Enfim te vejo! - enfim posso,
Curvado a teus pés, dizer-te
Que não cessei de querer-te,
Pesar de quanto sofri.
Muito penei! Cruas ânsias,
Dos teus olhos afastado,
Houveram-me acabrunhado,
A não lembrar-me de ti!
Dum mundo a outro impelido,
Derramei os meus lamentos
Nas surdas asas dos ventos,
Do mar na crêspa cerviz!
Baldão, ludíbrio da sorte
Em terra estranha, entre gente,
Que alheios males não sente,
Nem se condói do infeliz!
Louco, aflito, a saciar-me
D'agravar minha ferida,
Tormou-me tédio da vida,
Passos da morte senti;
Mas quase no passo extremo,
No último arcar da esp'rança,
Tu me vieste à lembrança:
Quis viver mais e vivi!
Vivi; pois Deus me guardava
Para êste lugar e hora!
Depois de tanto, senhora,
Ver-te e falar-te outra vez;
Rever-me em teu rosto amigo,
Pensar em quanto hei perdido,
E êste pranto dolorido
Deixar correr a teus pés.
Mas que tens? Não me conheces?
De mim afastas teu rosto?
Pois tanto pôde o desgôsto
Transformar o rosto meu?
Sei a aflição quanto pode,
Sei quanto ela desfigura,
E não vivi na ventura...
Olha-me bem, que sou eu!
Nenhuma voz me diriges!...
Julgas-te acaso ofendida?
Deste-me amor, e a vida
Que ma darias - bem sei;
Mas lembrem-te aquêles feros
Corações que se meteram
Entre nós; e se venceram,
Mal sabes quanto lutei!
Oh! se lutei!... mas devera
Expor-te em pública praça,
Como um alvo à populaça,
Um alvo aos dictérios seus?
Devera, podia acaso
Tal sacrifício aceitar-te
Para no cabo pagar-te,
Meus dias unindo aos teus?
Devera, sim; mas pensava
Que de mim t'esquecerias,
Que, sem mim, alegres dias
T'esperavam; e em favor
De minhas preces, contava
Que o bom Deus me aceitaria
O meu quinhão de alegria
Pelo teu quinhão de dor!
Que me enganei, ora o vejo;
Nadam-te os olhos em pranto,
Arfa-te o peito, e no entanto
Nem me podes encarar;
Êrro foi, mas não foi crime,
Não te esqueci, eu to juro:
Sacrifiquei meu futuro,
Vida e glória por te amar!
Tudo, tudo; e na miséria
Dum martírio prolongado,
Lento, cruel, disfarçado,
Que eu nem a ti confiei:
"Ela é feliz (me dizia),
"Seu descanso é obra minha."
Negou-me a sorte mesquinha...
Perdoa, que me enganei!
Tantos encantos me tinham,
Tanta ilusão me afagava,
De noite, quando acordava,
De dia em sonhos talvez!
Tudo isso agora onde pára?
Onde a ilusão dos meus sonhos?
Tantos projetos risonhos,
Tudo êsse engano desfez!
Enganei-me... - Horrendo caos
Nessas palavras se encerra,
Quando do engano, quem erra,
Não pode voltar atrás!
Amarga irrisão! reflete:
Quando eu gozar-te pudera,
Mártir quis ser, cuidei qu'era...
E um louco fui, nada mais!
Louco, julguei adornar-me
Com palmas d'alta virtude!
Que tinha eu bronco e rude
Co'o que se chama ideal?
O meu eras tu, não outro;
'Stava em deixar minha vida
Correr por ti conduzida,
Pura, na ausência do mal.
Pensar eu que o teu destino
Ligado ao meu, outro fôra,
Pensar que te vejo agora,
Por culpa minha, infeliz;
Pensar que a tua ventura
Deus ab eterno a fizera,
No meu caminho a pusera...
E eu! eu fui que a não quis!
És doutro agora, e pra sempre!
Eu a mísero destêrro
Volto, chorando o meu êrro,
Quase descrendo dos céus!
Dói-te de mim, pois me encontras
Em tanta miséria pôsto,
Que a expressão dêste desgôsto
Será um crime ante Deus!
Dói-te de mim, que t'imploro
Perdão, a teus pés curvado;
Perdão!... de não ter ousado
Viver contente e feliz!
Perdão da minha miséria,
Da dor que me rala o peito,
E se do mal que te hei feito,
Também do mal que me fiz!
Adeus qu'eu parto, senhora;
Negou-me o fado inimigo
Passar a vida contigo,
Ter sepultura entre os meus;
Negou-me nesta hora extrema,
Por extrema despedida,
Ouvir-te a voz comovida
Soluçar com um breve Adeus!
Lerás porém algum dia
Meus versos, d'alma arrancados,
D'amargo pranto banhados,
Com sangue escritos; - e então
Confio que te comovas,
Que a minha dor te apiede,
Que chores, não de saudade,
Nem de amor, - de compaixão.
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