E mais um ano termina
E mais uma década de encerra
E me desespero cada vez mais
E me sinto mais próximo
Da minha própria morte
E todo este tempo inútil
E nada fiz
E nada faço
E nada farei
E nada deixei
E nem viver vivi
E nem amar amei
E ontem era criança
E ontem usava tranças
E cachos nos cabelos
E hoje sou careca
E míope barrigudo
E não sou mais aquele carneirinho
E não sou mais aquele cordeirinho
E aquela ovelhinha branda
Pura e inocente e ingênua
Que todo mundo afagava
E chamava com carinho
Hoje sou homem
Isto é
Dizem que sou homem
Cheio de vermes e micróbios
Cheio de germes e bactérias
Posso até ser sifilítico e não sei
E não tenho mais aquele pensamento
Que tinha antigamente
Tenho um câncer no cérebro
E não tenho mais aqueles sonhos
Que tive na infância
E tenho um tumor na mente
E hoje são meus pesadelos
E hoje meus pensamentos
São verdadeiros infernos
Parecem que mil demônios
Moram dentro de minha cabeça
E não tenho mais cabeça
E minhas destemperadas têmporas
Ficam a martelar furadas
Por tridentes ardentes
E mais um ano termina
E mais uma vida termina
E mais velho estou
E coisa velha não serve para nada
E nenhum asilo me quer
E vou para uma lata de lixo
E vou para um vaso de banheiro
E vou para uma latrina qualquer
Ou vou para a sarjeta dum gueto
Se tivesse aprendido alguma coisa
Qualquer coisa ia deixar
Porém o tempo passou
E não aprendi a voar.
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