Pintam, Marília, os Poetas
A um menino vendado,
Com uma aljava de setas,
Arco empunhado na mão;
Ligeiras asas nos ombros,
O tenro corpo despido,
E de Amor, ou de Cupido
São os nomes que lhe dão.
Porém eu, Marília, nego,
Que assim seja Amor; pois êle
Nem é môço, nem é cego,
Nem setas, nem asas tem.
Ora pois, eu vou forma-lhe
Um retrato mais perfeito,
Que êle já feriu meu peito;
Por isso o conheço bem.
Os seus compridos cabelos,
Que sôbre as costas ondeiam,
São que os de Apolo mais belos;
Mas de loura côr não são.
Têm a côr da negra noite;
E com o branco do rosto
Fazem Marília, um composto
Da mais formosa união.
Tem redonda, e lisa testa,
Arqueadas sobrancelhas;
A voz meiga, a vista jonesta,
E seus olhos são uns sóis.
Aqui vence Amor ao Céu,
Que no dia luminoso
O Céu tem um Sol formoso,
E o travêsso Amor tem dois.
Na sua face mimosa,
Marília, estão misturadas
Purpúreas fôlhas de rosa,
Brancas fôlhas de jasmin.
Dos rubins mais preciosos
Os seus beiços são formados;
Os seus dentes delicados
São pedaços de marfim.
Mal vi seu rosto perfeito
Dei logo um suspito, e êle
Conheceu haver-me feito
Estrago no coração.
Punha em mim os olhos, quando
Entendia eu não olhava:
Vendo que o via, baixava
A modesta vista ao chão.
Chamei-lhe um dia formoso:
Êle, ouvindo os seus louvores,
Com um gesto desdenhoso
Se sorriu, e não falou.
Pintei-lhe outra vez o estado,
Em que estava esta alma posta;
Não me deu também resposta,
Constrangeu-se e suspirou.
Conheço os sinais, e logo
Animado de esperança,
Busco dar um desafôgo
Ao cansado coração.
Pego em teus dedos nevados,
E querendo dar-lhe um beijo,
Cobriu-se todo de pejo,
E fugiu-me com a mão.
Tu, Marília, agora vendo
De Amor o lindo retrato,
Contigo estarás dizendo,
Que é êste o retrato teu.
Sim, Marília, a cópia é tua,
Que Cupido é Deus suposto:
Se há Cupido, é só teu rosto,
Que êle foi quem me venceu.
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