sexta-feira, 8 de junho de 2012

Artículo fóssil destruído; BH, 0290801999; Publicado: BH, 080602012.

Artículo fóssil destruído
Da articulação de ossos velhos retorcidos
Secos pelo sol brancos pela noite de luar
Parecem marfins da cor da cal mas são
Falanges de dedos de mãos decepadas
Segmentos dos apêndices dos artrópodes
Entrenós dum caule, duma haste de bolor
De flores arrancadas sem raízes de resistência
Ser artificial in vitro plastificado provetado
Produzido pelo homem produtor de arte inexistente
Que a vida não existe pipetado imitador do natural
Falso até no respirar afetado na verdade do falar
Artificialidade da mentira salário da falsidade
Com qualidade da suspeita fingimento
Que nada faz superar transpor um dia
Procurar outro lugar aqui só serve para
Artificializar meios processos pelos quais
Se consegue um artefato fado de fato
Um meio engenhoso empregado
Para a obtenção dum fim dum princípio
Dissimulação da ação disfarce da realidade
O fingimento da vida falsa aparência de feliz
Encobrimento dos próprios desígnio
Astúcia da ilusão feita com artifício
Que não é percebido por mais artificioso
Que seja o olhar pois cego é aquele
Que não sabe enxergar a realidade

Como é que se tira; RJ, 0120201999; Publicado: BH, 080602012.

Como é que se tira
Do fundo da mente
Uma frase contundente?
Como é que se busca
Do fundo da alma
A mais santa inspiração?
Como é que se consegue
Formar no espírito
O mais sólido pensamento?
Como é que se fabrica
Dentro do ser
O mais resistente paralelepípedo?
Como é que se acha
A resposta certa
Para todas as perguntas?
Espero um dia
Encontrar o seio da terra
Lançar minhas sementes
Colher os meus frutos
Espero que todos sejam bons
Pois se não prestar
Quero ser cortado feito lenha
Lançado ao fogo
Porém se a fumaça não subir
Em direção aos céus
Não serei feito de madeira de lei
Deixe-me apodrecer então
Sem sossego com minha solidão

Sou o artigo que não foi usado: BH, 0290801999; Publicado: BH, 080602012.

Sou o artigo que não foi usado
Fiquei velho deteriorado a
Palavra que não foi dita que
Maldita se antepõe ao substantivo
A caracterizá-lo como ser adjetivo
Determinado ou o ser não
Definido indeterminado sou o
Ser indefinido superado o
Poema não escrito morto a
Matéria opinativa perdida o
Periódico sem períodos o
Parágrafo não numerado de
Leis duras códigos sem ética
Petições não atendidas as
Alegações infrutíferas as
Mercadorias de contrabando
Fundo de editorial que cegos
Não leem não sabem artilhar
As letras armar com artilharia
A verdade do dia a alma da
Poesia conjunto de armas de
Fogo de Prometeu grande
Calibre de engenho destinado
A lançar projeteis nas cabeças
Duras ocas sem rastros de
Luz técnica de utilização desses
Engenhos mentais corpo de
Tropa intelectual que lida com
Armamento cultural arma do
Exército da sabedoria artilheiro
De letras palavras não faltam
Nem vogais nem consoantes
Soldado sem fuzil jogador de
Futebol que não marca gols
Quando marca são só gols mentais

Hoje dez de janeiro; RJ, 0100101999; Publicado: BH, 080602012.

Hoje dez de janeiro
Faço exatamente,
Quarenta quatro anos
Se alguém me pergunta
Qual é a minha definição
Até agora não sei o que
Responder não me definir
Até hoje não me conheço
Não sei o tipo de ser que sou
O tipo de pessoa gente ente
Personalidade ainda não
Obtive nenhuma resposta
De todas as dúvidas que
Trago dentro de mim
Gostaria de poder
Vencer todas as minhas
Derrotas comemorar
Todas as minhas vitórias
As derrotas são mais
Maiores que as vitórias
Os erros são mais
Maiores que os acertos
Sempre permaneci no erro
Na mentira na falsidade
Sempre vivi na ilusão
Hoje dia do meu aniversário
Faço quarenta quatro anos
Estou com a impressão
De que inda nem nasci

Tem que saber usar de artimanha ; BH, 030080901999; Publicado: BH, 080602012.

Tem que saber usar de artimanha
Para sobreviver nos dias de hoje
Em país neoliberal dominado
Pela globalização da economia é
Preciso artifício para não morrer
A poucos dias do século vinte
Um inda temos que lutar contra
Males já extintos na maioria dos
Países salário baixo então nem
Se fala é preciso muita astúcia
Para tentar ser feliz com o tal
Salário que ganhamos depois de
Longos trinta dias de trabalho
Árduo só mesmo um artista
Aquele que consegue produzir
Obras fazer arte para não
Perecer de fome tem que ser
Uma pessoa dotada de muitos
Sentimentos artísticos para
Driblar a miséria ser artífice
Para driblar a pobreza o
Operário padrão para sair da
Desgraça tem que ser ator
Para ter a ilusão de que tudo
Vai melhorar tudo vai ser
Diferente feito com as artes
Primordiais da sobrevivência
Cotidiana às vezes morremos
Não chegamos a atingir a meta
Dos nossos sonhos a burguesia
Não deixa a elite atrapalha o
Governo acaba de tomar
O restinho que nos sobra
Depois de tudo pagar

Estou a ficar velho; BH, 0300801999; Publicado: BH, 080602012.

Estou a ficar velho
Estou a ficar chato
A sofrer de artralgia
A sofrer de dor nas articulações
A sofrer de artrite e inflamação
Estou a ficar com reumatismo
Artrítico padecido
Ao sofrer de artritismo
Toda a disposição do organismo
Para afecções articulares
Estou até com as vistas turvas
A ver artiodátilos na insônia
Espécie da ordem dos ungulados
Com números par de dedos
Boi porco veado
Vejo artrópodes no meu sonho
Animais dotados de apêndices articulados
Com corpos segmentados
Sei que estou a ficar velho
Muito mais chato ainda
Ao ter pesadelo de artrose
Afecção degenerativa
Não inflamatória
Duma articulação
Estou a me transformar
Num único aruá
Caramujo de água doce
A cantar ópera em aruaque
Língua dos indígenas aruaques
Que habitavam
As Antilhas parte do Amazonas
Estou a ficar velho
Chato maluco 
Não sei mais o que
Nem quero saber

Paulo Mendes Campos, Poema didático; BH, 080602012.


Não vou sofrer mais sobre as armações metálicas do mundo 
Como o fiz outrora, quando ainda me perturbava a rosa. 
Minhas rugas são prantos da véspera, caminhos esquecidos, 
Minha imaginação apodreceu sobre os lodos do Orco. 
No alto, à vista de todos, onde sem equilíbrio precipitei-me,
Clown de meus próprios fantasmas, sonhei-me, 
Morto do meu próprio pensamento, destruí-me, 
Pausa repentina, vocação de mentira, dispersei-me, 
Quem sofreria agora sobre as armações metálicas do mundo, 
Como o fiz outrora, espreitando a grande cruz sombria 
Que se deita sobre a cidade, olhando a ferrovia, a fábrica, 
E do outro lado da tarde o mundo enigmático dos quintais. 
Quem, como eu outrora, andaria cheio de uma vontade infeliz, 
Vazio de naturalidade, entre as ruas poentas do subúrbio


E montes cujas vertentes descem infalíveis ao porto de mar ?
Meu instante agora é uma supressão de saudades. instante 


Parado e opaco.
Difícil se me vai tornando transpor este rio 
Que me confundiu outrora. 
Já deixei de amar os desencontros. 
Cansei-me de ser visão, agora sei que sou real em um mundo real. 
Então, desprezando o outrora, impedi que a rosa me perturbasse. 
E não olhei a ferrovia – mas o homem que sangrou na ferrovia - 
E não olhei a fábrica – mas o homem que se consumiu na fábrica - 
E não olhei mais a estrela – mas o rosto que refletiu o seu fulgor. 
Quem agora estará absorto? 
Quem agora estará morto ? 
O mundo, companheiro, decerto não é um desenho 
De metafísicas magnificas (como imaginei outrora) 
Mas um desencontro de frustrações em combate. 
Nele, como causa primeira, existe o corpo do homem 
- Cabeça, tronco, membros, as pirações e bem estar…
E só depois consolações, jogos e amarguras do espírito. 
Não é um vago hálito de inefável ansiedade poética 
Ou vaga advinhação de poderes ocultos, rosa 
Que se sustentasse sem haste, imaginada, como o fiz outrora. 
O mundo nasceu das necessidades. 
O caos, ou o Senhor, 
Não filtraria no escuro um homem inconsequente, 
Que apenas palpitasse no sopro da imaginação. 
O homem é um gesto que se faz ou não se faz. 
Seu absurdo - se podemos admiti-lo – não se redime em injustiça. 
Doou-nos a terra um fruto. 
Força é reparti-lo 
Entre os filhos da terra. 
Força – aos que o herdaram - 
É fazer esse gesto, disputar esse fruto. 
Outrora, 
Quando ainda sofria sobre as armações metálicas do mundo, 
Acuado como um cão metafísico, eu gania para a eternidade, 
Sem compreender que, pelo simples teorema do egoísmo, 
A vida enganou a vida, o homem enganou o homem. 
Por isso, agora, organizei meu sofrimento ao sofrimento 
De todos: se multipliquei a minha dor, 
Também multipliquei a minha esperança.