quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Torquato Neto, Explicação do Fato, parte II; BH, 0140902011.

Também tenho uma noite em mim tão escura 

 

Que nela me confundo e paro 

 

E em adágio cantabile pronuncio 

 

As palavras da nênia ao meu defunto, 

 

Perdido nele, o ar sombrio.


(Me reconheço nele e me apavoro)

Me reconheço nele,

Não os olhos cerrados, a boca falando cheia,

As mãos cruzadas em definitivo estado, se enxergando,

Mas um calor de cegueira que se exala dele

E pronto: ele sou eu,

Peixe boi devolvido à praia, morto,

Exposto à vigilância dos passantes.

Ali me enxergo, à força no caixão do mundo

Sem arabescos e sem flores.

Tenho muito medo.

Mas acordo e a máquina me engole.

E sou apenas um homem caminhando

E não encontro em minha vestimenta

Bolsos para esconder as mãos, armas, que, mesmo frágeis,

Me ameaçam.

Como não ter medo?

Uma noite escura sai de mim e vem descer aqui

Sobre esta noite maior e sem fantasmas.

Como não morrer de medo se esta noite é fera

E dentro dela eu também sou fera e me confundo nela e

Ainda insisto?

Não é viável.

Nem eu mesmo sou viável, e como não?

Não sou.

O que é viável não existe, passou há muito tempo

E eram manhãs e tardes e manhãs com sol e chuva

E eu menino.

Eram manhãs e tardes e manhãs sem pernas

Que escorriam em tardes e manhãs sem pernas

E eu sentado num tanque absurdamente posto no meio da rua,

Menino sentado sem a preocupação da ida.

E era todo dia.

Havia sol

E eu o sabia

Sol: era de dia

Havia uma alegria

Do tamanho do mundo

E era dia no mundo.

Havia uma rua

(Debaixo dum dia)

E um tanque.

Mas agora é noite até no sol.

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