sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Que vergonha mais descarada; BH, 0250102014; Publicado: BH, 0310102014.

Que vergonha mais descarada
Velho decrépito senil a querer
Fazer poesias caquético velho
De fraldão não de fardão a
Querer com mãos trêmulas de
Bêbado rabiscar poemas no
Papel que vergonha mais 
Sem-vergonha velho sem pudibundo
Caduco que teve a vida toda
Para emplacar como poeta
Teve a adolescência a juventude
A liberdade a independência
Teve a fase adulta como
Pária uma parasita inveterada
Não produziu nada vagabundo
A depender de todos para ouvir
Enxergar a depender de tudo
Quer teimar no pesadelo de
Poeta as poesias são para a
Genialidade dos jovens os poemas
São companheiros das mocidades
Não aos velhos aos anciãos aos idosos
Que inda têm a esperança nas
Poesias nos poemas os cantos
Não os cantos dos cânticos os cantos
Dos asilos dos albergues dos quartos
De fundo das igrejas os cantos dos
Corredores dos esquecimentos longe
Das memórias dos deslumbramentos
Acabar essa vergonha de velhos
Poetas caducos a teimar em querer
Louros em querer laurear nas trevas
Uma rima impossível cisma de loucos

Não há mais a voz das coisas; BH, 0260102014; Publicado: BH, 0310102014.

Não há mais a voz das coisas
Ou ficou a surdez, ou as coisas emudeceram
Pois não existe mais a voz das coisas
O farfalhar das folhagens o vento a
Arrastar os ciscos nos terreiros a
Chuva a cair na relva dos canteiros os
Passarinhos a voar nos quintais
Não são mais ouvidos sons da natureza
Será que fecharam as cachoeiras? ou
Desviaram os rios? prenderam as
Ondas do mar? não há mais aquela
Música ao longe a criança a cantar a
Preta lavadeira a ensaboar as roupas
O que aconteceu com as coisas?
O universo mudou de lugar?
Será que é a surdez de tudo? tudo
Parou era para tudo se movimentar
Era para tudo estar a balançar
Não parado assim como se o
Mundo fosse acabar precisa-se
Ouvir a Nona Sinfonia de Beethoven
Precisa-se ouvir qualquer coisa
Qualquer música este silêncio
Passa a impressão de que está-se
Morto de que o enterro é coletivo
Este silêncio de marcha fúnebre de
Réquiem deixa desnorteado
Faça um barulho aí vizinho pode
Ser um funk pode ser um sertanejo
Brega uma salva de palmas algo mais
Brega é que precisa-se perceber
Se inda há vida nas coisas estão
Sem impressão estão sem expressão
Estão sem estar abra as torneiras
Deixa a do tanque a pingar o ralo
Da pia a escorrer não há mais a voz
Das coisas ou é surdez do Juca mineiro

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Llewellyn Medina, O dia em que todos os sopranos foram mortos.

O dia em que todos os sopranos foram mortos

Era um república da Conchichina
reverenciava a cultura
cultivava Mozart de sorte tal
que a maior companhia mozarteana
foi convidada para dar um concerto



entre a contratação e a exibição
uma revolução irrompeu
o ditador não era surdo
e talvez fosse a razão
por não gostar de Mozart
e de ter mandado matar
todos os sopranos



não havia como cumprir o contrato
quem ia cantar a  “Rainha da Noite?”
e à falta
será que Mozart também Morreu?

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Vou dormir barata acordar gente; BH, 0290402000; Publicado: BH, 0230102014.

Vou dormir barata acordar gente
Depois dum longo pesadelo deprimente
Acordar homem ser humano acordar
Vivo desperto liberto livre em liberdade
Pronto para exercer para fazer para acontecer
Entender pronto para compreender as teorias
As teses os mestrados princípios
Não cobrarei mais de mim evolução
Não cobrarei mais o fim dos complexos
Fim dos medos das covardias
Não cobrarei mais revolução solução
Transformação reforma mudança
Acordarei sou outro já mudado sou
Já transposto a outro plano a
Outro organismo que até pensarei
Que estarei vivo que a morte é
Apenas um detalhe que não me pegou
Desprevenido um mero descuidado
Que já estava alerta despido
Pronto preparado não fui apanhado
Fui na hora no momento certos
Sentir um ufanismo de mim sentir
Frenesi revolver minhas carnes
Um calafrio na minha pele
Com uma erupção dos meus pelos
Penso que não devo me
Regozijar assim parece pieguice
Parece fruto simplório que envergonha
A mesquinhez é maior não diminui
O obstáculo cresce a treva aumenta
A penumbra vira precipício vira abismo
Não há fuga de luz pelos wormholes
Os buracos de minhocas espaciais
Os atalhos por onde as almas desviam-se
Do fogo das profundezas dos infernos
Os espíritos inteligentes não querem
Ficar perdidos no limbo nem
A perambular pelas Vias-Lácteas
Outras vias a trilhões de anos-luz
O que é até relativamente perto
A considerar-se a imensidão do infinito
O tamanho a emoção despendida
Chega de peso nas entranhas
Agonia angústia terminais
Fatais letais que destroem
Em segundos o mais equilibrado
Dos mundos dos extremos das
Extremidades dos polos dos pontos
Depois de toda essa volta cheguei
À estaca zero para dizer que se
Soubesse escrever algo que
Emocionasse-me que fosse emocionante
Tal um artista gênio das letras
Mestre das palavras rei das frases
Um papa dos versos das estrofes
O vernáculo teria mais enriquecimento
A verborrágica teria mais tesouros
Os vocábulos mais valores preciosos
Porém estou determinado a ser este
Mendigo repleto de andrajos coberto
De chagas com uma pedra por cima
Da inteligência não é uma pedra
Filosofal não é uma pedra fundamental
É uma pedra tumular brutal rústica fóssil
Pré-histórica feita de lava de vulcão
Por cima da pedra fezes muitas fezes
Onde para remover a pedra sepulcral
Terei que meter a mão mas não
Importa vou meter a mão na bosta é
Necessário que remova as fezes
Para tirar a pedra libertar do
Peso da consciência para limpar
Terei que sujar sangrar aí então
Deixar badalar a química pura
Deixar escapar os raios de energia
Ressurgir das cinzas desta elegia

Se escrevesse algo emocionante; BH, 0290402000; Publicado: BH, 0230102014.

Se escrevesse algo emocionante
Que emocionasse as pessoas que tocasse
No coração no fígado nos rins
Pâncreas baço estômago acelerasse a
Produção de adrenalina no organismo
Provocasse na mente a sensação dum
Filme de Alfred Hitchcock nos olhos
O quadro duma fotografia da lente de
Sebastião Salgado ou duma tinta de
Pablo Picasso ou duma tela de Salvador
Dali seria um poeta feliz não seria maldito
Malvisto menor menos seria um poeta do
Tamanho do meu poeta pantaneiro Manoel
De Barros porém nada sei fazer para me
Emocionar a emocionar as pessoas chocá-las
De vez já tenho a minha Etiópia já tenho a
Minha África inteira dentro do meu peito
Já tenho as minhas guerras as minhas
Fomes as minhas misérias desgraças
Já tenho os meus índios os meus
Negros os homossexuais as prostitutas
Carrego já comigo os meus marginais
Meu lado podre da vida de mim
Já sou o meu submundo canto
Tanto quanto Lou Reed o negror da
Sociedade o fel da burguesia o amargo
Da elite não carrego a genialidade de
Andy Warhol sei que não terei os meus
Quinze minutos de fama penso que
Chegarei ao ápice da mediocridade
Ao fundo da ignorância ao máximo
Da incompetência e ao infinito da
Hipocrisia eterna o que é que posso
Fazer se não tenho nem a visão nem o
Ponto de vista a opinião dum visionário
Loquaz sagaz? já nasci cego fui degolado
Pelo meu cordão umbilical nasci mudo
Cortaram a minha língua nasci surdo
Inda furaram meus tímpanos com uma
Acha de lenha em brasa tal fizeram com
O olho do ciclope da Odisseia de Homero
Um morto conhecido pode até emocionar
Alguém porém um morto anônimo um
Morto desconhecido um morto indigente
Solitário abandonado traste triste esquecido
No fundo duma gaveta dum IML não tem
Como nem pode querer emocionar o
Mundo como se fosse um Prêmio Nobel
Como se fosse um ser iluminado llluminati
Consagrado angariado de simpatias
Pelos seres da humanidade sei que nunca
Deixarei de ser amaldiçoado nunca deixarei
De ser um mal assombrado um fantasma
Bonifrate sem salvação a minha única
Ilusão é a tentativa da verdade na ficção a
Tentativa de superar a mentira na sofreguidão
Da poesia oblíqua da poesia ambígua
Tentar um dia um reconhecimento falso
Crítico daquilo que não soube ter sido
Espero chegar um dia à eficiência à
Essência ao classicismo dum cavalo
Andaluz ser útil para alguma coisa
Servir sem ser fútil sem ser servil a
Minha vida terá emoção a minha
Vida terá sentido direção será uma
Vida de satisfação tão cheia de
Satisfeita pronta para levar às outras
Pessoas a experiência da metamorfose
Não a de Franz Kafka

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Devolvam a Irlanda para os irlandeses por que não? BH, 01501601002000; Publicado: BH, 0220102014.

Devolvam a Irlanda para os irlandeses por que não?
Para a Pátria Basca Liberdade a liberdade para a Pátria
Basca por que não? devolvam as terras para os palestinos
Por que só Israel? desocupem os territórios ocupados
Saiam já agora deem a independência de Cashemira
Chega de mira o Tibete desocupem o Tibete voltem para
Suas casas acabem com o bloqueio econômico a Cuba
Covardia que já dura por mais de trinta longos anos
Deixem em paz o Timor deixem em paz a liberdade
Os interesses por maiores que sejam não podem ser
Maiores do que a liberdade a paz aprendam
Ponham fim aos campos de refugiados às perseguições
Étnicas ao racismo à fome à pobreza à miséria;
Falamos em direitos do homem é bonito não os
Exercemos falamos nos direitos das crianças as matamos
Falamos em liberdade fraternidade igualdade
Discriminamos exterminamos destruímos
Dominamos de todas as maneiras métodos impunemente
Devolvam as terras dos índios parem com a ocupação
Com as queimadas criminosas parem com as vítimas
Do progresso da globalização do neoliberalismo do
Enriquecimento ilícito a qualquer custo injusto
Desemprego analfabetismo falta de moradia terra
Eternos problemas que o egoísmo a ambição a corrida eterna
Atrás dos lucros fáceis não nos deixam parar para tentarmos
Resolver sanar solucionar por um fim ao sofrimento de
Milhões pelo mundo à fora ainda há tempo de nos
Salvarmos uns aos outros é só querer ajudarmos-nos mutuamente
Para que construir tantas prisões? ponhamos fim a todo
Tipo de armamento assim virá também o fim da
Pena de morte escolas abramos escolas quanto mais,
Melhor de qualidade educação levemos educação
Uns aos outros muita educação cultura muita
Cultura também assim virá a pique todas as
Hostilidades entre os países entre os povos as
Nações do mundo assim as divergências virarão
Convergências sem mal-avenças com ideais sinceros
Ideias de preservação convivência irmandade frutífera
Hoje o homem é um ser disforme sofre metamorfoses piores
Do que a kafkaniana pratica traições piores do que a do
Judas Iscariotes assina pactos piores do que Menphisto só
Não vende mais vezes a alma por que só tem uma o homem
Moderno não se preocupa mais com a valorização humana
O que vale para o homem é o que a mídia oferece é a
Valorização da superficialidade a valorização dos bens
Do ter antes do existir esse é o buraco que move
O mundo hoje para o buraco é a oficialização da mentira
A máquina da falsidade da ilusão da propaganda enganosa
Devolvam à África tudo que já foi roubado todas as vidas
Que foram ceifadas todos os diamantes contrabandeados
É hora de melhorar a categoria do mundo formar uma justiça
Competente uma humanidade excelente que tem classe
Perfeita tais os aspectos gramaticais que a língua considera
Ao representar em suas formas o mundo objetivo a posição
Social totalmente equilibrada com gradação em hierarquia
A aumentar cada vez mais o respeito mútuo a unir o grupo
A série em cada setor em que se dividem as ideias os termos
Os povos cada vez mais irmanados integralizados
Soberanos por iguais depois que todas as reivindicaçõe
Forem atendidas o IRA deporá as suas armas o ETA porá fim
Aos atos terroristas a FATAH as FARCS o HIZBOLLAH todo
Órgão que luta por uma causa chegará a um consenso assinará
A paz respeitará o acordo com o consentimento de todos
O sangue por mais sagrado que seja não será mais
Derramado todas as pedras serão colocadas nos seus
Devidos lugares todos os pingos nos is e com as
Arestas aparadas o final feliz como uma ária de Verdi
Gozaremos todas as felicidades sem as preocupações do medo

sábado, 18 de janeiro de 2014

Carlos Imperial, A Praça.

Hoje eu acordei
Com saudades de você
Beijei aquela foto
Que você me ofertou
Sentei naquele banco
Da pracinha só porque
Foi lá que começou
O nosso amor...
Senti que os passarinhos
Todos me reconheceram
E eles entenderam
Toda minha solidão
Ficaram tão tristonhos
E até emudeceram
Aí então eu fiz esta canção...
A mesma praça, o mesmo banco
As mesmas flores, o mesmo jardim
Tudo é igual, mas estou triste
Porque não tenho você
Perto de mim...
Beijei aquela árvore
Tão linda onde eu
Com o meu canivete
Um coração eu desenhei
Escrevi no coração
Meu nome junto ao seu
Ser seu grande amor
Então jurei...
O guarda ainda é o mesmo
Que um dia me pegou
Roubando uma rosa amarela
Prá você
Ainda tem balanço
Tem gangorra meu amor
Crianças que não param
De correr...
A mesma praça, o mesmo banco
As mesmas flores, o mesmo jardim
Tudo é igual, mas estou triste
Porque não tenho você
Perto de mim...
Aquele bom velhinho
Pipoqueiro foi quem viu
Quando envergonhado
De namoro eu lhe falei
Ainda é o mesmo sorveteiro
Que assistiu
Ao primeiro beijo
Que eu lhe dei...
A gente vai crescendo
Vai crescendo
E o tempo passa
E nunca esquece a felicidade
Que encontrou
Sempre eu vou lembrar
Do nosso banco lá da praça
Foi lá que começou
O nosso amor...
A mesma praça, o mesmo banco
As mesmas flores, o mesmo jardim
Tudo é igual, mas estou triste
Porque não tenho você
Perto de mim...(2x)

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Vinicius de Moraes: Os 10 melhores poemas, Revista Bula.

Vinicius de Moraes
Pedimos aos leitores, colaboradores, seguidores do Twitter e Facebook — escritores, jornalistas, publicitários, professores — que apontassem os poemas mais significativos de Vinicius de Moraes. Considerado um dos mais importantes nomes da poesia e da música nacionais, Vinicius de Moraes deixou uma obra vasta, passando pela literatura, teatro, cinema e música. No gênero musical, Vinicius teve como principais parceiros um seletíssimo grupo, que incluía entre outros, Tom Jobim, Toquinho, Baden Powell, João Gilberto, Chico Buarque e Carlos Lyra.
Do encontro entre Vinicius e Jobim nasceu uma das mais fecundas parcerias da história da música mundial, marcada por clássicos como “Se Todos Fossem Iguais a Você”, “A Felicidade”, “Chega de Saudade”, “Eu Sei que Vou te Amar”, “Garota de Ipanema” e “Insensatez”.
Na literatura e no teatro Vinicius de Moraes deixou obras-primas, com destaque para a peça teatral “Orfeu da Conceição”, escrita em 1954, baseada no drama da mitologia grega Orfeu e Eurídice. A peça foi transformada no filme “Orfeu Negro”, em 1959, pelo diretor francês Marcel Camus, alcançando repercussão mundial e conquistando a Palma de Ouro no Festival Cannes e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Na literatura, foram mais de 10 livros, com destaque para “Forma e Exegese”, “Cinco Elegias” e “Poemas, Sonetos e Baladas”, também conhecido como “O Encontro do Cotidiano”, publicado em 1946, que traz o poema “Soneto de Fidelidade”, que posteriormente seria declamado junto com a música “Eu Sei que Vou Te Amar”.
Sobre o poeta Vinicius de Moraes escreveu Carlos Drummond de Andrade: “Vinicius é o único poeta brasileiro que ousou viver sob o signo da paixão. Quer dizer, da poesia em estado natural. Eu queria ter sido Vinicius de Moraes”.
Vinicius de Moraes nasceu no Rio de Janeiro em 19 de outubro de 1913, e morreu na madrugada de 9 de julho de 1980, aos 67 anos, devido a problemas decorrentes de uma isquemia cerebral.
Os poemas selecionados foram publicados nos livros “Cinco Elegias”, “Poemas, Sonetos e Baladas”, “Novos Poemas”, “Novos Poemas (II)” “Pátria Minha”, Livro de Sonetos” e “Antologia Poética”.

Soneto de Fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Pátria Minha

A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.
Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.
Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos…
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!
Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!
Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.
Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu…
Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda…
Não tardo!
Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.
Pátria minha… A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.
Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
“Liberta que serás também”
E repito!
Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão…
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.
Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.
Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
“Pátria minha, saudades de quem te ama…
Vinicius de Moraes.”

Poema de Natal

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos…
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Soneto de Contrição

Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.
Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.
Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma…
E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.

Não Comerei da Alface a Verde Pétala

Não comerei da alface a verde pétala
Nem da cenoura as hóstias desbotadas
Deixarei as pastagens às manadas
E a quem maior aprouver fazer dieta.
Cajus hei de chupar, mangas-espadas
Talvez pouco elegantes para um poeta
Mas peras e maçãs, deixo-as ao esteta
Que acredita no cromo das saladas.
Não nasci ruminante como os bois
Nem como os coelhos, roedor; nasci
Omnívoro: deem-me feijão com arroz
E um bife, e um queijo forte, e parati
E eu morrerei feliz, do coração
De ter vivido sem comer em vão.

A Rosa de Hiroxima

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida.
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.

Soneto de Devoção

Essa mulher que se arremessa, fria
E lúbrica aos meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios.
Essa mulher, flor de melancolia
Que se ri dos meus pálidos receios
A única entre todas a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria.
Essa mulher que a cada amor proclama
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela.
Essa mulher é um mundo! — uma cadela
Talvez… — mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!

Soneto do Amor Total

Amo-te tanto, meu amor… não cante
O humano coração com mais verdade…
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade
Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Soneto de separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Receita de Mulher

As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso
Qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso (ou então
Que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República Popular Chinesa).
Não há meio-termo possível. É preciso
Que tudo isso seja belo. É preciso que súbito
Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche
No olhar dos homens. É preciso, é absolutamente preciso
Que seja tudo belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradas
Lembrem um verso de Éluard e que se acaricie nuns braços
Alguma coisa além da carne: que se os toque
Como o âmbar de uma tarde. Ah, deixai-me dizer-vos
Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e
Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem
Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos, então
Nem se fala, que olhem com certa maldade inocente. Uma boca
Fresca (nunca úmida!) é também de extrema pertinência.
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar as pernas, e as pontas pélvicas
No enlaçar de uma cintura semovente.
Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras: uma mulher sem saboneteiras
É como um rio sem pontes. Indispensável
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida
A mulher se alteia em cálice, e que seus seios
Sejam uma expressão greco-romana, mais que gótica ou barroca
E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas.
Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral
Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!
Os membros que terminem como hastes, mas bem haja um certo volume de coxas
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem
No entanto sensível à carícia em sentido contrário.
É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio
Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!)
Preferíveis sem dúvida os pescoços longos
De forma que a cabeça dê por vezes a impressão
De nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre
Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos
Discretos. A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso e na face
Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior
A 37º centígrados, podendo eventualmente provocar queimaduras
Do primeiro grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da terra; e
Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro de paixão
Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta
Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.
Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que se fechar os olhos
Ao abri-los ela não mais estará presente
Com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá
E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beber
O fel da dúvida. Oh, sobretudo
Que ela não perca nunca, não importa em que mundo
Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade
De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma
Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre
O impossível perfume; e destile sempre
O embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto
Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina
Do efêmero; e em sua incalculável imperfeição
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.

Quando como o Brasil acordará? BH, 02030902001; Publicado: BH, 0160102014.

Quando como o Brasil acordará?
O povo precisa acordar para a cidadania para a
Soberania é um absurdo sessenta por cento dos
Nossos jovens estão atrás das grades presos em
Casas de recuperação que não recuperam nada
Xô elite fora burguesia basta de vivermos sem
Perspectivas sem razão quem será o emissário de
Salvação da nossa juventude? alguém precisa ser
Enviado em missão de guiar aos bons caminhos
Estradas ruas o nosso jovem rebelde que se
Encontra despreparado desnorteado sem
Saber qual destino seguir o que se pode emitir
Em benefício dos jovens? o que é que tem a
Propriedade de teor emissivo dalgo de bem
De tudo de bom para levar uma mensagem de
Esperança aos ouvidos sedentos dos moços
Das moças que não se fazem de surdos? não
Será com ação de estabelecimento emissor de
Papel moeda não será com crédito de cifrões
Não será com emitentes de gestos vãos nem
Com aparelhos que emitem impulsos elétricos tem
Que ser com atos concretos como a música
Correta levada por radiodifusora por emissora
De rádio que abrange o maior número possível
De cérebros mentes espíritos almas geniais
É hora de alguém lançar fora de si um ato
De amor em direção a esses seres perdidos
Esquecidos pela sociedade é hora de por em
Circulação uma campanha que venha expedir
Resultados positivos fazer ouvir na alta esfera
O grito daqueles que não têm oportunidades
Se preciso apelar até para o emocional usar
O discurso emocionante para essa causa que
Tanto nos causa emoção pela qual na maioria
Das vezes lavamos as mãos o povo precisa aprender
A se emocionar a comover os corações duros
Daqueles que são os responsáveis pela desigualdade
Social estamos a perder o sentido de nos
Impressionar de sentir mesmo a saber
Que este presente pode nos causar muitas
Dores no futuro agora só não podemos é emoldurar
Quadro tão grosseiro não dá para meter em
Moldura situação tão degradante adornar
Esta feiura é totalmente impossível a nossa
Realidade precisa dum emoliente eficaz
A nossa doença precisa urgente dum medicamento
Que abranda a inflamação na nossa entranha
O vencimento suplementar será dum valor
Bem mais elevado a retribuição será dividida
A todos a gratificação não terá preço nenhum
Emolumento pagará o estado de felicidade
A situação de alegria de emotividade
Pela mudança conseguida pelo efeito da ação
Movida pela coragem pelo fim da covardia
De quem quer fazer sinceramente alguma coisa
É com qualidade de caráter emotivo que espero
Ver a criança faminta abarrotar-se de comer
Encher muito o estômago mesmo a ponto de
Empachar com a certeza que não mais
Faltará comida para a criança para as outras
É com esse empacho que a fome terá fim
Fome zero desperta Brasil tenha sentido
Direção quem empunhará a bandeira de total
Valorização aos jovens? basta de empacotador
De político que empacota a decisão não
A transforma em ação chega de empacotadora da
Pessoa que é igual máquina de empacotar
Finge que trabalha pela causa só pensa
Em se arranjar usa o empacotamento de
Dinheiro para pôr as notas em pacotes mandar
Para estrangeiro deixar a criança morrer
Sem nem uma empada para comer nas
Festas deles não sobram nem salgadinhos de
Massa em recheio assados em formas afogam-se
De caviar champanha com soberba
Presunção é com a empáfia com que sabem
Desfilar diante da pobreza da miséria
Da desgraça que só merecem mesmo é a
Empalação antigo suplício em que se espetava
O condenado numa estaca pelo ânus é só
O que devemos fazer com os nossos falsos políticos
De hoje empalar a todos não deixar que
Venham nos submeter às suas vontades
Pois não somos bonecos nas mãos dos empalhadores
Não vamos ficar à mercê daquele que empalha
A vontade da nação faz o empalhamento
Do povo como o envolver ou o revestir com palha
Como o encher de palha o corpo de animais para
Conservá-los assim retardar o trabalho de
Salvação da nossa meninada não podemos
Nos deixar empalhar assim muito menos
Empalidecer de medo tornar pálido o nosso
Rosto pelo susto que vão querer nos passar
Nem pensar nada pode nos fazer perder a cor
É pecado emarelecer diante dos desafios
Esconder na palma da mão a solução escamotear
A resolução empalmar a resposta o x do
Problema do enigma não podemos viver eternamente
Sob cobertura de circo servir de palhaços debaixo
Da empanada não queremos cobrir com panos
A nossa luz embaciar o nosso sol encobrir a
Nossa lua ver a nossa estrela perder o brilho
Quem lutar para empanar esse ideal estará
Perdido quem lutar para matar essa ideia na fonte
Estará sucumbido ainda a pensar estar vivo

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Aí ai de mim malgrado meu oh céus do meu torrão; BH, 0200502000; Publicado; BH, 0150102014.

Aí ai de mim malgrado meu oh céus do meu torrão
Que refletem as estrelas os astros a Lua de dia o Sol
Que dirige o nosso destino continua mesmo depois
Que nós partimos aí ai de mim malgrado meu que
Valho Mais do que o Sol? que valho mais do que a
Lua? noite dia aurora chegada das sombras
Vespertinas? não valho nada passo as coisas ficam
Aí para desespero meu meu consolo é que ficarei
Na minha crônica esquizofrênica no meu medo
Covardia ficarei no meu vazio literário no vácuo
Da minha solidão na inexistência do meu ser minha 
Pobreza de espírito minh'alma fria ficarei nos meus
Restos que não serão aproveitados pelos vermes
Que nos roem na eternidade se por acaso for
Cremado aí então é que não será aproveitado
Mesmo nada daquilo que não era que não fui que
Não sou na mentira na falsidade na falta com a
Verdade com a realidade a certeza sem dúvida a
Hipocrisia a deflagração da degradação moral da
Decomposição espiritual do fim terreal não escrevo
Como um Prêmio Nobel de Literatura não escrevo
Como um renomado literato um gramático phd
Que fala com os mortos recebe mensagens do além
Conversa com parentes falecidos ets desconhecidos
De discos voadores de fora do Sistema Solar não tenho a
Tecnologia nem o modernismo não tenho o desenvolvimento
Nem o progresso antiquado fora de moda nada espero
Que venha acontecer em mim uma única
Qualidade que venha me livrar da mediocridade
Que venha me livrar da falta de competência
Perspectiva ambição em superar os percalços
Encontrados ao longo dos caminhos suicidas surgidos
Escrevo como um maldito perdido na multidão
Um anônimo desprezado, ignorado desconhecido
Onde falta inteligência, onda falta a menor percepçã
De raciocínio e razão onde falta tudo só culpo
A mim mesmo à minha preguiça ao meu desânimo
À minha falta de luminosidade não tenho luz
Própria não tenho claridade nem tenho
Clarividência só obscuridade trevas e
Sombras penumbras escuridão noites eternas
Nada sei posso fazer para melhorar até para
Morrer, sei que será difícil para mim pois a
Minha preparação é infrutífera a minha
Solução não será encontrada não
Trarei no coração as respostas para a minha
Sede não trarei dentro de mim o que poderia
Dizer para proveito salvação da espécie
Escrevo como um cantor de rock pesado
Vocifera sua música seus gritos seus uivos ao
Microfone ao som das guitarras tenebrosas distorcidas
Como um paciente em camisa de força que
De vez em quando se lança com a cabeça
Contra a parede até deixá-la manchada de
Sangue depressivo louco maníaco vermelho
O urso ferido faminto caído na armadilha o
Lobo da estepe que não pode ver a lua cheia
Pois nasceu cego não pode uivar pois não
Tem a garganta não tem boca não tem nem
Pele de lobo selvagem o lobisomem da noite
A espreitar na encruzilhada a hora incerta
Pois nunca ataca na hora certa nunca
Aparece na hora esperada quando estamos
Com balas de prata estacas de madeiras cruzes
Para vampiros todas as minhas descobertas
Não são novas todas as minhas pérolas não
São raras todas as minhas obras não são
Primas todas as minhas artes não são
Clássicas em belas deixo que os mortos
Falem por mim deixo que os espíritos me
Amparem deixo que os deuses me guiem
Pelo monte do Olimpo

Escrevo como um esquizofrênico que chora; BH, 0200502000; Publicado: BH, 0150102014.

Escrevo como um esquizofrênico que chora
Ao ver numa página de jornal a fotografia de seis homens
Negros amarrados por cordas no pescoço seguras por um policial
Numa batida em favela de grande cidade
Escrevo como um cineasta que filma o próprio
Cadáver dentro do caixão até à decomposição final
À chegada aos ossos do esqueleto
Escrevo como um político morto que cujas carnes
Imprestáveis foram rejeitadas pelos vermes
O cadáver não apodrece de tão ruim que que foi em vida
Na esquizofrenia da minha literatura esquisita
Estranha às entranhas dos princípios óbvios
Lógicos racionais éticos descubro o meu medo
Revejo a minha covardia a minha injustiça
As nódoas deixadas por mim as falhas os
Defeitos os erros os pecados os complexos os
Tabus os dogmas os preconceitos os dilemas
Os teoremas os quais não consigo vencê-los
Não consigo bani-los da alma do espírito
As segregações os desequilíbrios sociais a fome
A miséria eterna a desgraça infinita
Escrevo como o líder revolucionário que causa
A morte de milhares de civis crianças homens
Mulheres velhos espalha o terror os campos de refugiados
Flagelados as mazelas das empreitadas que
Sonha ambiciona em transformar na
Sociedade a pagar preço tão alto derramamento
De sangue tão vil insensível às vistas
Ao coração à mente sem memória pensamento
O importante de tudo não é tudo é o
Nada o não temer o não ter o que temer
Se é mais importante ter então é temer
Por ter pois se não tiver não tem o que
Temer ter o necessário para viver repartir
O que tem com o que não tem nem
O que comer nem o que vestir nem onde
Morar nem onde estudar adquirir educação
Sair da ignorância sair da obtusidade
Entrar para a história fazer história
Acreditar ter fé esperança paixão
O que as nossas crianças aprendem são só os
Abusos sexuais a prostituição infantil
O trabalho escravo o roubo o ódio a vingança a ira
A falta de amor do lar da família
Não permita Deus que morra sem
Completar meu sonho dum dia
Ver mudar a concepção da humanidade
Em relação à humanidade a concepção
Do homem em relação ao homem
À natureza ao planeta ao universo
Lamento só não poder me dissecar
Não poder pôr à mostra os meus órgãos
Internos me espalhar pela vida me
Abrir de cabo a rabo a deixar à luz do
Dia, tudo que existe dentro de mim
Transportar para o meu interior tudo
Que estiver no meu exterior para ver
Assim se transponho os abismos as dores
Os sofrimentos os temores com o tempo
Olhar-me com dignidade no espelho
Olhar-me com carácter com uma outra visão
Ultra om um outro novo olhar que evacue
Das entradas das minhas estradas as trevas
A penumbra as escuridões devoradoras
Que metem medo às crianças abandonadas
Aos órfãos esquecidos aos meninos desmembrados
Pelas minas terrestres às meninas acossadas
Pelas feras que querem desvirginá-las antes da hora
Escrevo como um boi que vai para o matadouro
Como uma galinha preste a ser degolada pela
Empregada da patroa para o almoço como a
Ovelha presa às garras do leão o passarinho
Nas presas do gavião a lebre às da águia
Escrevo como quem morre sem ressurreição

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Tomás Antônio Gonzaga, Marília de Dirceu, Parte II, Lira I.

Já não cinjo de louro a minha testa;
Nem sonoras canções o Deus me inspira:
Ah! que nem me resta
Uma já quebrada,
Mal sonora Lira!

Mas neste mesmo estado, em que me vejo,
Pede, Marília, Amor que vá cantar-te:
Cumpro o seu desejo;
E ao que resta supra
A paixão e a arte.

A fumaça, Marília, da candeia,
Que a molhada parede ou suja, ou pinta,
Bem que tosca e feia,
Agora me pode
Ministrar a tinta.

Aos mais preparos o discurso apronta:
Ele me diz, que faço do pé de uma
Má laranja ponta,
E dele me sirva
Em lugar de pluma.

Perder as úteis horas não, não devo;
Verás, Marília, uma ideia nova:
Sim, eu já te escrevo,
Do que esta alma dita
Quando amor aprova.

Quem vive no regaço da ventura
Nada obra em te adorar, que assombro faça:
Mostra mais ternura
Quem te ensina, e morre
Nas mãos da desgraça.

Nesta cruel masmorra tenebrosa
Ainda vendo estou teus olhos belos,
A testa formosa,
Os dentes nevados,
Os negros cabelos.

Vejo, Marília, sim, e vejo ainda
A chusma dos Cupidos, que pendentes
Dessa boca linda,
Nos ares espalham
Suspiros ardentes.

Se alguém me perguntar onde eu te vejo,
Responderei: No peito, que uns Amores
De casto desejo
Aqui te pintaram,
E são bons Pintores.

Mal meus olhos te viram, ah! nessa hora
Teu retrato fizeram, e tão forte,
Que entendo, que agora
Só pode apagá-lo
O pulso da Morte.

Isso escrevia, quando, ó Céus, que vejo!
Descubro a ler-me os versos o Deus louro:
Ah! dá-lhes um beijo
E diz-me que valem
Mais que letras de ouro.

Tito Júlio Fedro, Fábulas, A Raposa e a Águia.

Certo dia, a águia arrebatou os filhotes da raposa,
Colocando-os no (seu) ninho a fim de (deles)
Colher isca para (seus próprios) filhotes.
A mãe, perseguindo-a (de longe), principia a
Implorar que não acarretasse a ela, mísera,
Tamanho sofrimento.
Aquela a desprezou, pois tinha-se por segura,
Graças à própria instalação.
Então, a raposa raptou de um altar uma tocha
Ardente e cercou de chamas a árvore inteira,
Ameaçando a (sua) inimiga com perigo
Para a vida (dela).
A águia para livrar os seus da iminente morte,
Entregou, om súplicas, à raposa , os
Filhos (desta) incólumes.

Nietzsche, Aurora, 511, A Tentadora.

A honestidade é a grande tentadora de todos os fanáticos.
Aquilo que parecia a se aproximar de Lutero sob a forma
Do diabo ou de uma bela mulher, e dos quais se defendeu
De uma maneira tão grosseira, devia ser realmente a
Honestidade e talvez até mesmo em casos mais raros,
A verdade.

domingo, 12 de janeiro de 2014

O Universo colocou-me aqui para observá-lo; Fênix, Contagem, 02801002011; Publicado: BH, 0120102014.

O Universo colocou-me aqui para observá-lo
Fazer de mim um observador do Universo
Procuro cumprir a minha tarefa com esmero
Observo-o de todas as maneiras das que não
Posso observar imagino-o imagino o Universo
Desde o aquém até o além mesmo depois do
Além bem antes do aquém hoje por exemplo
Vi uma aranha preta numa parede falei
Não te distraias fiques alerta ou
Um pássaro esperto te arrebata mal acabei de
Falar um bem-te-vi ligeiro bicou-a
Num piscar de olhos engoliu-a pousado num
Galho duma palmeira velha é assim que sigo
Esta minha vida de narrador das coisas que o
Universo faz são coisas vastas infinitas
Mas também são coisas simples insignificantes
Todas com suas determinadas colocações
No caso da história daquela aranha preta
Na parede estava determinada a
Ficar ali para servir de alimento a um
Bem-te-vi fez parte do elo da cadeia
De forças que fazem o Universo girar cumpriu
A sua função bem como o bem-te-vi cumpriu
A dele tento cumprir a minha
Nestas mal escritas linhas fico a dever à
Aranha vim bem-te-vi venci ao Universo por
Não ter a perfeição do escrever não fazer
Um relato à altura do fato de tão grande
Imensidão de tão vasta dimensão foi
Como se fosse uma galáxia a engolir
Outra galáxia buracos-negros a engolir
Sóis ou átomos a ser partidos em aceleradores
De partículas fusões nucleares o Universo determina
A cada um o seu papel o meu papel
É este escolher letras pelo Universo for
Juntar palavras em locais mais obscuros
Formar frases casadas com sentenças
Faço este poema livre mas com registro
Com certidão de nascimento o espírito
É o pai a alma é a mãe a poesia é a
Irmã que completa esta família universal