quarta-feira, 4 de abril de 2012

Álvaro de Campos/Fernando Pessoa, Faróis distantes; BH,04042012.


Faróis distantes, 
De luz subitamente tão acesa, 
De noite e ausência tão rapidamente volvida, 
Na noite, no convés, que consequências aflitas! 
Mágoa última dos despedidos, 
Ficção de pensar...


Faróis distantes... 
Incerteza da vida... 
Voltou crescendo a luz acesa avançadamente, 
No acaso do olhar perdido...


Faróis distantes... 
A vida de nada serve... 
Pensar na vida de nada serve... 
Pensar de pensar na vida de nada serve...


Vamos para longe e a luz que vem menos grande. 
Faróis distantes... 

terça-feira, 27 de março de 2012

Sempre Vivas, 181, 9; CONT, 0260302012; Publicado: BH, 0270302012.

Compensa o status quo o prestígio
As mordomias fazer parte dum
Congresso nacional composto por
Um senado uma câmara de deputados
Repletos de párias parasitas seres
Apátridas desprovidos de espírito
Público? entes que jogam rasteiro
Fazem chantagens vendem os votos
Se beneficiam da pobreza miséria
Desgraça do povo brasileiro compensa
Ser chamado de vossa excelência
Desviar verbas das emendas apresentar
Notas fiscais frias para reembolso das
Despesas sumir com dinheiro da
Merenda escolar saúde educação
Segurança? o que um parlamentar
Desse passa para a família os filhos?
O que pensa ao se olhar no
Espelho ao olhar a sociedade da qual
É um verme a se alimentar dela?
O judiciário com essa justicinha
Nanica que nos envergonha nos
Enche de asco ao depararmos com
As caras inexpressivas dos seus
Criminosos togados? ai Brasília como
Dóis ao povo brasileiro ai outras
Capitais suas assembleias legislativas
Demais cidades com suas câmaras
De vereadores, como desrespeitais o
Povo em geral vale a pena ter almas
Tão pequenas? bolsos cheios grandes
Gordas contas correntes porém
Vazios corações mentes?

Alberto Caeiro, Não basta abrir a janela; BH, 270302012.

Não basta abrir a janela 
Para ver os campos e o rio. 
Não é bastante não ser cego 
Para ver as árvores e as flores. 
É preciso também não ter filosofia nenhuma. 
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas. 
Há só cada um de nós, como uma cave. 
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora; 
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse, 
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

domingo, 25 de março de 2012

Sempre Vivas, 181, 7; CONT, 0240302012; Publicado: BH, 0250302012.

No universo tenho a vantagem do infinito
Prefiro ficar aqui na eternidade
Porque posso escrever meus poemas para
A posteridade no horizonte estou à frente
De todos das coisas até de mim dou
Nome à cada estrela que nasce
Conhecem-me me chamam por meu nome
Dou nome à cada pétala de flor sideral
Não tenho medo de errar se estiver
No meio duma tempestade solar não
Cairei no fundo dum buraco negro
Assoprei o sol bem de perto todos os meus
Pensamentos encarnados entraram no seu
Núcleo de manhã bem de manhãzinha
Antes dele nascer serenei com a lua
Serena a relva mais fresca regada
Pela saliva da menina trazida
Pela aurora boreal contei grão
Por grão a areia de minha ampulheta
Meu tempo não passava pingava gota à
Gota das muralhas do firmamento
No lugar onde caía nascia outro
Tempo era que me revigorava a cada
Época por motivo de estar aqui no
Universo onde estou capitaneei naus
Celestiais caravelas divinais castelos
Medievais suspensos por fios dos bigodes de
Salvador Dali imaginados por
Sua loucura genial materializada
Em telas de paisagens surreais espelhadas
Na careca de Pablo Picasso nos desarranjos
Estruturais de Juan Miró não não quero
Sair maravilhado deste universo encantado

Alberto Caeiro, Primeiro prenúncio; BH, 0250302012.

Primeiro prenúncio da trovoada de depois de amanhã, 
As primeiras nuvens, brancas, pairam baixas no céu mortiço. 
Da trovoada de depois de amanhã? 
Tenho a certeza, mas a certeza é mentira. 
Ter certeza é não estar vendo. 
Depois de amanhã não há. 
O que há é isto: 
Um céu de azul um pouco baço, umas nuvens brancas no horizonte, 
Com um retoque sujo em baixo como se viesse negro depois. 
Isto é o que hoje é, 
E, como hoje por enquanto é tudo, isto é tudo. 
Quem sabe se eu estarei morto depois de amanhã? 
Se eu estiver morto depois de amanhã, a trovoada de depois de amanhã 
Será outra trovoada do que seria se eu não tivesse morrido. 
Bem sei que a trovoada não cai da minha vista, 
Mas se eu não estiver no mundo, o mundo será diferente — 
Haverá eu a menos — 
E a trovoada cairá num mundo diferente e não será a mesma trovoada. 
Seja como for, a que cair é que estará caindo quando cair.

Alberto Caeiro, A guerra que aflige; BH, 0240302012.


A guerra que aflige com os seus esquadrões o Mundo, 
É o tipo perfeito do erro da filosofia.
A guerra, como tudo humano, quer alterar. 
Mas a guerra, mais do que tudo, quer alterar e alterar muito 
E alterar depressa.
Mas a guerra inflige a morte. 
E a morte é o desprezo do universo por nós. 
Tendo por consequência a morte, a guerra prova que é falsa. 
Sendo falsa, prova que é falso todo o querer-alterar.
Deixemos o universo exterior e os outros homens onde a Natureza os pôs. 
Tudo é orgulho e inconsciência. 
Tudo é querer mexer-se, fazer cousas, deixar rasto. 
Pára o coração e o comandante dos esquadrões 
Regressa aos bocados o universo exterior.
A química directa da Natureza 
Não deixa lugar vago para o pensamento.
A humanidade é uma revolta de escravos. 
A humanidade é um governo usurpado pelo povo. 
Existe porque usurpou, mas erra porque usurpar é não ter direito.
Deixai existir o mundo exterior e a humanidade natural! 
Paz a todas as cousas pré-humanas, mesmo no homem! 
Paz à essência inteiramente exterior do Universo!

sexta-feira, 23 de março de 2012

Alberto Caeiro, Dizes-me: tu és alguma coisa; BH, 0230302012.


Dizes-me: tu és mais alguma coisa 
Que uma pedra ou uma planta. 
Dizes-me: sentes, pensas e sabes 
Que pensas e sentes. 
Então as pedras escrevem versos? 
Então as plantas têm ideias sobre o mundo? 
Sim: há diferença. 
Mas não é a diferença que encontras; 
Porque o ter consciência não me obriga a ter teorias sobre as coisas: 
Só me obriga a ser consciente. 
Se sou mais que uma pedra ou uma planta?
Não sei. 
Sou diferente. 
Não sei o que é mais ou menos. 
Ter consciência é mais que ter cor? 
Pode ser e pode não ser. 
Sei que é diferente apenas. 
Ninguém pode provar que é mais que só diferente. 
Sei que a pedra é a real, e que a planta existe. 
Sei isto porque elas existem. 
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram. 
Sei que sou real também. 
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram, 
Embora com menos clareza que me mostram a pedra e a planta. 
Não sei mais nada. 
Sim, escrevo versos, e a pedra não escreve versos. 
Sim, faço ideias sobre o mundo, e a planta nenhumas. 
Mas é que as pedras não são poetas, são pedras; 
E as plantas são plantas só, e não pensadores. 
Tanto posso dizer que sou superior a elas por isto, 
Como que sou inferior. 
Mas não digo isso: digo da pedra, «é uma pedra», 
Digo da planta, «é uma planta», 
Digo de mim, «sou eu». 
E não digo mais nada. 
Que mais há a dizer?