"Penúltimo Caderno", Complexos anexos, SL/SD; Publicado: BH, 0280102022.

Complexos anexos

Reflexos  de ecos 

De gritos mortos e

No passado amor e

Paz que estão com

Elos no ser interior

Fiquei boquiaberto

Depois que mandei

Tudo que me arruinava

E tudo que me matava

Para o fundo do espaço

E dores e falsos amores

E ódios e vinganças

Coloquei em órbita e

Para o infinito e não

Podia continuar com

Tudo isso aqui sempre

A me reduzir a um

Bagaço de regaço de

Bagunça e jogado fora

Tempo e hora e aumentei

E economizei para o uso 

Do amor e luz e calor e

Valor e vida e só pode ver

Quem souber me olhar e

Quem souber me entender

E se não souberes deixo

Tudo que lancei ao espaço

Para ti num bom proveito.

"Penúltimo Caderno", Soraia, SL/SD; Publicado: BH, 0250102022.

Soraia

O vento levanta

Tua leve saia e

Acaricia malicioso

Tuas belas pernas

Pernas douradas

Pernas queimadas

Pelo sol do céu

Pernas molhadas

Pela água do mar

Soraia

Tua boca aberta

Cheia de sorrisos

A pedir beijos

Teu corpo frágil

A querer amparo

A querer carícias

E quero te amar

Soraia

Teus olhos alegres

Fazem-me sonhar contigo

E toda noite

Durmo a pensar

Num dia ainda

Em meus braços te ter

E beijar tua boca

E ver teu corpo

Que a água molha

Que o sol queima

E que o vento acaricia

Soraia

Não me deixes sozinho

Olhes para mim

Veja o amor aflorar

É o que tenho por ti

Teus belos cabelos soltos

Deixam-me virado

Soraia

Olhes para cá

Venhas para mim

Não me deixes assim.

"Penúltimo Caderno", E não sei de que vou morrer, SL/SD; Publicado: BH, 0250102022.

E não sei de que vou morrer

E não sei que dia vou morrer e

Que horas vou morrer e fico 

Triste em saber que um dia 

Vou morrer sem fazer o bem e

Sem ser bom e sem ajudar 

Alguém e sem mostrar ao 

Mundo o que é certo e o que

É errado e fico triste em 

Saber que sou um inútil e

Que morrerei inútil sem 

Poder fazer nada pelos que

Sofrem e pelos que precisam 

De mim e pelos que vivem

Em guerra a querer a paz e a

Querer o amor e não sei de

Que vou morrer e não sei

Quando vou morrer e não sei

Que horas vou morrer mas

Imploro a Deus para que

Antes de chegar a minha hora

Mostre-me o que tenho que 

Fazer e só farei a sua vontade

E que me ensine o que tenho

Que ensinar e que me ajude no

Que tenho que ajudar e não sei

De que vou morrer mas não

Queria morrer assim tão fútil.

"Penúltimo Caderno", E porque foi nascer assim? SL/SD; Publicado: BH, 0250102022.

E porque foi nascer assim?

E porque foi nascer aqui?

Numa família que não o entende

E que não é entendido

A vida já não é boa

E não há nenhum pingo de amor

E nenhum pingo de paz

Numa raça de preguiçosos ociosos

Para amar e pacificar

Numa raça de ignorantes psicopatas

E todo mundo quer ser melhor

E ninguém fala com ninguém

Porque não procuraram lutar unidos?

Porque não procuraram permanecer unidos?

Porque não procuraram melhorar unidos?

Nunca moraram numa casa boa

Nunca moraram numa casa com água

Nunca moraram numa casa que tenha 

Descarga no vaso e luz elétrica

Nunca moraram numa casa confortável

E bem mobíliada e cada dia que passa

As coisas pioram mais

E a vida piora mais

E só a desordem reina

E só a violência é a palavra

E assim não dá para viver

E tinham que abrir os outros olhos

E deixar de lado a ignorância

E deixar de lado tudo que abala

A paz e a união e o amor

Porque não se olharam uns para os outros?

E cada um quer é cuidar de si

Não seria melhor o conjunto

Não seria melhor o diálogo

E a comunicação e a harmonia

Não fumaram juntos o cachimbo da paz

E chegar à conclusão de que

Tinham um lar e muita gente ainda

Anda atrás dum lar e não encontra

E quem tem um lar

Não o sabem conservar

Ou bem aproveitar

Enquanto é cedo

E vão se arrepender

A vida é curta

E o tempo bem mais curto ainda

Vão se arrepender

Amanhã pode ser tarde.

"Penúltimo Caderno", E não quero ser um médico, SL/SD; Publicado: BH, 0200102022.

E não quero ser um médico

É que odeio hospitais e não

Quero ser um padre é que 

Odeio igrejas e não quero 

Ser um advogado e não 

Quero ser um político é que

Odeio a política e não quero

Ser um juiz é que odeio ter

Que julgar e nem quero ter

A autoridade para julgar 

Uma pessoa e não tenho a

Coragem de tirar a liberdade

Dum ser e não quero ser um

Soldado é que odeio a guerra

E odeio as ideias de guerra e

Odeio os projetos de guerra e

Não quero ser um policial é

Que odeio prisões e odeio 

Prender alguém e não quero

Ser um jornalista e não quero

Ser um repórter pois não 

Tenho coragem de mentir e

Nem de transmitir ao mundo

As desgraças dos outros e

Sempre a aumentar para 

Impressionar e fazer furo e

Não quero ser um lutador de

Boxe e não quero ser lutador

De espécie alguma é que odeio

A violência e não quero ser

Empregado de ninguém e não

Quero precisar de ninguém é

Que é que odeio ficar sob 

Ordens doutros e odeio ficar

Sob custódia e não quero ser

Um físico e não quero ser um

Químico e não quero ser um

Cientista e não quero ser um

Engenheiro é que só inventam

Armas e só constroem a morte e

Não quero andar armado e não

Quero matar e não quero morrer

É que odeio a morte e não quero

Ser uma autoridade e não quero

Ser um delegado é que odeio dar

Ordens e odeio quando me puxam

O saco e não quero ser da sociedade

É que odeio dar satisfações e não

Quero saber se tudo e não quero

Conhecer tudo e não quero saber

De nadar quero amor e amar e

Quero paz e pacificar e não quero

Ser o papa e não quero ser um

Astronauta e não quero dinheiro

É que quero ser um poeta e é o

Único modo que posso ver e 

Desvendar alguma beleza que

Existe aqui neste mundo insosso.

"Penúltimo Caderno", Chega à janela, SL/SD; Publicado: BH, 0200102022.

Chega à janela

E venhas ver a rua

Canta da janela

Uma canção

De ninar o mundo

Ouves com amor

Uma cantiga

Do som da alma

Chega à janela

E venhas ver a noite

Noite linda

Com estrelas lindas

Noite infinita

Sem lua

Chega à janela

E vem olhar a rua

Que não tem amor

Vem olhar o mundo

Que não tem paz

Vem olhar a vida

Que não tem calor

Chega à janela

Abres a janela

Para entrar a luz

Para entrar o céu

Para entrar o ar

Chega à janela

Chega com amor

Chega com paz

Chega com sereno

Chega com orvalho

Chega à janela

Com a beleza

Com a clareza

Chega com tudo

Chega à janela

Da casa do mundo

E abres a janela

Para a casa

E para o mundo

Mesquinho

Estúpido

Mundo pobre

E corrupto.

"Penúltimo Caderno", E vou pôr cabrestos, SL/SD; Publicado: BH, 0200102022.

E vou pôr cabrestos

E vou pôr cangalhas

Em todo mundo

E vou pôr ferraduras

E vou pôr freios

E mudar o menu

Vai todo mundo

Comer capim

E vou pôr sela

E vou fazer com que

O mundo se adestre

Pelo menos

No saber de viver

E no de amar

Pois se não sabe

Viver como gente

Então que viva

Como um animal

Se não sabe

Viver num lar

Então viva

Num curral

E se não sabe

Comer numa mesa

Então coma num pasto

E só assim

O mundo pode melhorar

E não haverão mais problemas

Ou medo de guerras

Nem haverá mais morte

E vou pôr cabrestos

E vou pôr cangalhas

E vou fazer

De todo mundo racional

Um mundo irracional

E mais ninguém

Vai morrer de fome

Pois capim

É o que mais tem

Por toda a parte.

"Penúltimo Caderno", Confissões, SL/SD; Publicado: BH, 0140102022.

E guloso e escandaloso e invejoso

Os sete pecados capitais são poucos

Perto meus e orgulhoso e vaidoso

E medroso e ambicioso e mal

Educado e maldito e nunca bem

Dito devido às falhas e às faltas e

Mal falado e abandonado e maluco

E sem escrúpulos e sem estilo e

Preguiçoso e manhoso e vagaroso

E distraído e retardado e desmazelado

E mal arrumado e deselegante que

Assombroso e pavoroso e desgostoso

E que pensa ser revoltado mas 

Magoado e desiludido e sem

Apoio e humilhado a humilhar

Sem humildade mas desencorajado

E desanimado e o pior sem amor e

Não tenho paz e nem nunca plantei

Uma flor e desmoralizado e

Desmascarado e enganado e

Misturado pois colocaram em

Minhas fórmulas um pouco de

Horror e  um pouco de horrível e

Nasci um horrorível bagunçado e

Despedaçado e calado psicopata e

Lunático asmático e solúvel mortal

Vulnerável humano defeituoso

Supersticioso e suspeito e sem

Respeito e sem caráter azarado e

Sem sorte e mal criado e desalmado

Desalinhado de tudo e que não é de

Nada e pensa sei de tudo e no fundo

Não sei de nada e sou de carne

Imprestável e fraca e mentiroso

Ateu horroroso sem um céu.

"Penúltimo Caderno", Quem me dera, SL/SD; Publicado: BH, 0140102022.

Quem me dera

Um dia ter amor

E quem me dera

Se pudesse ser perfeito

E ter a carne e

Ter a alma e

Ter o corpo e

Ter os olhos e

Ter a boca e

Ter tudo feito de amor e

Quem me dera

Um dia ter paz e

Plena paz e

Paz completa e

Paz direta e

Quem me dera

Um dia ser bom e

Ser feliz e

Ser alegre e

Ter alegria e

Ser amor e

Ser gente e

Ser humano e

Fazer o bem e

Ter comunhão e

Ter união e

Quem me dera

Se pudesse

Aprender viver e

Ter vida e

Sem sofrer

Em toda a minha vida e

Em todo o meu ser.

"Penúltimo Caderno", E tenho muita coisa para fazer, SL/SD; Publicado: BH, 0140102022.

E tenho muita coisa para fazer

E não posso ficar aqui a chorar

E a pensar em ti e não vou 

Olhar para atrás e só me 

Fizeste perder o meu amor e

Só me fizeste perder a minha 

Paz e tenho muita coisa para

Fazer e não posso ficar aqui a

Esperar e a lamentar por ti 

Depois que daqui partiste e vi

Interesse em toda vida e tudo se

Tornou um motivo e tudo se 

Tornou um tema para mim e 

Não vejo mais interesse algum

Em toda que és e por isso já vou

E até logo e tenho muita coisa

Para fazer e se estás a pensar

 Em me encontrar sozinho a

Chorar ou em me encontrar

Triste a lamentar fiques certa

Que não vais não e um outro eu

Noutro totalmente mudado e

Tenho pena de ti sozinha a 

Penar e não vais sair muito 

Bem já falei e tenho muita 

Coisa para fazer e não posso

Ficar aqui a sofrer somente

Por ti e foste quem quiseste

Assim e a ideia foi toda tua e

Quem vai sair a chorar és tu e

Vai sair a sofrer és tu e quem

Vai pensar e vai esperar

Inutilmente és tu e digo adeus

É que tenho muita coisa para

Fazer e não tenho nada para 

Dizer e só posso dizer outra

Vez o mesmo adeus e também

Que não te conheço mais aqui.

"Penúltimo Caderno", E quero ficar contigo, SL/SD; Publicado: BH, 0120102022.

E quero ficar contigo

Até o dia amanhecer

E quero estar ao teu lado

Até à hora do sol nascer

E quero beijar a tua boca

Sem pensar em te perder

E quero acariciar o teu corpo

Sem te ver aborrecer

E quero ficar contigo

Até a nova vida nascer

E quero te amar

Até à hora da partida

E com o último suspiro

E te darei o último beijo

E te chamarei de meu amor

E te gritarei de minha querida

É que quero ter

Uma boa lembrança

Que é para guardar para o mundo

Como uma valiosa herança

Quero ficar em teu corpo

Quero ficar em teu olhar

Quero ficar em tua boca

Quero ficar em tua alma

Quero ficar em ti

Até o dia corromper

Numa nova mocidade

Numa nova primavera

Quero estar ao teu lado

Quando o sol nascer

Em tua saliva

Em teu peito

Quando o sol nascer

Em tua alma

Em tua cabeça

Em teu espírito

Quero estar em tua vida

Quando a madrugada chegar

Porque não quero te abandonar

Porque quero te amar

E te encher de carícias

E beijos matinais

Com hálito de manhã

Quero ficar contigo

Até raiar o dia

Até o amanhecer

Quero ficar contigo

Até o dia nascer

Até o sol nascer.

"Penúltimo Caderno", Ao pai quero deixar bem claro, SL/SD; Publicado: BH, 0120102022.

Ao pai quero deixar bem claro

Algo que sinto no coração escuro

É que tenho vergonha de conversar contigo

Pois só te dei derrotas e só te dei desilusões

E não ouvi nem teus conselhos

E não ouvi nem a tua voz

E sei que já te fiz chorar às escondidas

E sei que já te fiz sofrer claramente

Mas hoje sofro por tudo em dobro por isso

E pedir perdão é pouco e nem sei

E pedir a benção é hipocrisia e bem sei

Que sou um imprestável e

Que sou um inútil que

Não soube ser homem

E tanta gente quer um pai e

Tanta gente implora por um pai

E tenho um e não o sei amar

E toda vez que lembro das vergonhas

Que já passei e das vergonhas que fiz na

Tua frente e já te fiz passar me dá até

Vontade de chorar ou de morrer e

Quando precisavas de mim sempre te ajudava

De má vontade ou com raiva

E hoje pelo amor de Deus peço

Que um dia venhas para mim

É que agora sei o teu valor e

É que agora sinto sobre minhas costas

O peso das mentiras e o peso dos enganos

E imploro te vem me perdoar e

É que um dia também vou ser pai

E vou ter um filho talvez mil vezes pior para mim

Do que fui para ti

E assim serei castigado

E sentirei o que é ser pai

E sentirei o que é sofrer por um filho

E sou covarde não vou suportar

E sou medroso não vou enfrentar

E sou fraco não vou lutar

E tenho medo de tudo no futuro

E sou um frágil não vou resistir

E vivo sempre em erros e

Será que ainda podes me consertar?

Para dizer que te amo e sinto que te amo

Mas não mereço o teu amor

É que sou pior do que o filho pródigo

E não posso chamar-te de pai

Mas tenho necessidade disso para ser alguém

E quero um pai

E quero ser um filho

E quero que sejas o meu pai

E quero que seja o teu filho

E vou nascer de novo

Aí vais me ensinar

A amar e a respeitar

A honrar e a ter caráter

E quero que me ajudes a ser forte

E quero que me ajudes a ter ânimo

E quero ter disposição para viver

Vem logo pois faz tanto tempo que não te vejo

Será que ainda vou te conhecer?

A vida é tão curta

Passamos tão pouco tempo juntos

E com a minha ignorância

Ainda reduzi mais o tempo

Ao sair de perto de ti

E agora quero ser feliz

E quero te fazer feliz

E quero ter amor

E quero te amar

Vem logo então

Clarear meu coração

Não me deixes esperar

Não me deixes sofrer

Teu filho é todo teu.

"Penúltimo Caderno", E queria que o amor no mundo fosse como as estrelas do céu, SL/SD; Publicado: BH, 0120102022.

E queria que o amor no mundo fosse como as estrelas do céu

E queria que o amor no mundo fosse como os grãos de areia 

Das praias dos oceanos e dos mares e dos rios e lagos e lagoas

E queria que o amor no mundo fosse como os peixes dos oceanos e dos mares e dos rios e lagos e lagoas

E queria que o amor no mundo fosse como as moléculas do ar

E queria que o amor no mundo fosse como o infinito da cor do jasmim

E de tudo que a gente conta e conta e nunca chega ao fim

E queria que a paz no mundo fosse serena como uma serenata de Toselli

E queria que a paz no mundo fosse como o olhar duma criança

E fosse alegre como um sorriso e leve como o sereno e fresca como a brisa

E queria que a paz no mundo fosse cheirosa como a rosa

E como as nuvens que o vento empurra de mansinho no azul do céu

E queria que a paz no mundo chegasse sem fazer barulho

E que o mundo fosse um berço de sono onde se sonha numa noite calma

Com um despertar tranquilo de manhãzinha

E com um novo sol e um novo ideal para se realizar

E queria que a vida no mundo fosse clara e límpida como a luz

E queria que a vida no mundo fosse menos agitada

E queria que a vida no mundo tivesse mais valor

E com conclusão de resumo de tudo que é mais paz e mais amor.

"Penúltimo Caderno", E se quero ser alguém, SL/SD; Publicado: BH, 0100102022.

E se quero ser alguém

E se quero ser algo

E se quero ser fidalgo

E se quero ser

Tenho que me preparar

Tenho que me arrumar

Tenho que me aprumar

E se quero fazer

E se quero entender

E se quero ensinar

Tenho que aprender

Tenho que estudar

Tenho que animar

E se quero ir em frente

E se quero educar

E se quero habitar num habitat

Tenho que ter boa mente

Tenho que ter ideias adultas

Tenho que ser muito coerente

E se quero ter amor

E se quero ter paz

E se quero ser feliz

Tenho que dar amor

Tenho que procurar a paz 

Tenho que aprender tudo

Aí então serei feliz

Pois só o amor leva à felicidade

Só o amor leva à paz

Só o amor leva à vida

E se quero viver

E se não quero sofrer

E se quero conhecer

Tenho que ter amor

Tenho que aprender a amar

Tenho que mudar

Tenho que saber viver

Se quero ser infinito

Se quero ser imortal

Se quero ser invulnerável

Tenho que fazer o bem

Tenho que ajudar

Tenho que ter um alguém.

"Penúltimo Caderno", E bates a porta da geladeira, SL/SD; Publicado: BH, 090102022.

E bates a porta da geladeira

E fazes barulho com as panelas na cozinha e

Pisas com força o chão da casa e

Abres violentamente as gavetas

A procurar incomodar ou

Descarregar teu ódio nas coisas

E rasgas os cartazes das paredes

E rasgas as capas dos livros e

Sempre a procurar um modo de vingança

E tocas violão e agrides e feres

Com o mesmo violão

E fazes canções de amor

E tiras sangue dos irmãos nas porradas

E não respeitas os mais velhos

E sempre procuras ser melhor

E o que bancas o educado

E chegas da rua com a cara fechada

A parecer um machão

E não falas com ninguém

E nem comprimentas as pessoas

E tocas flauta até tarde da noite

A chamar a atenção

E falas que és homem

E que tens muitas mulheres

E que falas que não és bobo

E que és inteligente

E que entendes das coisas

E que és valente

E que enfrentas os anciãos

E que não apanhas de ninguém

E falas que lês os jornais

E que vais à escola

E que andas bem informado

E que andas bem vestido

E que não dás arrotos

Mas fazes coisas piores

E estás sempre mau humorado

E não sabes ser humilde

E estás sempre nervoso

E queres tudo para ti

Não respeitas ninguém

E contas mentiras

E enganas aos outros

E só conheces a violência

E só conheces o ódio

E estás a te transformar

Parece que num monstro

Nos modos de agir

E tenho medo de ti

Um bicho do mato

Um animal indomável

Infelizmente selvagem.

"Penúltimo Caderno", Se pudesse fazer poemas, SL/SD; Publicado: BH, 070102022.

Se pudesse fazer poemas

E se pudesse fazer poesias

De rodas as coisas que

Enxergo e se pudesse fazer

Canções e se pudesse fazer

Cantigas de todas as coisas

Que vejo e ausculto e se 

Pudesse fazer sonetos das

Belezas raras que procuro

Ver e se pudesse ver amor

Em cada ser que se diz ser

Humano e se pudesse ver

Harmonia e se pudesse ver

Paz e se pudesse ver união

E cantaria à alegria como

Numa ode que sentiria em

Meu coração se pudesse

Fazer melodias com a 

Maravilha da natureza e a

Pureza do canto dos pássaros

E se pudesse pintar um

Quadro com as cores do

Arco-íris que tem no céu

Depois das chuvas e se 

Pudesse pintar um quadro

Com as cores do amanhecer

E com a cor da luz do

Vagalume e com as cores das

Asas dos passarinhos e das

Asas das borboletas e se

Pudesse ser um poeta ou

Mesmo menos do que um

Poeta e se pudesse ser um

Escritor menor mas que

Soubesse fazer poesisas e

Soubesse escrever poemas e

Tivesse inspiração no coração

E não maldade ou ruindade

Ou ódio e iria transmitir ao

Mundo o que a vida pode dar

Se pudesse e se soubesse fazer

Sonetos com as nuvens que 

Tem no firmamento e se

Pudesse e se soubesse fazer

Obras-primas com o perfume

Das flores e se pudesse e se

Soubesse olhar as coisas e

Sentir as coisas e procuraria

Conservar mas sou ignorante

E não sei olhar e não sinto a

Vida e não sinto o amor que

Tem num único ramo de flores.

"Penúltimo Caderno", Muita gente me aconselhou, SL/SD; Publicado: BH, 070102022.

Muita gente me aconselhou

Mas não soube aproveitar e

Nem soube seguir os conselhos

E muita gente me indicou o

Caminho mas não quis seguir

E muita gente me animou

Mas me desanimei e muita

Gente me encorajou mas me

Acovardei e muita gente me

Acordou mas tornei a dormir

E muita gente me ajudou e

Muita gente falou para mim

Que não era desse jeito e que

Era assim e muita gente me

Mostrou um novo modo de

Mudar mas fui um cego e não

Aprendi a olhar e muita gente

Sofreu comigo e muita gente

Odiou-me e muita gente me

Odeia e era um cabeça dura

E sou um cabeça dura e muita

Gente me aconselhou mas

Não quis ouvir conselhos e

Muita gente me deu a mão

Mas me escondi e muita

Gente se interessou por mim

Mas meu orgulho foi maior e

Muita gente brincou comigo

E não soube brincar e agora

Vivo aí e agora sou isso aí e

Ai agora sou isso aqui a 

Reclamar de tudo sem direito

A nada e sem ter o direito a

Reclamar e tive tudo e deixei

O tempo levar e muita gente

Deu-me o exemplo e muita

Gente me abriu os olhos mas

Era teimoso e fui teimoso e

Sou teimoso e era chato e sou

Chato e era fraco e sou fraco

E muita gente me levantava

Mas sempre caía e muita gente

Deu-me moral e muita gente

Deu-me caráter e era descuidado

E fui descuidado e sou descuidado

E perdi tudo na estrada e

Muita gente fez muito por

Mim e muita gente lutou por

Mim e pai e mãe e demais e

Que até choraram por mim.

"Penúltimo Caderno", Ora olha e agora é hora, SL/SD; Publicado: BH, 050102022.

Ora olha e agora é hora

De fazer amor e olha 

Ora e agora é hora de

Fazer sexo e de fazer

Bem feito sem deixar

Sequelas e efeitos

Colaterais e agora é hora

De ajudar e de ser feliz e

Agora é hora ora e olha a

Hora de encontrar paz e

De acariciar e de

Conhecer e de beijar e

Ora olha e agora é hora

De dormir agarradinhos

E amar e agora é hora de

Ser bom no que se faz e

Agora é hora de ser 

Presente e de ser calmo

E de ter confiança e

Agora é hora de fazer

Amor e agora é hora de

Dar carinho e de dar 

Calor e agora é hora de

Acalentar e de cantar e

De alegria e agora é hora

De poemas e de poesias

Que tem teu amável corpo

E agora é hora de provar o

Açúcar de tua língua e de

Matar a sede com a água

Dos teus olhos e agora é

Hora de beber o vinho dos

Teus cachos de uvas castas

E agora chegou a hora da

Noite chegar noite eterna

Que não pode mais se

Acabar e agora é hora de

Recomeçar e agora é hora

De esquecer e agora é hora

De não sofrer e agora é

De união e agora de é

Harmonia e agora é dum

Novo sorriso e dum novo

Horário coerente e agora

É hora da hora sem horário

E sem relógio e é a hora do

Amor e hora de amar hoje

E sempre e de aquecer se

Fizer frio e agora é hora de

Acender a vela e agora é hora

E não vamos embora e não

Vais embora e não vou 

Embora e temos muito o que

Fazer e agora é hora e és 

Minha e sou teu e não somos

De mais ninguém e agora é

Hora e a hora chegou e agora

É hora de não nos arrepender.

"Penúltimo Caderno", Vou aprender a falar inglês, SL/SD; Publicado: BH, 030102022.

Vou aprender a falar inglês

E vou aprender a falar francês

E vou aprender a fazer conta de somar

E de dividir e de multiplicar

E vou aprender a ler a leitura

E a escrever a escritura e

Vou aprender a ler jornal

Todo santo dia e vou aprender a ler

Todos os livros sagrados e profanos

E os que encontrar perdidos no tempo

E vou aprender a ficar a saber de tudo

E vou aprender a conhecer tudo e

Vou aprender a ser culto e intelectual

E quero ver se ao fazer isso

Vou ter mais amor

E mais paz

E vou aprender a ir à escola todo dia

E fazer os deveres de casa e vou

Aprender a datilografar a a ir à igreja

Todos os domingos e demais dias da

Semana e vou aprender a ir ao

Cemitério rezar e quero ver se isso

Vai me ensinar a amar e vai me ensinar

A ser bom e a fazer o bem e se vai

Curar a minha loucura e vou aprender a

Lutar caratê e vou aprender a lutar judô

E vou comprar uma motocicleta e vou

Comprar um bom carro e vou aprender

Capoeira e vou aprender a tocar violão

Só para ver se isso e só para ver se com

Isso consiga a mulher que quiser e vou

Aprender a ser político e vou ser um

Padre e vou ser um médico ou um advogado

E quero ver se vou ser melhor do que todo

Mundo e quero ver se vou me tornar um

Imortal e quero ver se vou virar um deus e

Vou fazer tudo isso e vou fazer o impossível

E tudo mais que me chegar à cabeça e quero

Ver se vou ser feliz e quero ver se irei para

O céu com tudo que vou aprender a ser e fazer.

"Penúltimo Caderno", Poeira sólida, SL/SD; Publicado: BH, 030102022.

Poeira sólida

Migalhas de sangue coagulado

Vida líquida

Corpo consumido

Alma sucumbida

Espírito infrator

Mente indigente

Olho enganador

Mundo sem amor

Ar rarefeito

Poeira gasosa

Veias furadas

Heomorragia crônica

Paz abalada

Doenças incuráveis

Hospitais infernais

Atmosfera moribunda

Aspecto quadrado

Sol congelado

Céu apagado

Natureza exterminada

Ódio consumado

E quero ver

Aonde tudo vai chegar

Língua enferrujada

Garganta dilacerada

Saliva evaporada

Vapor cúbico no cubo

De lama espiral

Donde afunda

No horizonte disfarçado

Um mundo atormentado

Mundo velho apodrecido

A cair aos pedaços

Levados pela água horizontal

De lágrimas verticais

De choro de crianças famintas

Órfãs de guerras cruas

Sem tempero e sem sal

E todo mundo a comer chumbo

Chumbo nuclear e atômico

Aço derretido

Boca costurada

Agulha envenenada

Linhas de ferro

Fome aguda

Morte certa

Morte cega

Morre cego

Na poeira levantada

Com o tombo mortal

De corpo morto

Corpo surdo

Que fica estirado

Na beira da poeira poluída

Na beira da vida

Até virar poeira

De germes micros

De vermes micros

Poeira concebida

Que mata a luz

Poeira encaracolada

Poeira atômica

Poeira nuclear

Poeira mundial

Mundo oval

Mas não comparado

A um ovo

Dum ovo nasce vida

Dum mundo vem um morto

Poeira mortal cheia de radiação

Migalhas de mortos

Restos de corpos

Ecos de gemidos

Sons de inexistência

E quero ver

Aonde vai dar

Essa vida expelida

Sem um raio de luz

Sem um raio de sol

Sem uma gota de chuva

Sem um ponto de ar

Sem um ponto de vista

Sem um ponto final

Sem um ponto de amor

Sem um pouco de amor

Poeira elevada 

Mais alta que o céu

Poeira da morte

Já desceu seu véu.