sexta-feira, 1 de abril de 2011

Gonçalves Dias, O Mar; BH, 01º0402011.

Oceano terrível, mar imenso
De vagas procelosas que se enrolam
Floridas rebentando em branca espuma
Num pólo e noutro pólo,
Enfim... enfim te vejo; enfim meus olhos
Na indômita cerviz trêmulos cravo,
E êsse rugido teu sanhado e forte
Enfim medroso escuto!

Donde houveste, ó pélago revôlto,
Êsse rugido teu? Em vão dos ventos
Corre o insano pegão lascando os troncos,
E do profundo abismo
Chamando à superfície infindas vagas,
Que avaro encerras no teu seio undoso;
Ao insano rugir dos ventos bravos
Sobressai teu rugido.
Em vão troveja horríssona tormenta;
Essa voz do trovão, que os céus abala,
Não cobre a tua voz. - Ah! donde a houveste,
Majestoso oceano?

Ó mar, o teu rugido é um eco incerto
Da criadora voz, de que surgiste:
Seja, disse; e tu fôste, e contra as rochas
As vagas compeliste.
E à noite, quando o céu é puro e limpo.
Teu chão tinges de azul, - tuas ondas correm
Por sôbre estrêlas mil; turvam-se os olhos
Entre dois céus brilhantes.

Da voz de Jeová um eco incerto
Julgo ser teu rugir: mas só, perene,
Imagem do infinito, retratando
As feituras de Deus.
Por isto, a sós contigo, a mente livre
Se eleva, aos céus remonta ardente, altiva,
E dêste lôdo terreal se apura,
Bem como o bronze ao fogo.
Férvida a Musa, co'os teus sons casada,
Glorifica s Senhor de sôbre os astros
Coa fronte elém dos céus, além das nuvens,
E co'os pés sôbre ti.

O que há mais forte do que tu? Se erriças
A coma perigosa, a nau possante,
Extremo de artifício, em breve tempo
Se afunda e se aniquila.
És poderoso sem rival na terra;
Mas lá te vás quebrar num grão d'areia,
Tão forte contra os homens, tão sem fôrça
Contra coisa tão fraca!

Mas nesse instante que me está marcado,
Em que hei de esta prisão fugir pra sempre
Irei tão alto, ó mar, que lá não chegue
Teu sonoro rugido
Então mais forte do que tu, minha alma,
Desconhecendo o temor, o espaço, o tempo,
Quebrará num relance o circ'clo estreito
Do finito e dos céus!

Então, entre miríades de estrêlas,
Cantando hinos d"amor nas harpas d'anjos
Mais forte soará que as tuas vagas,
Mordendo a fulva areia;
Inda mais doce que o singelo canto
De merencória virgem, quando a noite
Ocupa a terra, - e do que a mansa brisa,
Que entre flores suspira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário