Senhor
Venhas livrar-me de todo embaraço
Dificuldade
Venhas de vez por todas
Desengasgar-me
Fazer sair o que está entalado a sufocar-me
A afogar-me em lágrimas
Senhor
Venhas soltar as amarras das minhas mãos
Tirar as talas que sustentam meu grilhão
Faças desentalar
Desaparafusar as entradas para o ar nas minhas narinas
Desenrolar os fios
O que estava enroscado
Em volta do meu pescoço
Venhas Senhor
Desenroscar de mim
Tudo que queira desfazer-me
Só a impedir o desenvolver o estender
Do ideal que estava enrolado
A esperar a única oportunidade
Para desfazer o rolo
O desenrolar de negócio
Questões tão complicadas
Quero resolver de vez
Senhor
Desembaraçar-me dos pecados
Desfazer o enredo dessa quarta-feira de cinzas
Desse fatídico carnaval
Desenredar-me da morte
O epílogo da vida
Com salvação
Não com término dum conto ruim
Com desenlaçamento simplório
Desfecho simples
Desenlace sem amém
Senhor vem
Desfazer o laço do nó da
Forca em que estou pendurado
Meus pés já saíram do chão
Venhas desprender-m
Desenlaçar-me
Sou o passarinho que caiu na arapuca
Não sabe nem voar
Nem fugir
Faças de mim um projeto próprio
Como no delineamento
No traçado geral dum quadro
Preciso deixar de ser um desenho
A arte de representar objetos
Por meio de linhas sombras
Ser um desenhista de luz
Uma pessoa que desenha a luz
A própria luz
Pois das trevas vêm as sombras
Das sombras as assombrações
Das assombrações os fantasmas
Dos fantasmas os homens
Pretendo Senhor
Deixar de ser fantasma
Deixar de ser homem
Ser só espírito na tua presença
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