terça-feira, 22 de novembro de 2022

o coração é capenga só bate dum lado

o coração é capenga só bate dum lado
justamente para o lado de dentro que
é o lado aleijado
o coração é perneta só pula com
uma perna só a parecer um saci pererê
não é coração que suporta rojão
não aguenta um tranco bem dado
não sustenta um trampo para a sobrevivência
é um coração vagabundo de cachorro vira-latas
de cão sem pedigree
de gato que cruza estradas bêbado
de madrugada
é um coração vilão que qualquer puta
o leva pela mão
o arrasta nas sarjetas
nas valetas
nas valas a inferno aberto
nos guetos
nos esgotos esgotados
de tão coração escroto
se perde nas periferias
nas freguesias dos aglomerados das favelas
foge das polícias nas adjacências
para não ser mais um caso esquecido pelas
estatísticas
para não ser mais uma vez humilhado
ou enfim ser assassinado
é um coração de preto fujão desesperado
por que quer ser amado mas como
quer ser respeitado mas
o racismo estruturado
quer ser preservado mas
não tem alicerce
não tem constituição na construção
nasceu na destruição
nasceu na ruína
é um coração de doido doído dolorido
sem analgésico
não tem vacina
não tem remédio
só tem medo
não tem história
só uma herança maldita com engulhos
sacos sem blandicias
sem adornos
com confetes
serpentinas
nos bailes dos inferninhos
saco de pancadas
nas mãos dos leões de chácaras
volta ao jazigo moído
um olho roxo posto para fora
um nariz chato bem mais achatado
um beiço grosso bem mais engrossado
chora num canto um lixo amontoado

BH, 050502022; Publicado: BH, 02201102022.

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