se algum dia alguém me perguntar
o que fazes da vida
responderei faço poesias
faço poemas
mas isso
não são poesias
isso não são poemas
responderei
graças a deus
Literatura e política. COLABORE, PIX: (31)988624141
se algum dia alguém me perguntar
o que fazes da vida
responderei faço poesias
faço poemas
mas isso
não são poesias
isso não são poemas
responderei
graças a deus
qual a função de quem amador
não tem profissão dom de nascença
boa aparência nem ótima impressão?
mau elemento mal alimentado
a andar em más companhias
em ruas de becos imundos
às voltas de poços sem
fundos não emergi de volta ao
mundo cada vez mais a descer
para o fundo do subterrâneo
debaixo do manto da crosta da
terra do lodo do pântano tal a um
morto ignoto ignaro que não tem
mais nada a fazer pois a vida não
interessa mais não tem mais
prazer de viver nem quis por
onde sobreviver todos sabem
das más condições pois não tem
condição nenhuma não tem amor
nem tem paz não é capaz nem
sagaz dizem os mais só um rapaz
que parece uma raparigas triste
que vive abstratamente sem conteúdo
concreto que não passa por algo
verídico que é só falso como um fausto
que diz que ouviu mefistófeles na
voz dum cachorro de noite na
cozinha ou na voz dum corvo na
janela do quarto que estorvo que
ninguém aredita de fato nem no fado
nem no nenúfar por algum agrado
BH, 090402024; Publicado: BH, 060502024.
A VOZ DAS COISAS [JUCA MULATO]
E Juca ouviu a voz das coisas. Era um brado:
"Queres tu nos deixar, filho desnaturado?"
E um cedro o escarneceu: "Tu não sabes, perverso,
que foi de um galho meu que fizeram teu berço?
E a torrente que ia rolar no abismo:
"Juca, fui eu quem deu a água para o teu batismo".
Uma estrela a fulgir, disse da etérea altura:
"Fui eu que iluminei a tua choça escura
no dia em que nasceste. Eras franzino e doente.
E teu pai te abraçou chorando de contente...
— Será doutor! — a mãe disse, e teu pai, sensato:
— Nosso filho será um caboclo do mato,
forte como a peroba e livre como o vento! —
Desde então foste nosso e, desde esse momento,
nós te amamos seguindo o teu incerto trilho
com carinhos de mãe que defende seu filho!"
Juca olhou a floresta: os ramos, nos espaços,
pareciam querer apertá-lo entre os braços!
"Filho da mata, vem! Não fomos nós, ó Juca,
o arco do teu bodoque, as grades da arapuca,
o varejão do barco e essa lenha sequinha
que de noite estalou no fogo da cozinha?
Depois, homem já feito, a tua mão ansiada
não fez, de um galho tosco, um cabo para a enxada?
"Não vás" — lhe disse o azul — "Os meus astros ideais
num forasteiro céu tu nunca os verás mais.
Hostis, ao teu olhar, estrelas ignoradas
hão de relampejar como pontas de espadas.
Suas irmãs daqui, em vão, ansiosas, logo,
irão te procurar com seus olhos de fogo...
Calcula, agora, a dor destas pobres estrelas
correndo atrás de quem anda fugindo delas..."
Juca olhou para a terra e a terra muda e fria
pela voz do silêncio ela também dizia:
"Juca Mulato, és meu! Não fujas que eu te sigo.
Onde estejam teus pés, eu estarei contigo.
Tudo é nada, ilusão! Por sobre toda a esfera
há uma cova que se abre, há meu ventre que espera.
Nesse ventre há uma noite escura e ilimitada,
e nela o mesmo sono e nele o mesmo nada.
Por isso o que te vale ir, fugitivo e a esmo,
buscar a mesma dor que trazes em ti mesmo?
Tu queres esquecer? Não fujas ao tormento.
Só por meio da dor se alcança o esquecimento.
Não vás. Aqui serão teus dias mais serenos,
que, na terra natal, a própria dor dói menos...
E fica que é melhor morrer (ai, bem sei eu!)
no pedaço de chão em que a gente nasceu!"