quarta-feira, 23 de março de 2011

Arthur Rimbaud, Ofélia; BH, 0230302011.

I

Na onda calma e sombria em que as estrelas dormem,
Toda branca flutua, Ofélia, imensa flor.
Flutua devagar, deitada em longos véus,
Nas florestas, bem longe, ouvimos um clamor.

Há mil anos ou mais que a desditosa Ofélia,
Branca visão, perpassa ao longo da água escura;
Há mil anos ou mais que, em manso desvario,
À brisa vesperal sua canção murmura.

Seus seios beija o vento e em pétalas estende
Os véus que doce embala a rumorosa fonte.
Nos seus ombros chorando, agitam-se os salgueiros.
E frisa o caniçal a sonhadora tronte.

Suspiram junto dela as ninféias magoadas.
No ramo adormecido, ela acorda, entretanto,
Um ninho donde foge um frêmito que voa.
Dos astros de ouro vem misterioso canto.

II

Formosa quanto a neve, ó branca e doce Ofélia,
Sim, morreste, menina, um rio te levou!
É que o vento a soprar dos montes da Noruega
Da liberdade atroz, baixinho, te falou.

É que um sopro incomum te açoitando os cabelos,
À tua fantasia estranhos sons levava;
E no pranto da noite e na queixa das frondes,
A voz da Natureza o teu peito escutava.

É que, imenso estertor, feria a voz do mar
Teu jovem coração, bondoso em demasia;
E um belo cavaleiro, insano e atormentado,
A teus pés, se sentou, em luminoso dia.

Tua vida se foi como a neve no fogo.
Céu, Liberdade, Amor: que sonho, pobre Louca!
O Infinito assustou os teus olhos azuis,
As visões sufocando as palavras na boca.

III

As flores que colheste, ao clarão das estrelas,
Vens, à noite buscar, o Poeta nos diz,
E, na água, também viu, deitada em longos véus,
Ofélia flutuando, igual a um grande lis.

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