o coração é capenga só bate dum lado
e justamente para o lado de dentro que
é o lado aleijado
e o coração é perneta só pula com
uma perna só a parecer um saci pererê
e não é coração que suporta rojão
e não aguenta um tranco bem dado
e não sustenta um trampo para a sobrevivência
é um coração vagabundo de cachorro vira-latas
e de cão sem pedigree
e de gato que cruza estradas bêbado
de madrugada
e é um coração vilão que qualquer puta
o leva pela mão
e o arrasta nas sarjetas
e nas valetas
e nas valas a inferno aberto
e nos guetos
e nos esgotos esgotados
de tão coração escroto
e se perde nas periferias
e nas freguesias dos aglomerados das favelas
e foge das polícias nas adjacências
para não ser mais um caso esquecido pelas
estatísticas
e para não ser mais uma vez humilhado
ou enfim ser assassinado
e é um coração de preto fujão desesperado
por que quer ser amado mas como
e quer ser respeitado mas
e o racismo estruturado
e quer ser preservado mas
não tem alicerce
não tem constituição na construção
e nasceu na destruição
e nasceu na ruína
e é um coração de doido doído dolorido
sem analgésico
e não tem vacina
e não tem remédio
e só tem medo
e não tem história
só uma herança maldita com engulhos
e sacos sem blandicias
e sem adornos
e com confetes
e serpentinas
nos bailes dos inferninhos
e saco de pancadas
nas mãos dos leões de chácaras
e volta ao jazigo moído
um olho roxo posto para fora
um nariz chato bem mais achatado
e um beiço grosso bem mais engrossado
e chora num canto um lixo amontoado
BH, 050502022; Publicado: BH, 02201102022.
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