sábado, 16 de julho de 2011

Gonçalves Dias, Introdução aos Timbiras; BH, 0160702011.

Os ritos semibárbaros dos Piagas,
Cultores de Tupã, e a terra virgem
Donde, como dum trono, enfim se abriram
Da cruz de Cristo os piedosos braços;
As festas, e batalhas mal sangradas
Do povo Americano, agora extinto,
Hei de cantar na lira, - Evoco a sombra
Do selvagem guerreiro!... Torvo o aspecto,
Severo e quase mudo, a lentos passos,
Caminha incerto, - o bipartido arco
Nas mãos sustenta, e dos despidos ombros
Prende-lhe a rota aljava... as entornadas,
Agora inúteis estas, vão mostrando
A marcha triste e os passos mal seguros
De quem, na terra de seus pais, embalde
Procura asilo, e foge o humano trato.

Quem pudera, guerreiro, nos seus cantos
A voz dos piagas teus um só momento
Repetir; essa voz que nas montanhas
Valente retumbava, e dentro d'alma
Vos ia derramando arrojo e brios,
Melhor que taças de cauim fortíssimo?!
Outra vez a chapada e o bosque ouviram
Dos filhos de Tupã a voz e os feitos
E as pocemas de morte, levantadas
Dentro do circo, onde o fatal delito
Espia o malfadado prisioneiro,
Qu'enxerga a maça e sente a muçurana
Cingir-lhe os rins e enodoar-lhe o corpo;
E sós de os escutar mais forte acento
Haveriam de achar nos eus refolhos
I monte e a selva e novamente os ecos.

Como os sons do boré, soa o meu canto
Sagrado ao rudo povo americano:
Quem quer que a natureza estima a preza
E gosta ouvir as empoladas vagas
Bater gemendo as cavas penedias,
E o negro bosque sussurrando ao longe -
Escute-me. - Cantor modesto e humilde,
A fronte não cingi de mirto e louro,
Antes de verde rama engrinaldei-a,
D'agrestes flores enfeitando a lira;
Não me assentei nos cimos do Parnaso,
Nem vi correr a linfa da Castália.
Cantor das selvas, entre bravas mataas
Áspero tronco da palmeira escolho.
Unido a ele soltarei meu canto,
Enquanto o vento aos palmares zune,
Rugindo os longos encontrados leques.

Não só me escutareis fereza e mortes:
As lágrimas do orvalho por ventura
Da minha lira distendendo as cordas,
Hão de em parte ameigar e embrandecê-las.
Talvez o lenhador quando acomete
O tronco d'alto cedro corpulento,
Vem-lhe tingindo o fio da segure
De puro mel, que abelhas fabricaram;
Talvez também nas folhas qu'engrinaldo,
A acácia branca o seu candor derrame
E a flor do sassafrás se estrele amiga.

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