Dia trinta e um de janeiro.
Lá fora, um imenso povo, aqui dentro um passageiro
Disfarçado em célula-ovo.
Quinze de fevereiro, já sou um embrião.
Já pressinto a alegria da mãe sofredora, que ignora
Que vivo, e então sou um incógnito numa câmara incubadora.
Dia vinte e cinco, nada vai mal.
O tubo cardíaco começou a bater
E o cérebro e a medula espinhal
Já estão comigo a nascer.
Dois de março, me surpreendo:
Meço três milímetros, não é?
Mamãe se enjoa e, muito sofrendo,
Não pode nem tomar um tal de café.
Já se delineiam o meu formato,
Minhas perninhas, meus bracinhos.
Meu desenvolvimento já é um fato
E eu percebo que terei carinho.
Primeiro de abril, parece mentira,
Já sei o sexo que me deu o destino.
Felizmente, dentro de mim não há ira,
Porque eu juro, sempre quis ser menino!
Oito de abril, progrido demais,
A natureza tantas surprezas me lança.
Estou feliz, nem embrião sou mais.
Sou feto...sou fato, sou quase criança.
Dez de abril, estou me sentindo gente;
Estou aqui torcendo pelo tempo;
Torcendo para que, derepente,
Esta caverna me deixe livre como o vento.
Alegra-me que a ciência não tenha
Em frasco me colocado,
Pois o papel que o ventre desempenha
É importante para que eu seja amado.
Dez de abril, mamãe me sente como sua dor,
Sou parte dela e por ela irei ao mundo.
Sou resultado de um grande amor,
De que deu o que tinha de mais profundo.
Em seu organismo, vivo e me alimento,
Somos dois seres incrustados num só.
E ainda muito confuso aqui dentro
Eu temo por sofrer e sinto dó.
Quinze de abril, mamãe acordou disposta,
Saiu e, para onde ia não houve resposta.
Hoje... hoje mamãe me ASSASSINOU...
XXX
Por que será que o homem ainda não descobriu um remédio para curar o
câncer, a leucemia, o fogo selvagem?
- Vai ver o " descobridor " foi abortado !
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