quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Paulo Mendes Campos, Madrigal 1942; BH, 0501002011.

Mulher
Que interrompe a primavera de um exército
Repartindo cartas suicidas e peixes solitários
Que insinuas o desespero sem vigência
E os amoralismos cruciais do coração
Fantasma de organdi e nuvens enigmas
Viajando para os lados de um soluço
Mulher fatal como o quadro instantâneo
Que realeja na memória um céu especial
Comício de poemas obscuros
Ausente dos acampamentos da madrugada
Carne dominical falsamente casta
Intrusa das salas dos concertos sinfônicos
Mulher cem vezes mulher
Cem vezes mulher de meu poema
Retórica dos madrigais de ternura precipitada
Ladra sobretudo dos propósitos pacíficos
Alto e sorridente eflúvio de repente
Mulher
Carta enlutada mentida de rosa
Amargura corrosiva das raízes
Em ti me crucificara
Como um pássaro
Sem ti os jardins não são poemas
Os hemisférios da alma não se entendem
Em ti
Mil vezes em ti eu remo para mais adiante
Pesquisador vencido catedral abstrata
Por ti perdi-me mendigo nos parques
E nos comboios irremediáveis
Que fogem gotejando um tempo lento e venenoso
Por ti os telefones floresciam
Ou se cobriam de lutos e mistérios
Por ti colecionando tardes e alvoradas
Eu nadava para o delta dos sortilégios
E alevantava-se um clamor maior que a esperança
Dos lados de onde me chegam flores mortuárias
Um sentimento de chamas
E um prelúdio infinito.

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