sexta-feira, 26 de abril de 2024

MENOTTI DEL PICCHIA, A VOZ DAS COISAS>

A VOZ DAS COISAS [JUCA MULATO]


E Juca ouviu a voz das coisas. Era um brado:

"Queres tu nos deixar, filho desnaturado?"

E um cedro o escarneceu: "Tu não sabes, perverso,

que foi de um galho meu que fizeram teu berço?

E a torrente que ia rolar no abismo:

"Juca, fui eu quem deu a água para o teu batismo".

Uma estrela a fulgir, disse da etérea altura:

"Fui eu que iluminei a tua choça escura

no dia em que nasceste. Eras franzino e doente.

E teu pai te abraçou chorando de contente...

— Será doutor! — a mãe disse, e teu pai, sensato:

— Nosso filho será um caboclo do mato,

forte como a peroba e livre como o vento! —

Desde então foste nosso e, desde esse momento,

nós te amamos seguindo o teu incerto trilho

com carinhos de mãe que defende seu filho!"

Juca olhou a floresta: os ramos, nos espaços,

pareciam querer apertá-lo entre os braços!

"Filho da mata, vem! Não fomos nós, ó Juca,

o arco do teu bodoque, as grades da arapuca,

o varejão do barco e essa lenha sequinha

que de noite estalou no fogo da cozinha?

Depois, homem já feito, a tua mão ansiada

não fez, de um galho tosco, um cabo para a enxada?

"Não vás" — lhe disse o azul — "Os meus astros ideais

num forasteiro céu tu nunca os verás mais.

Hostis, ao teu olhar, estrelas ignoradas

hão de relampejar como pontas de espadas.

Suas irmãs daqui, em vão, ansiosas, logo,

irão te procurar com seus olhos de fogo...

Calcula, agora, a dor destas pobres estrelas

correndo atrás de quem anda fugindo delas..."

Juca olhou para a terra e a terra muda e fria

pela voz do silêncio ela também dizia:

"Juca Mulato, és meu! Não fujas que eu te sigo.

Onde estejam teus pés, eu estarei contigo.

Tudo é nada, ilusão! Por sobre toda a esfera

há uma cova que se abre, há meu ventre que espera.

Nesse ventre há uma noite escura e ilimitada,

e nela o mesmo sono e nele o mesmo nada.

Por isso o que te vale ir, fugitivo e a esmo,

buscar a mesma dor que trazes em ti mesmo?

Tu queres esquecer? Não fujas ao tormento.

Só por meio da dor se alcança o esquecimento.

Não vás. Aqui serão teus dias mais serenos,

que, na terra natal, a própria dor dói menos...

E fica que é melhor morrer (ai, bem sei eu!)

no pedaço de chão em que a gente nasceu!"


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