Também tenho uma noite em mim tão escura
Que nela me confundo e paro
E em adágio cantabile pronuncio
As palavras da nênia ao meu defunto,
Perdido nele, o ar sombrio.
(Me reconheço nele e me apavoro)
Me reconheço nele,
Não os olhos cerrados, a boca falando cheia,
As mãos cruzadas em definitivo estado, se enxergando,
Mas um calor de cegueira que se exala dele
E pronto: ele sou eu,
Peixe boi devolvido à praia, morto,
Exposto à vigilância dos passantes.
Ali me enxergo, à força no caixão do mundo
Sem arabescos e sem flores.
Tenho muito medo.
Mas acordo e a máquina me engole.
E sou apenas um homem caminhando
E não encontro em minha vestimenta
Bolsos para esconder as mãos, armas, que, mesmo frágeis,
Me ameaçam.
Como não ter medo?
Uma noite escura sai de mim e vem descer aqui
Sobre esta noite maior e sem fantasmas.
Como não morrer de medo se esta noite é fera
E dentro dela eu também sou fera e me confundo nela e
Ainda insisto?
Não é viável.
Nem eu mesmo sou viável, e como não?
Não sou.
O que é viável não existe, passou há muito tempo
E eram manhãs e tardes e manhãs com sol e chuva
E eu menino.
Eram manhãs e tardes e manhãs sem pernas
Que escorriam em tardes e manhãs sem pernas
E eu sentado num tanque absurdamente posto no meio da rua,
Menino sentado sem a preocupação da ida.
E era todo dia.
Havia sol
E eu o sabia
Sol: era de dia
Havia uma alegria
Do tamanho do mundo
E era dia no mundo.
Havia uma rua
(Debaixo dum dia)
E um tanque.
Mas agora é noite até no sol.
Nenhum comentário:
Postar um comentário