terça-feira, 25 de outubro de 2022

carnaval nenhum samba enredo no varal

carnaval nenhum samba enredo no varal
teimo em dizer carnaval silêncio sepulcral
só alguns granidos dalgum louco por aí
só algum limpar de garganta de alguém na
garagem assoar de nariz no assoalho
espirro incontido
deserto mental continua igual dia de natal
nenhuma mulher rainha princesa nua a desfilar
em frente dalguma bateria frenética como
antigamente
e nem ronco de cuíca
nem batida de surdo
nem repinico de reco-reco
nem cadência de tamborim
ou choro de cavaquinho
nada no saara em pleno domingo de carnaval
sumiram passistas
mulatas
malandros
pandeiros
nádegas rebolativas
ao ritmo alucinante do samba
e mestres-salas
porta-bandeiras
sumiu todo mundo do mundo da fantasia
dos desfiles
das passarelas
dos salões
das apoteoses
só um velho poeta
num velho encardido sofá vermelho
a rabiscar à posteridade
a traçar sinuosas linhas à imortalidade
a gerar garranchos à eternidade
já meio surdo
completamente sujo
já meio cego
desgraçadamente mudo
seco até de baba
saliva quiçá sexo 
já que como sempre em todo carnaval
o senil nunca tem algum para beber algumas
a não ser quando aparece alguma ajuda dalgum
abastado que deixa de esmola alguns tostões
ou trocados que sobram
e o velho serelepe corre ao primeiro bar
da primeira esquina próxima do lar
e afoga as mágoas com as lágrimas das
meninas
são lágrimas ardentes
cristalinas
novamente a vida retorna ao torno
o ancião ressuscita o ralo sangue a destilar nas
veias colombinas
e de longe se ausculta as batidas
descompassadas do devasso coração

BH, 0270202022; Publicado: BH, 02501002022.

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