ainda bem que não tem o que fazer
porque se tivesse alguma coisa para fazer
o que que iria fazer?
e nunca soube fazer nada
nem o que os bichos fazem
cantar nadar trabalhar lutar brigar correr esconder viver
e tudo que fazia o povo ria
e debochava
e cismava
e estorvava
e ficava com raiva
e nem jogar pedra iguais aos moleques de rua
sabia jogar
e nem bola de capotão
ou bola de meia
ou bolinha de gude
ou estilingue para matar passarinhos
ou armadilhas
e arapucas
e alçapões
e tiravam-lhe o calção de pano de chão
no meio da rua
e escondiam-lhe os chinelos
e os cadernos
e davam-lhe cascudos por tudo
e morria afogado no rio de esgoto raso
e tinha medo do escuro no claro
e não passava rente ao muro do cemitério
e passava cosido à parede das casas das putas
da zona para espiar pelas janelas indiscreto
e corria de árvore assombrada
que era gameleira onde apareciam
assombrações no que era o maior pecado
da vida dum menino ter medo de árvores
na pura
e santa ignorância
e estupidez
e matava passarinhos
e espetava bundas de tanajuras
e com a certeza de que não ia para o céu
com tanta ruindade que cometia
e agora na rabugice da velhice
vive jogado pelos cantos
do cárcere privado
a pedir a deus perdões pelos pecados
BH, 0270202022; Publicado: BH, 02801102022.
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