sexta-feira, 30 de julho de 2021

Até hoje não consegui entender; RJ/1977; Publicado: BH, 0300702021.

Até hoje não consegui entender
Porque é que não sei chegar a um modo
De melhor me compreender e
Quando penso que estou a me entender
E quando penso que estou a me conhecer e
É aí que vejo que sou um estranho para mim
Não me assimilo nada e não me sinto nada
E nem sei nada de mim e cada vez mais me
Complico com este problema sem solução 
Que sou e quebro a cabeça a pensar e
Desejo descobrir formas e almejo resolver
Fórmulas que me levem à uma conclusão ao
Meu próprio respeito e sou um alienígena
Para mim e sou um extraterrestre num
Objeto não identificado e deve existir gente
Por aí que me conhece muito mais do que eu
E só sei me complicar e me enredar e me
Mistificar e só sei me embaraçar e me fechar
Dentro da minha legítima ignorância e até
Hoje não consegui me desvendar e nem
Saber porque é que eu mesmo a cada dia
Que passo comigo me enquadro cada vez 
Mais no quadrado dos quadrados e no
Cubo dos cubos e chego a ser ridículo ao
Meu respeito e preciso duma saída de
Emergência de dentro de mim e preciso
É dum discernimento melhor do meu
Conhecimento e necessito iluminar minha
Pessoa e assumir que sou gente também e o
Meu ser é humano e minha raça é humana
E a minha sociedade é a humanidade e aí
Então serei feliz e serei um ser iluminado
Em toda parte do meu íntimo e aí então
Serei mesmo amor e serei um gente boa e
Todo mundo vai gostar de mim e vou gostar
De todo mundo e assim poderei dizer para
Mim mesmo que como é bom ser lúcido.

E me chamo adeus; RJ/1977; Publicado: BH, 0300702021.

E me chamo adeus
E me chamo ninguém
E me chamo nunca
Pega esse outro nome
Que pensavas
Que era o meu nome
E jogues fora
Jogues no vaso
Jogues onde quiseres
E não tenho nome
E não tenho eu
E não tenho tu
Nem te conheço
Nem me conheces
Nunca te vi
Nem nunca me viste
E me chamo beltrano
E me chamo fulano
E me chamo sicrano
Pegues a sacola
E vás embora
Rasgues o endereço
E também vou mudar daqui
Esqueça o amor
Esqueça os beijos
Esqueça a boa vida
Esqueça o carinho
Esqueça a paz
Esqueça o homem
E não sou homem
E não sou gente
E não sou humano
Agora fiz tudo que querias
Agora dei tudo que pedias
E já deves estar
Bem satisfeita
E de barriga cheia
Não quero nem lembrar
De como é
Que me tratavas
E me chamo louco
E me chamo maluco
E me chamo doido
Agora podes
Ficar bem mais tranquila
Pois nunca mais
Vou olhar para ti
E me chamo até logo
E me chamo tchau
E me chamo passar bem
E me chamo adeus.

Quero amanhecer o dia de hoje; RJ/1977; Publicado: BH, 0300702021.

Quero amanhecer o dia de hoje
Em festa a comer e a beber poesias e
Em banquete a comer e a beber poemas e
Fominha a ruminar rimas e guloso a 
Mastigar estrofes e insaciável a digerir
Versos e sedento a engolir tudo pois quero
Amanhecer o dia de hoje com muita
Inspiração de cada dia dada no amanhecer
Do dia de hoje e quero amanhecer o dia de
Sil e junto com o sol e junto com o céu e com
As cores da madrugada quero amanhecer e
Quero amanhecer o dia de hoje mais vivo do
Que nunca e mais alegre do que ontem e 
Mais gente do que sou e mais eu do que
Ninguém e quero amanhecer o dia de hoje
Bem mais poeta e com bom humor e com 
Mais amor e quero amanhecer o dia claro de
Hoje um fruto maduro e um pão bom e um
Ser experiente deixar amanhecer e quero
Amanhecer o dia de hoje pois quero ser a
Manhã que amanhece no dia de hoje.

Catarro expectorado; RJ/1977; Publicado: BH, 0300702021.

Catarro expectorado
Duma pessoa caturra
Dum homem cru e 
Escarro expelido dum
Escorpião de veneno mortal
Dum ser não sido cujo pão é
A inexistência que come no
Vômito de cada dia de peito
De fole sem fôlego dum forno
Apagado e sem calor que o 
Pão não assou e o bolo solou
Duma carne putrefata cuja
Putrescência já chegou ao 
Auge e a putrescibilidade não
Tem mais possibilidade duma
Restauração devido a grande
Teor pútrido de ser debilóide
E ababelado e feito de várias
Misturas e feito de várias
Confusões da carne e do corpo
E do sangue arterial transformado
Em venoso a causar a morte e a
Mão decepada que aperta o pescoço
Do dedo desvairado que puxa o
Gatilho ao nascer mais um defunto
Defumado para dar emprego a um
Coveiro que no aborto precisa
Matar a fome do abutre ou dum
Corvo sombrio ou dum urubu
Suicida desprezado pelo lobo e
Amado pela hiena um cão sem
Lei ou um cão sem dono ou um
Vira-latas dum cão belo dum
Belo catarro expectorado.

Nem ouro e nem prata; RJ/1977; Publicado: BH, 0300702021.

Nem ouro e nem prata
E não tenho ouro e não
Tenho prata e nem tenho
Petróleo e nem nenhum
Dinheiro e não tenho 
Jóias e não tenho pedras
Precisosas ou semi preciosas
E não tenho riquezas e não
Tenho bens e não tenho
Ações e nem tenho nenhuns
Investimentos é que não sou
Burguês e não sou da elite e
Nem sou da classe média e
Não tenho imóveis e nem
Tenho móveis e não tenho
Navios ou iates ou ilhas e
Nem tenho bosques e não
Tenho vilas e nem tenho
Vales ou mansões e castelos
E não tenho automóveis e
Nem tenho luxo só lixo e
Não sou de luxo só de lixo e
Nem sou milionário e não
Sou nem rico e não tenho
Lucros e nem tenho a força
E não tenho o poder e nem
Sou o maior ou o melhor e 
Sou o amor e tenho amor e
Faço amor e quero amor e
Não tenho ouro e não tenho
Prata e sei bem disso e não
Tenho nada e nem sou de
Nada é o que sei de mim.

Só me resta agora; RJ/1977; Publicado: BH, 0300702021.

Só me resta agora
A pena de morte
Pelo fuzilamento ou forca
E só me resta agora
A guilhotina ou garrote vil
Ou esquartejamento
Ou cadeira elétrica
E isso é só o que mereço agora
Esse é o meu prêmio
Ser decapitado
Amarres minhas mãos
E os meus pés
E me amarres todo
E coloques uma pedra
Bem pesada no meu pescoço
E me jogues no fundo do mar
Só mereço agora
Ser queimado vivo
Numa fogueira da inquisição
Ou ser crucificado
De cabeça para baixo
Em cima dum formigueiro
De formigas carnívoras
E só mereço agora
Ser devorado vivo em
Banquete de confraria de canibais
Ou ser desintegrado
Ou ser submerço
Dentro dum tanque
De ácido sulfúrico
E só mereço isso
Só isso
E ainda é pouco para mim
Mas que a justiça seja feita
É o que mereço agora
Ser julgado e castigado
Pela mão humana do ser humano
Por não ser humano.

A morte do filho; RJ/1977; Publicado BH, 0300702021.

A morte do filho
Do filho quando morre
Causa grande dor
Nos pais
Mas essa dor
Não é maior
Que causa
Quando morre
Maior é a dor para a mãe
Do que quando o filho morre
É ao nascer
Mas essa dor é diferente
É de alegria
É de amor
E de vida
E suportada
Com coragem
E com fé
Mas o filho quando morre
Deixa uma dor de morte
E de tristeza
E de pranto
Pranto de mãe
Que acaba de perder
O filho pela segunda vez
O seu amado filho
Filho morto
Que não vai causar mais
Aquela alegre dor
Que é a dor do nascer
E chora lágrimas de mãe
Chora lágrimas de dor
Chora lágrimas de amor
Amor de mãe.

quinta-feira, 29 de julho de 2021

Tombo na vida; RJ/1977; Publicado: BH, 0290702021.

Tombo na vida
Tenho que dar
Um tombo na vida
Ou do contrário
Vou continuar assim
Do jeito que sou
Até à morte 
Nada muda
Nada acontece
E tudo muda
E tudo acontece
E tudo se transforma
Na natureza
Apenas fico no passado
No tempo
E no espaço
Apenas fico morto vivo
Fico vivo morto
No vácuo obscuro
Por isso
Tenho que urgentemente
Dar um tombo
Na minha vida
Um tombo certo
Um tombo perfeito
Um tombo novo
Ou do contrário
Posso cair de mal jeito
E quebrar o pescoço
Tenho que dar
Um tombo na vida
Virar doutro lado
Virar ao avesso
E mostrar ainda
O meu lado bom
O meu lado útil
O meu lado de bem
E por isso digo
Que tenho que dar
Um tombo na vida.

Maria Gaguinha; RJ/1977; Publicado: BH, 0290702021.

Maria Gaguinha
Coitadinha
Entrava na venda do pai
Com os pés
E as pernas inchados
E cheios de perebas
Maria Gaguinha
Pobrezinha
Entrava na vendinha
E pedia assim
Me me dá dá
U um um uma ca
Ca ca cha cha cin cin nha aí
Bebia a cachacinha
Cuspia no chão
Passava o pé descalço
E cheio de perebas no cuspe
Tirava o dinheirinho
Todo amarrotadinho
Talvez o único
E pagava a cachaça
Depois saía
A gaguejar pragas sozinha
Toda sujinha
Maria Gaguinha
Pequenininha
Vozinha fininha
Corpo frágil
Vivia pelas vendas
A gaguejar à toa
Cousas que pouca gente entendia
A tomar cachaça
Que pagava
Que alguém pagava
E a cuspir pelos chãos
Maria Gaguinha
Do álcool desdobrado
Da pinga falsa
Vivia pelas calçadas
Cheias de cuspes
Onde caía
E dormia embriagada
E um dia
Apareceu engravidada.

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Não faça a guerra; RJ/1977; Publicado: BH, 0280702021.

Não faça a guerra
Faça uma poesia
Faça um poema
Não faça a guerra
Faça uma música
Faça uma canção
Não faça o ódio
Faça o bem
Faça a união
Não faça o mal
Faça o amor
Faça a paz
Não faça a dor
Faça a vida
Faça a alegria
Não faça o sofrimento
Faça viver
Faça amar
Não faça morrer
Faça sorrir
Faça cantar
Não faça chorar
Faça ser
Faça existir
Não faça sofrer
Faça uma poesia
Com muita sinfonia
Faça um poema
Com a luz do dia
Não faça a guerra
Faça a filarmonia
Com muita harmonia
Não faça a morte
Faça a ressurreição
Não faça o enterro
E nem o aterro
Mas faça o desterro
Faça um acerto
No teu coração
Faça um aperto
Com tua alma
Tem algo solto
Dentro de ti
Que te impeça
De ser o que
Realmente és
Um ser feliz
Um ser real
Não faça a guerra
Faça uma poesia então
E canta
Faça um poema então
E avança
Com amor
Não faça a guerra.

Livra-nos Senhor; RJ/1977; Publicado: BH, 0280702021.

Livra-nos Senhor do imposto de renda
E dos demais impostos e livra-nos oh
Senhor do alto aluguel e da taxa de
Lixo e livra-nos oh Senhor das demais
Taxas desumanas e da denuncia vazia
Livra-nos Senhor do jornal O Dia e do
Jornal O Globo e de todos os jornais e
Livra-nos Senhor da TV GLOBO e da 
TV TUPI e livra-nos oh Senhor das
Polícias militares e das políticas porcas
Livra-nos Senhor de todos os políticos e
Da hipocrisia e de todos os poderes e
Dos padres e dos bispos e das freiras e
Do papa e da igreja católica e livra-nos
Senhor dessas sujas religiões e dos
Pastores e suas igrejas evangélicas e
Dessas doenças venéreas e livra-nos oh
Senhor da desnutrição e analfabetismo
E do subdesenvolvimento e dessa classe
Média desconcientizada e livra-nos oh
Senhor da burguesia e da elite e de todas
As prisões e cadeias e da ignorância e
Livra-nos Senhor da podridão mental e
Dos corruptores e corrompidos e corruptos
E sequestradores e livra-nos oh Senhor do
Esquadrão da Morte e do racismo e da
Desigualdade e livra-nos oh Senhor da era
Atômica e das armas nucleares e de todos
Armamentos e livra-nos oh Senhor dessa
Era moderna e dessa extinção e poluição
E de todos os males dessa sociedade e
Livra-nos Senhor das doenças e da inflação
E das crises e desses loucos que querem
Governar-nos e livra-nos oh Senhor do
Poder do ódio e do poder pela força e de
Todos esses médicos e desses hospitais e
Livra-nos Senhor dos hospícios e dos
Nossos patrões e dos nossos chefes e de
Qualquer trabalho explorador e mal
Remunerado e livra-nos oh Senhor de
Qualquer emprego calamitoso e dos
Motoristas de o ônibus e de táxis e dos
Funcionários públicos e livra-nos oh
Senhor dos assalariados e dos operários
E de todos esses mendigos e da pobreza
E da insuficiência e livra-nos oh Senhor
Desse amadorismo e sono eterno e
Livra-nos Senhor da psicologia moderna
E da filosofia moderna e da parapsicologia
Atual e da medicina atual e livra-nos oh
Senhor dos índices sociais atuais e dos
Prefeitos municipais e dos governadores
Estaduais e dos presidentes das nações
Poderosas e das nações e dos presidentes
Deste país e livra-nos oh Senhor do baixo
Salário mínimo e das nossas mínimas
Condições de sobrevivência na vida e
Livra-nos Senhor da nossa escravidão e do
INPS e suas filas e da CEF e dos vendedores
Da loteria federal e livra-nos oh Senhor das
Companhias de seguros e administradoras
E corretores de imóveis e livra-nos Senhor
Dos advogados e dos juízes de direito e de
Todos os mercenários e livra-nos oh Senhor
Dos nossos inimigos militares e da alta
Sociedade e dos jornalistas e livra-nos oh
Senhor dos trogloditas e dos intelectuais e
Dos poliglotas e livra-nos oh Senhor das
Mercenárias e das escolas de hoje e dos
Colégios particulares e de todas as 
Faculdades e universidades pagas e livra-nos
Senhor dos desfiles das forças armadas e da
Guerra fria e de todas ss guerras e livra-nos
Senhor dos técnicos de televisão e de todos
Os técnicos e dos contratos de risco e dos
Cientistas bélicos e livra-nos oh Senhor de
Todas as ciências exterminadoras e dos
Ninfomaníacos e perseguidores dos 
Homossexuais e hermafroditas também e
Livra-nos Senhor dos masoquistas e dos
Sádicos e dos sado-masoquistas e dos que
Não respeitam as mulheres lésbicas e
Livra-nos Senhor dos doentes sexuais e de
Todo sexo podre e livra-nos oh Senhor das
Prostitutas e psicopatas e neuróticos e
Paranóicos e débeis mentais e retardados e
Livra-nos Senhor dos loucos e doidos e
Malucos e dos missionários profetas e dos
Conselheiros e livra-nos oh Senhor dos
Escritores e dos poetas e dos prosadores e
Dos literatos e dos críticos e livra-nos oh
Senhor dos dentistas e dos cronistas e da
Censura e da ignorância da censura e da
Grande ignorância do censor e livra-nos oh
Senhor da poluição sonora e do extermínio
Do meio ambiente e das multinacionais e
Livra-nos Senhor da dívida externa e dos
Dólares americanos e da queda do cruzeiro
E dos Henrys Kinssingers e do preço do
Petróleo e derivados e livra-nos oh Senhor
Da falta de gasolina e da falta de luz e da
Falta de paz e da falta de amor e livra-nos oh
Senhor da falta de mulher e da falta de
Dinheiro e da falta de cerveja e da falta de
Cachaça e de chope e livra-nos oh Senhor da
Falta de poesia e da falta de poemas e da
Falta de inspiração e de disposição e livra-nos
Senhor da falta de sono e da falta de sonho e
Da falta de ideias e ideal e dos turistas
Idiotas e das velhas mais chatas e livra-nos
Senhor das mocinhas antipáticas que não dão
E dos puxa sacos e das repartições públicas
Dos órgãos federais e cartórios e escreventes
Livra-nos Senhor dos tabeliães e ministros e
E dos embaixadores e dos diplomatas e dos
Deputados e senadores e vereadores e dos
Juros das compras a crédito e livra-nos oh
Senhor dos ladrões donos das lojas e das
Cadernetas de poupança e do BNH e do SFH
E da correção monetária e dos juros de mora
E das UPCs e livra-nos oh Senhor da seleção
Brasileira de futebol e da CDB e do time do
Fluminense e da torcida do Fluminense e das
Empresas de turismo e da RioTur e livra-nos
Senhor das joalherias H Stern e invasores do
País e do leite pasteurizado e do alto preço 
Do pão e do café e das desnecessárias
Importações e das exportações do pouco que
Temos e das exportações em massa das
Mãos de obras especializadas e livra-nos oh
Senhor dos edifícios e dos monumentos de
Concreto armado e das vigas e chapas de aço
E da selva de pedra e livra-nos oh Senhor do
Nosso espírito de homens irracionais e da
Nossa semelhança com o macaco quando o
Macaco estiver errado e livra-nos oh Senhor
Da falta dum mundo melhor e dos Amarals
Netos da vida e dos desenhos animados e dos
Filmes de cowboys e dos filmes enlatados
Americanos para televisão e do rock and roll
Livra-nos Senhor do blues e do jazz que aqui
Jaz e das músicas estrangeiras e dos uísques
Nacionais e dos The Beatles e dos conjuntos
De rock e livra-nos oh Senhor das cocotas e
Das gatinhas e dos gatões surfistas e das
Pranchas de surf e das companhias 
Construtoras dos espigões nas regiões e
Livra-nos Senhor dos carros fortes e dos 
Triciclos dos Correios e da Light e da CEG e 
Da Companhia Estadual de Esgotos e da 
COMLURB e livra-nos oh Senhor das violações
De nossos direitos humanos e das privações
De nossas liberdades e livra-nos oh Senhor 
De todos esses males e dos males vindouros 
Livra-nos Senhor de todas as proibições e de
Quaisquer domínios sobre nós e de tudo que
Sabes que causa nossa vergonha e de tudo
Que sabes que nos falta e livra-nos oh Senhor
Das nossas mediocridades amém e amém e amém.

terça-feira, 27 de julho de 2021

Diz para mim; RJ/1977; Publicado: BH, 0270702021.

Diz para mim
Existe algo mais gostoso
Do que a boca
Duma mulher
Diz para mim
Existe algo mais bonito
Do que o corpo
O corpo nu
Duma mulher
Anda diz para mim
Existe algo mais indispensável
Na vida dum homem
Do que a vida
Duma mulher
Hein?
Existe?
Fala?
Diz para mim
Existe algo mais valioso
Do que o amor sincero
Duma mulher sincera
Diz para mim
Existe algo mais pacífico
Do que os olhos
Duma mulher feliz
Não mudes de assunto
E me respondas
Existe ou não?
Existe algo mais alegre
Do que o sorriso
Duma mulher?

É só procurar; RJ/1977; Publicado: BH, 0270702021.

É só procurar
Que se encontra
Porque quem procura
Sempre acha
Quem bate na porta
A porta se abrirá
Ficar só a esperar
Não traz nenhum lucro
Vá de encontro
Ao que queres
Há alguém esperançoso
A querer também
Se não atacares
Não serás atacado
O leão mata
Só quando tem fome
E não és um leão
Não precisas matar
Precisas matar sim
A tua fome
Tua fome de homem
E não é a esperar
Que o pão caia do céu
Que matarás tua fome
Pão nosso de cada dia
Não cai do céu
Comerás o teu pão
Com o suor do teu rosto
E não procuras
E não batas com a cabeça
E não lutes
E quero ver se consegues
Saciar com o pão fácil
Quero ver se o maná
Vai cair para ti
Até para roubar um pão hoje
Está bem mais difícil
A vida está dura
Até para a vida mole
A vida está ruim
Até para o boa vida
A vida está difícil
Até para a vida fácil
Então o que resta é a luta
É procurar sem cessar
Com corpo e alma e coração
E em espírito e em verdade
E nunca viver a esperar
Mas ir sempre ao encontro
Do que possa te interessar
E o pão de cada dia
Nunca te faltará.

Não gosto de ti; RJ/1977; Publicado: BH, 0270702021.

Não gosto de ti
Não encontro motivação
Sabes muito bem disso
E se pudesse
Acabaria contigo
Tiraria teus olhos
Com minhas unhas
Arrancaria tua língua
Com minhas mãos
Abriria tua cabeça
Tiraria teus miolos
E os esfregaria no chão
Mas não destilo motivação
De fazer isso contigo
É muito grande a ansiedade
Mas não sei o que me impede
De te exterminar
De te esquartejar
E não gosto de ti
Chego a te odiar
E se pudesse
Te viraria ao avesso
Deixaria tuas tripas
Teu intestino
E teu estômago
À luz do sol
Até tudo secar
Aí moeria tudo
Numa farinha fina
Depois jogaria ao vento
Para cada molécula
Tomar rumo diferente
E sabes muito bem
Qual é a minha intenção
De fazer contigo
E de te internar
Ou de te enterrar
Tenho uma obsessão infernal
Fera de acabar contigo
Tu és um homem.

Coração de tição; RJ/1977; Publicado: BH, 0270702021.

Que vontade de exterminar
Tudo que vejo ao redor e é
Uma vontade louca e de 
Quebrar e de matar e de
Aniquilar e de parar o
Tempo e deixá-lo apodrecer
No tempo e apodrecer no 
Espaço e sem ninguém a ter
Nada a ver com isso e sem
Pensar em ti e a te esperar a
Vida toda e sem pensar em
Mim numa vontade sádica
Que tenho de te retalhar e
Jogar numa talha ou num
Pote ou espalhar os pedacinhos
Pelo mundo a fora pois não
Mereces nenhum pingo de
Consideração ou de atenção
E aqui feito louco a me acabar
Por ti e posso e passo muito
Bem sem ti e que desejo que
Tenho de parar agora e parar
De tu e de tudo e de todo mas
O teu fantasma me perssegue
E me atiça o fogo e o meu
Coração vira um tição.

E não gostas; RJ/1977; Publicado: BH, 0270702021.

E não gostas
Quando te falo
De amor
E não gostas
Quando te procuro
Para amar
E não gostas
Quando te falo
Que vou aí
Para te beijar na boca
E tens vergonha
E tens nojo
E desprezas amar
E já sei
Muito bem
Como é
Que és
E já sei
Que tens asco
De dizer
Que és mulher
Sejas mais mulher
Sejas sem vergonha
E não gostas
Quando falo
Que vou te acariciar
Que vou te abraçar
Que vou te fazer tudo
Que um homem faz
Com uma mulher
E não gostas
E não deixas
Fazer nada
E não gozas
E não gostas
E fazes cara feia
E falas até
Que vais me deixar
Se continuar a tentar
Com o que
Não gostas.

segunda-feira, 26 de julho de 2021

Para se fazer uma poesia; RJ/1977; Publicado: BH, 0260702021.

Para se fazer uma poesia
Ideia não falta 
Inspiração não falta
Para se escrever uma poesia
E para o poema o mesmo ideal
E nem é preciso algo mais completo
E nem é preciso algo mais complexo
Ou mais formado para a poesia
Ou construído o poema
É não esnobar a classe
É não desprezar a categoria
E com um tema qualquer
Se faz uma obra
E com um lema sério
Entra a rima
Entra a cadência
Entra a metria
Entra a estrofe
Entra o verso
Entra a divisão silábica
Entra a tradição
Entra o dom
Entra tudo
Do fácil ao difícil
A poesia celeste
O poema terrestre
A poesia sobrenatural
O poema natural
A poesia imortal
O poema imortal.

E não te entregastes a mim; RJ/1977; Publicado: BH, 0260702021

E não te entregastes a mim
E nem confiastes em mim
Até hoje és reservada
Quando estás comigo
De nada valeu minha sinceridade
Minha franqueza
E minha verdade
E sempre a duvidar
E sem a afastar
Cada vez mais de mim
Gosto muito de ti
Penso até em te amar
Mas tens que acabar
Com essa mania de medo que tens
Não quero o teu mal
Não quero a tua ruína
Quero te ver feliz
Quero te ver sorrir
Nunca passou por minha cabeça
A ideia de te fazer chorar
És a minha menininha
Podes ser até o meu amor
Só depende de ti
Acredita em mim
Acredita em ti
Acredita no amor
Não custa nada ser feliz
E quero muito te fazer feliz.

Ontem peguei um porre; RJ/1977; Publicado: BH, 0260702021.

Ontem peguei um porre
Bebi mais que um gambá
Fiquei por dever duas cervejas no bar
E ainda quis brigar
Mas não tomo vergonha na cara
Tomo tudo
Menos isso
E todo dia tenho que beber
Já virou rotina em minha vida
E fico bêbado então
E ai começa o show
Começo a esculhambar geral
E a agredir uns
E a desrespeitar outras
E viro um bicho
E viro um perigo
E brigo
E bato
E apanho
E quebro os copos
E quebro as garrafas
E quebro a cara
E fico a dever a todo mundo
Desculpas e fundos
E o dono do bar
Já até me proibiu
De entrar no seu botequim
Pois quando entro tem confusão
Tem palavrão e tem empurrão
E acabo na rua a xingar a mãe dum
E a provocar outro
Ontem peguei um porre de novo
E que me arruinou
Falei coisas que não deveria
Perdi dinheiro e amizade de muita gente
Sou mesmo um pobre de espírito
Quando bebo para ficar alegre
Acabo com a minha alegria
Faço a tristeza dos outros
E assim não desejo
Tentar me alegrar
Pois os meus porres
Só servem para me matar.

E fiz um poema de amor; RJ/1977; Publicado: BH, 0260702021.

E fiz um poema de amor
E ninguém acreditou
Nem em mim
E nem no poema
Mas fiz um poema de amor
E acreditei em mim
E acreditei no poema
No poema de amor que fiz
Veio do meu sangue 
Veio das minhas células
Veio do meu corpo
E da minh'alma
E do meu espírito
E do meu pensamento
Veio do meu eu
Veio do meu tudo
Veio do meu todo
E mesmo assim
Ninguém acreditou
E gritei que acreditei
E ninguém prestou atenção
Neste meu poema de amor
Que veio do fundo
Do meu coração
Mas acreditei
E não me interessa saber
De quem não acreditou
E fiz um poema de amor
E acreditei em mim
E no poema
E no amor
E como homem
E como poeta que sou
Mais poeta do que homem
Fiz um poema de amor
Era um poema sincero
Era um poema singelo
Era um poema belo
Era um poema de amor.

E irei ao bar da esquina; RJ/1977; Publicado: BH, 0260702021.

E irei ali ao bar da esquina
Tomar um cafezinho
Se encontrar algum amor
Não volto para casa
Vou para a casa dela
Dormir com ela
Na cama dela
E não precisa me esperar
E nem te preocupes comigo
Não corro nenhum perigo
E sei me cuidar
E se não souber
Algum amor
Vai cuidar de mim
Vai me olhar
Tomar conta de mim
Só vou ali ao bar da esquina
E não devo demorar
Mas se encontrar
Com algum alguém
Então não voltarei hoje
E vou amar a noite toda
Amar e beber e amar
Gosto muito disso
Tenho grande prazer por isso
Amar e beber e amar mulher
Vou só até ali ao bar
Na esquina da Hadock Lobo
Mas se num piscar de olhos
Deparar com um sexo oposto
Em minha frente
Vou segui-lo
Para qualquer lugar
Sem pensar nas consequências
Irei tomar um cafezinho amargo
Mas se encontrar
Alguém bem doce por aí
Aproveitarei o açúcar.

Não estou com vontade de fazer nada hoje; RJ/1977; Publicado: BH, 0260702021.

Não estou com vontade de fazer nada hoje
Estou de saco cheio dessa ditadura militar
Estou atormentado com essa repressão e
Ainda vens para cá a esquentar a minha
Cabeça e hoje o calor está a 40º graus e estou
Com os nervos à flor da pele quase esfolado
E com o corpo em carne viva e a minha
Cabeça está a latejar e dura como um lagedo
E respiro com dificuldades e pressinto até
Que vou explodir e me apareces numa hora
Dessa e com tua voz estúpida a estridar os
Meus ouvidos e teu jeito e gesto de amarelo
Descorado e quando é para aparecer não
Apareces e quando não quero nem pensar
Em ti e apareces na maior ingenuidade e no
Maior cinismo e na maior cara de pau e 
Chegas e vens a entrar sem um bom-dia ou
Sem uma boa-tarde ou sem uma boa-noite
Conforme a hora que chegas e não estou com
Vontade de te ver hoje e para resumir hoje
Estou impotente e sem potência de poder
Para até falar contigo e estou muito
Taciturno e de mau humor e dá meia volta e
Vai embora e se quiseres voltes outra hora e
Se não quiseres não voltes nunca mais é que
Não estou com vontade de viver hoje e
Não estou com vontade de fazer nada hoje.

E vou fazer uma viagem; RJ/1977; Publicado: BH, 0260702021.

E vou fazer uma viagem
A um universo qualquer
A um mundo qualquer
A um planeta qualquer
A uma lua qualquer
A um astro qualquer
A uma estrela qualquer
A uma cratera qualquer
A uma caverna qualquer
E vou fazer uma viagem
Uma viagem louca
Uma viagem doida
Uma viagem maluca
Uma viagem varrida
Uma viagem transcendental
E vou fazer uma viagem
Ao fundo do mar azul
A pescar o azul do céu
E vou ao infinito
E voo vou no vácuo
A viajar numa viagem
E a esquecer de tudo
E a fechar os olhos
Na viagem por todos os lugares
E por todos os lados
E para acima
E para abaixo
E para o tudo
E para o nada
E vou fazer uma viagem
A cada grão de areia
A cada grau da escala temporal
A cada raio de sol
A cada facho da luz do luar
A cada molécula de ar
A cada gota d'água
A cada lágrima a rolar
A cada gota de orvalho
A cada gotícula do sereno
A cada pétala duma flor
A cada asa de borboleta
E vou fazer uma viagem ao céu
E vou fazer uma viagem ao inferno
E vou fazer uma viagem ao purgatório
E vou fazer uma viagem ao aquém
E vou fazer uma viagem ao além
E mais além ainda
E sem ingresso algum
E sem destino algum
E numa viagem vou fazer uma viagem
E numa viagem vou viajar numa viagem só.