segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Antônio Nobre, Certa Velhinha; BH, 02801102011.

Além, na tapada das Quatorze Cruzes,
Que triste velhinha que vai a passar!
Não leva candeia; hoje, o Céu não tem luzes...
Cautela, Velhina, não vais tropeçar!

Os Ventos entoam cantigas funestas,
Relâmpagos tingem de vermelho o Azul!
Aonde irá ela, numa noite destas,
Com Vento da Barra puxado do Sul?

Aonde irá ela, pastôres! boieras!
Aonde irá ela, numa noite assim?
Se fôr um Fantasma, fazei-lhe fogueiras,
Se fôr uma Bruxa, queimai-lhe alecrim!

Contava-me Aquela que a tumba já cerra,
Que Nossa Senhora, quando a chama alguém,
Escolhe estas noites pra descer à Terra,
Porque em noites destas não anda ninguém...

Além na tapada das Quatorze Cruzes,
Que linda velhinha que vem a passar!
E que olhos aqueles que parecem luzes!
Quais velas acesas que a vêm a guiar...

Que pobre capinha que leva de rastos,
Tão velha, tão rôta! que triste viuvez!
Mas se lhe dá vento, meu Deus! tantos astros!
É o Céu estrelado vestido do invés...

Seu alvo cabelo, molhado das chuvas,
Parece uma vinha de luar em flor:
Oh cabelos em cachos, como cachos de uvas!
Só no Céu há uvas com aquela cor.

A luz dos seus olhos é uma luz tamanha
Que ao redor espalha perfeito clarão!
Parece que chove luar na montanha...
Que noite de inverno que parece verão!

Além, na tapada das Quatorze Cruzes,
Velhinha tão alta que vem a chegar!
Parece uma Tôrre coada de luzes!
Ou antes a Tôrre de Marfim a andar!

Não! Não é uma Tôrre coada de luzes,
Nem antes a Tôrre de Marfim a andar,
Que pela tapada das Quatorze Cruzes,
Numa noite destas eu vejo passar.

Também não é, ouve, minha velha ama!
Como tu contavas, a Virgem da Luz:
Digo-te ao ouvido como ela se chama,
Mas gurda segredo , que é ...
                                            - Jesus! Jesus!

                                    2

Além, na tapada das Quatorze Cruzes,
Já não é a Velhinha que vai a passar:
Um grande cortejo cheiinho de luzes,
Aninhas da Eira que vai a enterrar.

                         Um Pastor fala:

"Aninhas da Eira! Aninhas da Eira!
Cantai, raparigas, cantai e chorai!
Morreu, coitadinha! sorrindo, trigueira,
Como um passarinho, sem soltar um ai.

Quando era pequeno, levava-me à escola,
E quando, mais tarde, cresci e medrei,
Oh danças na eira, ao som da viola!
Nas danças de roda, que beijos lhe dei!

Os anos vieram, os anos passaram,
Meu fardo arrastou-me, da aldeia saí:
Nunca mais meus olhos seus olhos tocaram,
Perdi-a de todo, nunca mais a vi.

E além, na tapada das Quatorze Cruzes,
Numa noite destas com vento a ventar,
Ó meu Deus! é ela que vai entre luzes!
Ó meu Deus! é a Aninhas que vai a enterrar!

Ola! bons senhores, vestidos de preto,
Deixai a defunta, que a levarei eu!
O suor alaga-vos, eu levo o carreto...
O caixão de Aninhas é também o meu!

Tenho os relâmpagos, deixai-me sem velas
A rezar por ela, sob o temporal!
Caí-me no peito, cravai-me, procelas!
Cruzes da tapada, em forma de punhal!

Mas os bons senhores, de preto vestidos,
Cigarros acesos, e velas na não,
Lá passam ao Vento, com sete sentidos,
Com medo que, às vezes, não sejam um ladrão...

Mãos das ventanias! mão das ventanias!
Tirai-lhes Aninhas e levai-a a Deus!
Com suas maozinhas, agora tão frias,
Irá na viagem a dizer-me adeus...

Ó Vento que passa! corcel de rajada!
Assenta-nos ambos no mesmo selim:
Quero ir mais ela na longa jornada...
Quero ir com Aninhas pelo Céu sem fim!

Ó Leste, que trazes as rolas às costas,
Quais rolas, leva-me aos pés do Senhor!
Quero ir com ela, assim de mãos postas...
Quero ir com Aninhas para onde ela fôr!

Ó Norte dos Marços! Ó Sol das procelas,
Levai-nos quais brigues, com asas, levai!
Levai-nos como águias, levai-nos quais velas...
Quero ir com Aninhas para onde ela vai!"

                                   3

Além, na tapada das Quatorze Cruzes,
Que triste velhinha que vai a passar!
E que olhos aqueles que parecem luzes...
Aonde irá ela? Quem irá buscar?

                                                             (Paris, 1891.)

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