Topei um dia
Ao Deus vendado,
Que descuidado
Não tinha as setas
Na impia mão.
Mal o conheço,
Me sobe logo
Ao rosto o fogo,
Que a raiva acende
No coração.
"Morre, tirano;
Morre, inimigo:"
Mal isto digo,
Raivoso o aperto
Nos braços meus.
Tanto que o môço
Sente apertar-se,
Para salvar-se
Também me aperta
Nos braços seus.
O leve corpo
Ao ar levanto;
Ah! e com quanto
Impulso o trago
Do ar ao chão!
Pôde suster-se
A vez primeira;
Mas à terceira
Nos pés, que alarga,
Se firma em vão.
Mal o derrubo,
Ferro aguçado
No já cansado
Peito, que arqueja,
Mil golpes deu.
Suou seu rosto;
Tremeu gemendo;
E a côr perdendo,
Bateu as asas;
Enfim morreu.
Qual bravo Alcides,
Que a hirsuta pele
Vestiu daquele
Grenhoso bruto,
A quem matou;
Para que prove
A emprêsa honrada,
Co'a mão manchada
Recolho as setas,
Que me deixou.
Ouviu Marília
Que Amor gritava;
E como estava
Vizinha ao sítio
Valer-lhe vem.
Mas quando chega
Espavorida,
Nem já de vida
O fero monstro
Indício tem.
Então Marília,
Que o vê de perto
De pó coberto,
E todo envolto
No sangue seu,
As mãos aperta
No peito brando,
E aflita dando
Um ai, os olhos
Levanta ao Céu.
Chega-se a êle
Compadecida;
Lava a ferida
C'o pranto amargo,
Que derramou.
Então o monstro
Dando um suspiro
Fazendo um giro
Co'a cabeça vista,
Ressuscitou.
Respira a Deusa;
E vem o gôsto
Fazer no rosto
O mesmo efeito,
Que fêz a dor.
Que louca idéia
Foi, a que tive!
Enquanto vive
Marília bela,
Não morre Amor!
Nenhum comentário:
Postar um comentário