Meu amigo Fernando Pessoa velho
Conhecido meu e de quem gosto
Muito e tenho elevada estima e
Consideração, gostava de escrever
Em pé; eu, das poucas vezes em
Que tento, prefiro sentado; não
Digo que escrevo, digo que tento
Escrever, pois é algo que requer
Extrema habilidade; escrever não
É para ser humano normal, não
É para representante comum da humanidade
Ou outro qualquer da espécie da raça
Humana; aqui debaixo do banco,
Em que estou sentado, tem
Um cão deitado; debaixo de banco,
Eu me sinto tal qual esse cão ao
Escrever; se eu pudesse também
Estaria ali com ele, junto ao rés do
Chão, a dormir, como fazem os seres
Humanos normais, mas nós preferimos
Outros sítios; um sentado em cima
Do banco, o outro deitado em baixo
Do banco; um a dormir e talvez
Sem sonhar e o outro a sonhar e
Talvez sem dormir; mas estamos
Todos no mesmo banco; mas eu
Desejo o lugar desse cão, pois sou
Um cão e ele não deseja o
Meu lugar e é um cão e sei
Que não quererá deixar de
Ser um cão, mesmo se eu
Vier a matá-lo ao entardecer;
Entanto a tarde me mata todo
Fim do dia e não tem culpa
E eu também não posso ter,
Apesar que de vez em quando,
Quererem encher-me delas.
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