ou penteio os cabelos odeio
Escovar os dentes tomar banho não
Gosto de roupas novas detesto sapatos
Novos literalmente penso que sou
Um homem das cavernas uma peça
Mal costurada que serve para formar
Seio fole produzir folipo enfolipar
Ao revestir com flanela ao enflanelar
O coração enfivelar o organismo
Pôr fivelas nas entranhas guarnecer
Com fivelas a medula costuro neste
Enfivelamento todo o composto do conjunto
Que me forma neste ponto não sou
Enfitêutico não sou de enfiteuticar-me
Nem de aforar nada dos meus elementos
Passo longe de ceder qualquer coisa
Para não enfistular o sangue ou
Tornar o tecido fistuloso ou criar
Fistula na carne ou ulcerar-se
Qualquer órgão qualquer órgão
Enfisematoso qualquer ponto enfisemático
Que atrapalha o enfiador o aparelho ou o
Instrumento que enfia que faz passar um fio através
Duma agulha entre uma carne um
Nervo é esta enfiação que torna o artigo
Sem o enfiamento sem a importância
De colocar objetos num fio a causar total
Enfezamento não a mesma alegria
Dum artilheiro ao fazer um gol numa
Partida decisiva de futebol o artigo
Bruto assim causa raquitismo atrofiamento
Mental aborrecimento irritação nunca
O escrito enfezado raquítico pequeno
Acanhado aborrecido irritado terá no
Seio popular o lugar dum gol não
Pretendo enfeudar nada criar um partido
Dos artigos entregar-me à uma pessoa
Como um articulista profissional
Avassalar alguém para depender dele
Para sobreviver submeter a todos constituir
Um feudo para que os artigos também
Sejam comemorados com a mesma
Intensidade dum gol nada mesmo
De enfeudação nem de enfestoar nada
De enfermeira para quem não está doente
Quero uma mulher mas não uma que cuida
De enfermos não morrerei numa enfermaria
Morrerei antes de enfermar numa casa ou
Numa sala se adoentar-me ou adoecer-me
Deixai-me sem enfermagem sem funções
Sem serviços próprios sem tratamento
Podeis enfeltrar o féretro a tumba podeis
Envolver em feltro o ataúde o esquife no
Lugar do meu nome escreveis assim caixão
Do defunto depois é só enfeixar com fereza
Atar enfeixe com crueldade juntar com
Ferocidade reunir os restos mortais no enfeixamento
Final enfeitar para enganar os cegos usar
Enfeites atavios adornar esconder a tristeza
Que um dia fui em vida

Pier Paolo Pasolini, A um Papa; BH, 0230302013.

Poucos dias antes de morreres, a morte
Pousou os olhos em alguém da tua idade: 
Ais vinte anos, tu estudavas, ele era pedreiro,
Tu, nobre, rico, ele, um rapazote plebeu:
Mas os mesmos dias douraram sobre vós
A velha Roma, voltando a dar-lhe a sua juventude.
Vi os seus despojos, pobre Zucchetto.
Andava de noite, bêbado, à volta dos Mercados,
E um elétrico que vinha de San Paolo atropelou-o
E arrastou-o por uns metros de carris no meio dos plátanos:
Durante uma horas ficou ali, sob o rodado:
Poucas pessoas se juntaram em redor, olhando-o,
Em silêncio: já era tarde, havia pouca gente.
Um dos homens que existem para que tu existas,
Um velho policial, desbocado como todos os patifes,
Gritava aos que se aproximavam mais:
 “Larguem-lhe os colhões!”
Depois veio uma ambulância buscá-lo:
As pessoas desapareceram, só ficaram uns grupos aqui e acolá,
E, mais à frente, a dona de um cabaré,
Que o conhecia, disse a um recém-chegado
Que Zucchetto tinha ficado debaixo de um elétrico, que estava morto.
Poucos dias depois, morrias tu: 
Zucchetto era um
Dos do teu grande rebanho romano e humano,
Um pobre bêbado, sem família nem leito,
Que andava de noite, vivendo ao deus-dará.
Tu ignoravas: como ignoravas
Outros milhares e milhares de cristos como ele.
Talvez seja cruel ao perguntar por que razão
A gente como Zucchetto é indignada do teu amor.
Há lugares infames, na lama de outras eras.
Não muito longe de onde tu viveste,
À vista da bela cúpula de San Pietro,
Fica um desses lugares, o Gelsomino…
Um monte cortado ao meio por uma pedreira, e no sopé,
Entre um charco e uma fieira de prédios novos,
Um montão de tugúrios miseráveis, não casas mas pocilgas.
Bastava um gesto teu, uma palavra,
Para esses filhos terem uma casa:
Nunca fizeste um gesto, nunca disseste uma palavra.
Ninguém te pedia que perdoasses Marx! 
Uma vaga
Imensa que irrompe sobre milênios de vida
Te separava dele, da sua religião:
Mas não se fala, na tua religião, de piedade?
Milhares de homens sob o teu pontificado,
Diante dos teus olhos, viveram em estábulos e pocilgas.
Tu sabias que pecar não é fazer o mal:
Não fazer o bem, isso sim, é que é pecar.
Quanto bem podias tu ter feito! 
E não fizeste:
Não houve quem mais pecasse do que tu.

Pier Paolo Pasolini, Súplica a minha mãe; BH, 0240302013.


É difícil dizer com palavras de filho
Aquilo a que intimamente bem pouco me pareço.
És a única no mundo que sabe o que esteve sempre
No meu coração, antes de qualquer outro amor.
Por isso tenho de dizer-te o que é horrível sabe: 
É na tua graça que nasce a minha angústia.
És insubstituível. 
Por isso está condenada
À solidão a vida que me deste.
E eu não quero estar só.
Tenho uma fome infinita
De amor, do amor de corpos sem alma.
Porque a alma está em ti, és tu, mas tu
És minha mãe e o teu amor é a minha servidão:
Vivi a infância como escravo desse sentimento
Supremo, irremediável, de um fervor imenso.
Era a única maneira de sentir a vida,
A única cor, a única forma: agora terminou.
Sobrevivemos: e é o caos
De uma vida que renasce fora da razão.
Suplico-te, ah, suplico-te: não queiras morrer.
Estou aqui, sozinho, contigo, num Abril futuro…

sexta-feira, 22 de março de 2013

Pier Paolo Pasolini, A religião do meu tempo; BH, 0220302013.


Dois dias de febre! 
O bastante
Para não poder suportar o exterior,
Mesmo levemente renovado pelas nuvens
Ouentes de Outubro, e agora tão moderno
- Que me parece não poder já compreendê-lo -
Nos dois rapazes que sobem a rua
Lá ao fundo, na alvorada da sua juventude…
Sem graça, ignorados: mas os cabelos
Reluzem sob uma festiva camada
De brilhantina – roubada no armário
Dos irmãos mais velhos; e a gangue das calças,
Desbotadas pelo sol de Ostia e pelo vento,
Foi sendo roída por sóis citadinos,
Milenares; mas é obra esmerada
A que o pente lhes fez na risca
Dos cabelos louros e nas poupas.
Surgem à esquina de um prédio,
Eretos, mas cansado da subida,
E o que vejo desaparecer por fim são os jarretes,
À esquina de outro prédio. 
A vida
É como se nunca tivesse existido.
O sol, a cor do céu, a hostil
Suavidade que o ar toldado
Por renascidas nuvens dá de novo às coisas,
Tudo acontece como numa hora
Passada da minha existência: misteriosas
Manhãs de Bolonha ou de Casarsa,
Doridas e perfeitas como rosas,
Renascem aqui, a esta luz vista
Por dois olhos tristes de rapaz
Que mais não conhece do que a arte
De se perder, claro em fundo escuro
E eu nunca pequei: sou
Puro como um santo velho, mas
Também nunca possuí; o dom
Desesperado do sexo desapareceu
Em fumo: sou bom
Como um louco. 
O passado
É aquilo que tive por destino,
Nada mais que vazio desconsolado…
E consolador. 
Observo, debruçado
Da sacada, os dois rapazes que vão, lestos,
Ao sol; e aqui estou, como um menino
Que não chora apenas por aquilo que não teve,
Mas também pelo que não terá…
E nesse pranto o mundo é um odor,
Nada mais: violetas, prados, que a minha mãe
Tão bem conhece, e em que primaveras…
Um odor que ondula para se tornar, aqui
Onde o pranto é doce, matéria
De expressão, tonalidade… voz familiar
Desta língua louca e verdadeira
Que tive ao nascer e que na vida está imóvel.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Pier Paolo Pasolini, Noite Romana; BH, 0210302013.


Sexo, consolo da miséria!
A puta é uma rainha, o seu trono
São ruínas, a sua terra um naco
De prado merdoso, o seu cetro
Uma bolsa de verniz vermelho:
Ladra na noite, porca e feroz
Como uma mãe antiga: defende
O seu território e a sua vida.
Os chulos, em redor, em bandos,
Soberbos e pálidos, com bigodes
Brindesianos ou eslavos, são
Chefes, regentes: tramam,
Nas trevas, os seus negócios de cem liras,
Pestanejando em silêncio, trocando
Palavras de ordem: o mundo, excluído, cala-se
À volta deles, que dele estão excluídos,
Carcaças silenciosas de aves de rapina.
Mas nos destroços do mundo, nasce
Um novo mundo, nascem leis novas
Onde não há lei; nasce uma nova
Honra onde a honra é desonra…
Nascem poderes e nobrezas,
Ferozes, nos montes de tugúrios,
Nos lugares perdidos onde se julga
Que a cidade acaba, mas onde
Recomeça, inimiga, recomeça
Por milhares de vezes, com pontes
E labirintos, estaleiros e aterros,
Atrás de vagas de arranha-céus
Que velam horizontes inteiros.
Na facilidade do amor
O miserável sente-se homem:
Firma tanto a fé na vida, que
Despreza quem outra vida tem.
Os filhos lançam-se à aventura,
Certos de estarem num mundo
Que os teme, a eles e ao seu sexo.
A sua piedade é não terem piedade,
A sua força é não terem cuidados,
A sua esperança é não terem esperança.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Pier Paolo Pasolini, As cinzas de Gramsci I; BH, 0200302013.


Não é de Maio este ar impuro
Que torna o jardim sombrio e estrangeiro
Ainda mais sombrio, ou o ofusca
Com réstias de luz alucinadas… este céu
De baba sobre as mansardas amarelas
Que em semicírculos velam como véus
Os meandros do Tibre, os montes
Turquesa do Lácio… É uma paz mortal,
Resignada como os nossos destinos,
A que derrama sobre estes velhos muros
O outonal Maio.
Há nele o cinzento do mundo
O fim do decênio em que nos parece
Que as ruínas engoliram o profundo
ingênuo esforço para recriar a vida:
silêncio, úmido e infecundo…
Tu, jovem, naquele Maio em que errar
Era ainda viver, naquele Maio italiano
Que à vida ao menos acrescentava ardor,
Muito menos descuidado e impuramente são
Do que os nossos pais – não pai, mas humilde 
Irmão – já com a tua magra mão
Delineavas o ideal que ilumina
(Mas não para nós, que estás morto, e nós
Estamos mortos, contigo, no úmido
Jardim) este silêncio. 
Não vês que só
Podes repousar em terra
Estranha, ainda desterrado? 
Um tédio
Patrício reina à tua volta. 
E só te chega
Um rumor abafado de bigorna
Nas oficinas do Testaccio, adormecido
Ao anoitecer: por entre míseros telhados,
Nus montões de lata, ferro-velho, onde, vicioso,
Um operário cantando dá por terminado
O seu dia, e em redor deixa de chover.