terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Um beijo agora; RJ, 0240401996; Publicado: BH, 0310102012.

Um beijo agora
Não importa a hora
Não importa o dialeto
Que as línguas falem
Não falo inglês
Não falo francês
Nem alemão
Um beijo simples agora
Na palma do meu coração
Aproveita assim
Minhas pálpebras pesam
Não sei ainda
O que será de mim
Se morro ou se vivo
Se fico ou se vou
A sentir o calor da vida
De boca tão querida
Nada me faz afastar
Levar-me para longe
A esperança de conseguir
Todos os beijos necessários
À minha sobrevivência
Obstinam-me dão-me força
Para uma resistência
Digna de herói
Nocauteado lançado por terra
Por tão estranho furor
Um beijo agora
Sou um terminal
Preciso de extrema-unção
Sou um delirium tremens
Um beijo agora
Na boca do meu coração

Dói-me; RJ, 0240601996; Publicado: BH, 0310102012.

Dói-me
Como me dói
Esta barragem que trago
Dentro de mim
Não há explicação
Não há lógica
Porque é que tem
Que ser assim
Não pode ser normal
Só pode ser doença
Não sentir falta
Não sentir necessidade
Não sentir fome
Igual a todo homem
Acabou o apetite
Como me dói comer
Este vazio que sinto
Esta falta de estímulo
Preciso botar fogo no pavio
Dinamitar esta barragem
Mandar pelos ares
Esta falta de iniciativa
Será que realmente
Só depende de mim?
Porque é que
Não encontro a resposta?
Não aguento mais
Esta dor maldita
Que me mata aos poucos

Quem faz poemas; RJ, 0260501995; Publicado: BH, 0310102012.

Quem faz poemas
Não cresce nunca
Quem faz poesias
Muito menos ainda
Não fica adulto
Não amadurece
É eterna criança
Infantil pueril menino
Só falta mijar na cama
Usar fralda mamadeira
Poeta é assim mirim
Bobo juvenil inocente
Curumim não faz projetos
Não faz planos
Não inventa
Poeta não defende tese
Não opera nem advoga
O verdadeiro poeta
Não fala que é poeta disfarça
Finge e desconversa
Só versa
Tramas poéticas
Não quer outra coisa
Não é outra coisa
Nem se preocupa
Em exibir o diploma
A criação é tudo
Não importa as críticas
Importa só a inspiração
Que o poeta tira
Entre o intervalo
Das batidas do coração

Ainda bem; RJ, 0260501995; Publicado: BH, 0310102012.

Ainda bem
Que mesmo míope
Posso ver o céu
As nuvens o sol
Posso ver o azul
Ainda bem
Que mesmo ao usar óculos
Posso ver a lua
As estrelas que cintilam
Soltas no firmamento
Posso até ficar cego
Já vi muitas coisas
Vi a linha do horizonte
Vi o mar
O que mais quero
Posso até morrer
Morro feliz
Vi as mulheres bonitas
Não as tive
Só as vi
Não fui nem amigo
Só expectador
Gosto só de olhar
Ainda bem
Que mesmo deficiente das vistas
Acompanhei a trajetória incerta
Do voo certo da borboleta
Pousou na flor
Alimentou-se
Seguiu adiante

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Nanayah; RJ, 0210501995: Publicado: BH, 0260102012.

Nanayah
Sempre quis ter uma filha
Sempre sonhava imaginava
A ser pai duma filha
Por mais que pensasse
Por mais que imaginasse
Jamais saberia por mim mesmo
Que seria tão bom gostoso
Ser pai duma filha
É muito bom ser teu pai
Só não passava por minha cabeça
A ideia que viria ainda
A amar-te tanto assim um dia
É até difícil escrever para sempre
Até é difícil explicar eternamente
Aos incautos aos navegantes
O que é te amar amar amar
É algo que vibra aqui dentro
Que em nenhum dicionário
Vou encontrar a palavra adequada
Para poder expressar ao mundo
A sensação de te amar
Se juntar todos os alfabetos
Todas as letras possíveis
Todos os símbolos antigos
Todas as linguagens modernas
As que ainda estão
Para serem criadas
Com toda a parafernália existente
Nada será suficiente
Para refletir o amor
Que sinto por ser teu pai

Falta de dinheiro Rio de Janeiro, 1980; Publicado: BH, 0260102012.

Falta de dinheiro
Rio de Janeiro
Preciso arranjar dinheiro
Tenho que dar um jeito
Arranjar algum dinheiro
A me virar de qualquer maneira
Entrar em ação
Dar uma volta no quarteirão
Não posso ficar aqui
Plantado no mesmo chão
Tenho que dar um jeito
Arrumar um feito
Dar um tombo
Um escorregão
No jeito desta vida
Não posso continuar
Tão duro assim
Sem dinheiro sem nada,
Sem trabalhar sem estudar
Que malandro que sou
Preciso abrir os olhos
Não pode ser possível
Não pode ser verdade
Que de repente vou morrer
Sem um centavo no bolso
Cair na calçada
Ir para o Instituto Médico Legal
Ficar alguns dias no gavetão
A esperar reconhecimento
Solicitação do corpo
Que não aparecem
Então vou ser enterrado como indigente
Ou ficar no gelo ou no formol
Para servir de pesquisa de estudo
Creio que meu cadáver
De tão podre que se encontra
Não servirá para pesquisa
Nem servirá para estudos
A deixar de lado este velho corpo
Sem utilidade sem assunto
O negócio mesmo
É arranjar dinheiro;
Neste meu Rio de Janeiro
Se aparecesse alguém,
Com um vintém
A querer me comprar
Mas quem
Até me venderia Judas
Por qualquer dinheiro
Não posso é continuar
Nesta pitimba assim;
Tenho que revolver a cabeça,
Não no revólver
Sair deste estado vago
Tentar preencher o lugar
Que me cabe no espaço
Não posso é continuar
A padecer sem um tostão no bolso
Antes de mais nada
Antes de tudo
Tenho que me arranjar
Preciso me arrumar
Algum dinheiro emprestado
Ou roubado
Para poder sobreviver
Não posso é sofrer
Não posso é morrer
Com esta falta de dinheiro
No Rio de Janeiro

Minha cabeça; RJ, 0290501987; Publicado: BH, 0260102012.

Minha cabeça
Não presta mais
Não sei usá-la
Posso muito bem ir
Para a guilhotina
Para o garote vil
Sou um vil
Já me viste
Alguma vez?
Nunca que não
O que é pensar?
Não tenho lembrança
Não tenho memória
Sofro de amnésia
Tomo leite de magnésia
Vou parar na prisão
Para me sentir seguro
Qualquer vento qualquer
Derruba-me por completo
Ai me quebro todo
Colem-me com cola
Peguem meus pedaços
Será que servem?
Pendurem no quadro
Procurem o artista
Que pintou
Esta obra-prima
Não assinou

Solucei; RJ, 0290501987; Publicado: BH, 0260102012.

Solucei
Chorei
Choro sempre
Um choro mudo
Sem lágrimas
Sem pranto
Sem ruídos
Só a face contrita
Só o semblante contraído
Refletem a dor
Só assim sinto
Que estou a chorar
A chorar em silêncio
De que adianta?
Pergunto de repente
Tinha mais
Era de dar graças a Deus
Não dou
Não tenho fé
Nem esperança
Tinha mais
Era que dar graças
A todos os santos
Os santos não existem
Se existissem
O mundo seria outro
Soluço
Logo choro

Corpo louco doido doído maluco desesperado; Rio de Janeiro, 1980; Publicado: BH, 0260102012.

Corpo louco doido doído maluco desesperado
Corpo morto podre sujo imundo ruim
Corpo sem alma inanimado inútil sem corpo
Corpo sem sangue sem órgãos sem mecanismos
Corpo sem organismos sem magnetismos sem atração sem nada
Corpo torto insano de pano de lata de pau
Corpo de pedra fedorento catinguento sem cheiro sem odor
Corpo sem calor sem eletricidade sem vida
Corpo estranho psicopata esquizofrênico debiloide anormal
Corpo filosófico psicológico parapsicológico hipnotizado
Corpo transcendental espacial esferoide galaxial
Corpo desconhecido não identificado
Corpo oculto opaco dilacerado remendado atormentado
Corpo torturado usado marcado ferido
Corpo tatuado cicatrizado aberto fechado
Corpo sem ser sem soma sem célula sem molécula sem poder
Corpo sem matéria apagado frio sem luz aleijado
Corpo corcunda obeso grosso pesado
Corpo calejado ignorante inerte parado
Corpo acabado destruído destituído
Corpo construído deformado transformado
Corpo em frangalhos em chagas em pedaços
Corpo descoberto nu pelado queimado
Corpo matado cansado desanimado
Corpo lasso sem compasso sem paço sem passo sem espaço
Corpo oco vazio vago vácuo
Corpo sem calma sem espírito sem tudo
Corpo cego surdo mudo acorrentado algemado
Corpo amassado preso detido trancafiado
Corpo fuzilado eletrocutado esfaqueado
Corpo esquecido triturado moído espancado linchado
Corpo violentado suicidado agredido lesado
Corpo só sozinho solitário abandonado deixado
Corpo sem pernas sem braços sem cabeça
Corpo sem sexo sem ânus sem nádegas sem testículos
Corpo isolado decepado separado longe fraco perdido
Corpo pervertido feio incompleto sem reflexo sem imagem
Corpo sem sombra em coma dormente
Corpo afogado comido esquartejado jogado fora
Corpo salgado apimentado temperado assado
Corpo sacana safado desejado tarado
Corpo rasgado despedaçado partido atirado
Corpo na valeta na sarjeta no esgoto no gueto
Corpo dolorido sem raiz sem nariz sem guia
Corpo débil rebelde revoltado magoado
Corpo enjoado vomitado escarrado urinado defecado
Corpo cuspido babado lambido gosmado
Corpo mordido unhado chutado chupado calado
Corpo sugado enrugado envelhecido
Corpo inválido incendiado pulverizado
Corpo pó empoeirado incinerado espalhado soprado
Corpo entulhado embrulhado despachado nas cinzas

Meus olhos fecham; RJ, 0190101992; Publicado: BH, 0260102012.

Meus olhos fecham
Não posso dormir
Nada me sensibiliza
Meus olhos ardem
Queimam iguais a fogo
Não posso fechá-los
Nada me arrepia
Sou mais frio
Do que uma pedra de gelo
Sou mais raso
Do que a superfície
Não me atinjo
Não me alcanço
O inferno não me quis
O céu me desprezou
Não sei onde estou
Meus olhos fecham
Estou cego
Deem-me uma esmola
Pelo amor de Deus
Deem-me um guia
Deem-me uma mão
Alguma coisa
Deem-me a luz
O caminho a vida
Deem-me fôlego
Abram meus olhos

PDG, Alvarenga Peixoto, 1455, 1; Começamos a tomar o caminho de volta depois; BH, 0240102012; Publicado: BH, 0260102012.

Começamos a tomar o caminho de volta depois
Do pai o oitavo dos dez o sexto dos homens
Iniciou a sua jornada de retorno ao
Infinito poderia ter criado os filhos ter
Tido netos convivido mais com os
Seus mas quem entenderá o destino individual
De cada um? quem contará a saga? o conto?
A história? todo parto só é parto quando é
Com dor todos os partos dele foram com
Dor o de chegada para a mãe o de
Ida para todos nós rimos muitas vezes
Juntos agora choramos separados porém
Convivemos pouco é a realidade da
Vida moderna a impaciência a
Intolerância amamos menos ainda
Talvez até odiamos quem entenderá
O ser humano? temos desprezo humilhamos
Depois temos remorso não respeitamos
Depois ficamos com sentimentos de culpa
A mãe parece firme pedreira geradora de
Rochas sustentada em cima de rochedos
Agora é cada um procurar deixar a
Sua marca toda marca além do bem
Do mal para que não soframos
Com a dor da ida de cada
Um de nós é triste quando se começa
A tomar o caminho de volta bem antes
Do tempo bem antes de ter vivido

Rio Grande do Norte, 916, 6; Inda o engodo do Banco do Brasil; BH, 0180102012; Publicado: BH, 0260102012.

Inda o engodo do Banco do Brasil; até
Parece-me que o Banco do Brasil é
Demotucano, ou que ainda vive a
Regência Trina do atraso: Fernando
Henrique Cardoso, José Serra e Marco
Zero Maciel; se o Banco do Brasil
Não evoluiu, não avançou na
Administração moderna de
Luiz Inácio Lula da Silva e na de
Dilma Vana Rousseff, a culpa não
É minha; Banco do Brasil precisa
Sair do lodo, pensar novos
Horizontes, deixar de bancar o
PIG, Partido da Imprensa Golpista
E a REDE GLOBO, que tanto tentam
Desestabilizar justamente o governo
Do qual o Banco do Brasil representa;
E é justamente ali no PIG, Partido
Da Imprensa Golpista e na REDE
GLOBO, que o Banco do Brasil mais
Joga fora dinheiro dos correntistas,
Dos acionistas, dos investidores e
Dos funcionários; ao alimentar os
Inimigos reacionários da Presidenta
Dilma Vana Rousseff, o Banco do
Brasil enfraquece o governo dela
E a si próprio; em suma, o Banco do
Brasil continua a ser um engodo.

Estou a ficar velho; RJ, 0280501996; Publicado: BH, 0260102012.

Estou a ficar velho
O tempo está a passar
Já estou a sentir na pele
O peso do tempo
Estou a ficar velho
As pernas tremem
A barriga desce cada vez mais
As mulheres já fogem de mim
Não sei o que vou fazer
Para sobreviver à velhice
A memória acabou
A mente não comanda
Mais o corpo
Perdi a virilidade,
Para a senilidade
Tesão apetite
Nada me agrada
Não agrado a nada
Sou um velho senil
Decrépito demente ultrapassado
Abandonado por todos
Por todos desprezados
Ai o pior de tudo
É que não vivi a vida
Não fiz nada de bom
Não criei nada de bem
Nem sequer plantei uma árvore
Nem genealógica
Quando o tempo me vergar de vez
Deixarei de lamentar
Será tarde demais
Não dará mais tempo
De correr atrás

Mulheres mutiladas; RJ, 060701998; Publicado: BH, 0260102012.

Mulheres mutiladas
Somos as mulheres mutiladas
Quando nascemos
Vieram anjos negros
Arrancaram nossos clitóris
Trompas ovários úteros
Deceparam nossas mãos
Deceparam nossas cabeças
Mutilaram nossas almas
Somos mulheres negras
Brancas amarelas
Miseráveis abandonadas
Somos as índias escravas
Padecemos sob a cortina de ferro
Cobrimos o rosto
Com o véu da vergonha
Fugimos do céu
Por pensar que o nosso destino
Nunca será a felicidade
A não ser o fogo do inferno
Somos as marginalizadas
As prostitutas meretrizes;
Nas rua lapidadas
Começamos na infância
A vender nossos corpos
Vivemos na infâmia
Sem família lar sem pão
Crucificadas em nome da religião
Subjugadas em nome da sociedade
Uivamos em nome de nossa liberdade
Gritamos em nome do prazer
Nos embriagamos em nome da verdade
Assim somos nós denunciadas
As mulheres mutiladas
Pelos corações insensatos

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Fidel; RJ, 0220101992; Publicado: BH, 0240102012.

Fidel
Um ideal
Uma ideia
Líder revolucionário
Uma força irreal
Desconhecida louca
Um pulso forte
Capaz de sustentar
Capaz de frea
O colonialismo
O imperialismo;
O empório do mal
Fidel
Capaz de frear
A investida americana
Sobre a ilha de Cuba
Destemido corajoso
Cruel bondoso
Carismático odiado
Abençoado por Deus
Ateu convicto
Fiel à Revolução
A dar a própria vida
Em troca da liberdade
Fidel
O homem que sobra em Cuba
Que falta à humanidade
Revolução viva
Morte aos antirrevolucionários
Viva Fidel
Viva Cuba

Que curiosidade pode existir; RJ, 0210401996; Publicado: BH, 0240102012.

Que curiosidade pode existir
A ponto de transformar
Nalgum interesse
Nalguma utilidade
O que por ventura venha surgir
Diante dos meus olhos
Riscado em papel branco
Pela tinta da caneta
Segura por meus dedos
Se minh'alma
É um poço de medo
A coragem não transpõe meu limite
Por mais que tente
Buscar um amparo
Não encontro abrigo
Para meu ser combalido
Sem disposição de enfrentar
As cruezas que o destino
Lança a frente
Diante do caminho
Feito migalhas de pão
Esmagadas por pisaduras
De seres fortes superiores
Possuídos de mentes poderosas
Capazes de feitos inacreditáveis
Mentes iluminadas
Brilhantes fosforescentes
Que ofuscam a própria luz do sol
Donde não existe noite
Não existe escuridão
Só uma luz intensa eterna
Donde se pode olhar diretamente
Que a luz não turva
O olhar da gente

Aqui nesta folha branca; RJ, 0210401996; BH, 0240102012.

Aqui nesta folha branca
Vou deixar sangrar
Como se fosse uma hemorragia
Uma sinfonia da dor
Dor de ver este povo
Sem futuro
De ver tantos problemas
Sem soluções
Vou compor uma sinfonia do silêncio
Só com gritos de ais
Com gemidos latejantes
Com prantos de choros
De crianças desamparadas
Órfãos esquecidos
Nas calçadas da vida
Não terá sorrisos
Pois não há motivos
Não terá alegria
Só tristeza miséria
Só pobreza necessidade
Pois não há justiça
Com toda dificuldade
Obstáculo abismo
Com todo precipício
Buraco montanhas
Vou deixar fluir
Esta sinfonia da dor
Dor infinita lancinante
Que ecoa interminável
A arrasar vidas almas,
Num sofrimento infernal
A silenciar mentes
A ceifar pensamentos

Não posso entender; RJ, 0220101992; Publicado: BH, 0240102012.

Não posso entender
Como uma nação
Igual a americana
Ainda sobrevive
Ainda resiste
Não foi ao fim
Não posso compreender
A União Soviética
Desintegra-se
Acaba-se
O capitalismo sobrevive
A podridão a sujeira
A mendicância a burrice
O analfabetismo a ignorância
Ainda estão aí
Representados pela nação americana
É difícil entrar em minha cabeça
O fim do céu
A permanência do inferno

paopoesiaazia.blogspot.com.br, Esquina do mundo; BH, 0240102012.

Em um estranho,
O mais estranho dos dias,
Nu,
Senti o tempo parar em uma esquina.

Enquanto ardiam de ânsia meus pés descalços,
Sob o teor imóvel do asfalto
O desfiladeiro de um coração frio tragava o mundo.
"Cego como trator;
Voraz como usina!".

Houve uma chuva fria,
De pétalas e flores constituída.

E no instante do mundo no qual:
O espaço dilui e se espalha;
O tempo pára;
O improvável; nada.
A chuva que caía, logo acumulava.
Formava um rio,
Que subia.

De súbito,
Um mergulho profundo.
(...)
Fui com o amor, subindo a serra.

(...)
Enquanto a cidade desmoronava,
O rio seguia.
Em forma e perfume de mulher amada.

Nietzsche, A verdade tem necessidade do poder; BH, 0240102012.

Em si, a verdade não é de forma alguma um poder
 - Seja o que for que digam geralmente os ridículos racionalistas!
 - Pelo contrário, ela deve atrair o poder para seu lado ou deverá
Colocar-se ao lado do poder, de outra forma perecerá sempre
De novo!
Isso foi demonstrado à saciedade!

Nietzsche, As pequenas doses; BH, 0240102012.

Se uma transformação deve se processar tanto quanto possível
Em profundidade, é preciso administrar o remédio em pequenas
Dose, mas sem interrupção, por um longo período de tempo!
O que podemos criar de grande numa só vez?
Evitaremos, pois, trocar, precipitadamente e com violência, as
Condições morais às quais estamos habituados, por uma nova
Avaliação das coisas - pelo contrário, queremos continuar ainda
A viver muito tempo nessas condições - até que, provavelmente
Muito tarde, percebamos que a nova avaliação se tornou
Preponderante em nós e que as pequenas doses às quais, a partir
De agora, devemos nos habituar, produziram em nós uma nova
Natureza.
 - Começamos também a dar-nos a última tentativa de grande
Modificação nas avaliações - aquelas que se referem às coisas
Políticas - quero dizer, a "grande Revolução" - não foi nada mais
Que um patético e sangrento charlatanismo que, por meio de
Crises súbitas, soube inculcar à crédula Europa a esperança de
Uma cura repentina - tornando assim até nossos dias todos os
Doentes políticos impacientes e perigosos.

Nietzsche, Um homem que aspira; BH, 0240102012.

Um homem que aspira a grandes coisas considera aqueles que
Encontra em seu caminho como meio ou como causa de atraso
Ou obstáculo - ou ainda como parada momentânea.
A bondade de alta categoria para com os outros homens, que é
Própria desse homem, não se torna possível senão quando ele
Tiver atingido sua própria altura e começa a dominar.
Certa impaciência e a consciência de ter sido sempre condenado
À comédia - pois a própria guerra não passa de uma comédia e
De um esconderijo, uma vez que todos os meios só servem para
O objetivo - interferem em todas as relações desse homem: esse
Gênero de homem conhece a solidão e o que ela tem de mais venenoso.

Álvaro de Campos/Fernando Pessoa, Trapo; BH, 0240102012.

O dia deu em chuvoso.
A manhã, contudo, esteve bastante azul.
O dia deu em chuvoso.
Desde manhã eu estava um pouco triste.
Antecipação? tristeza? coisa nenhuma?
Não sei: já ao acordar estava triste.
O dia deu em chuvoso.

Bem sei: a penumbra da chuva é elegante.
Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante.
Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante.
Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?
Dêem-me o céu azul e o sol visível.
Névoa, chuvas, escuros - isso tenho eu em mim.
Hoje quero só sossego.
Até amaria o lar, desde que o não tivesse.
Chego a ter sono de vontade de ter sossego.
Não exageremos!
Tenho efetivamente sono, sem explicação.
O dia deu em chuvoso.

Carinhos? afetos?
São memórias...
É preciso ser-se criança para os ter...
Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro!
O dia deu em chuvoso.

Boca bonita da filha do caseiro,
Polpa de fruta de um coração por comer...

Quando foi isso?
Não sei...

O dia deu em chuvoso.

                                                                                                10/9/1930

Álvaro de Campos/Fernando Pessoa, "The Times"; BH, 0240102012.

Sentou-se bêbado à mesa e escreveu um fundo
Do "Times", claro, inclassificável, lido...,
Supondo, (coitado) que ia ter influência no mundo...
.....................................................................

Santo Deus!... E talvez a tenha tido!

                                                                                         
                                                                                              16/8/1928

Antônio Nobre, À Lisboa das Naus, Cheia de Glória; BH, 0240102012.

Lisboa à beira-mar, cheia de vistas,
Ó Lisboa das meigas Procissões!
Ó Lisboa de Irmãs e de fadistas!
Ó Lisboa dos líricos pregões...
Lisboa com o Tejo das Conquistas,
Mais os ossos prováveis de Camões!
Ó Lisboa de mármore, Lisboa!
Quem nunca te viu, não viu coisa boa...

Ai canta, canta ao luar, minha guitarra,
A Lisboa dos Poetas Cavaleiros!
Galeras doidas  por soltar a amarra,
Cidades de morenos marinheiros,
Com navios entrando e saindo a barra
De proa para países estrangeiros!
Uns pra França, acenando Adeus! Adeus!
Outros pras Índias, outros... sabe-o Deus!

Ó Lisboa das ruas misteriosas!
Da Triste Feia, de João de Deus,
Beco da Índia, Rua das Fermosas,
Beco do Fala-Só (os versos meus...)
E outra rua que eu sei de duas Rosas,
Beco do Imaginário, dos Judeus,
Travessa (julgo eu) das Isabéis,
E outras mais que eu ignoro e vós sabeis.

Luar de Lisboa! aonde o há igual no Mundo?
Lembra leite a escorrer de tetas nuas!
Luar assim tão meigo, tão profundo,
Como a cair dum céu cheio de luas!
Não deixo de o beber nem um segundo,
Mal o vejo apontar por essas ruas...
Pregoeiro gentil lá grita a espaços:
"Vai alta a lua!" de Soares de Passos.

Formosa Sintra, onde, alto, as águias pairam,
Sintra das solidões! beijo da terra!
Sintra dos noivos, que ao luar desvairam,
Que vão fazer o seu ninho na serra.
Sintra do Mar! Sintra de Lord Byron,
Meu nobre camarada de Inglaterra!
Sintra dos Moiros, com os seus adarves,
E, ao longe, em frente, o Rei dos Algarves!

Ó Lisboa vermelha das toiradas!
Nadam no Ar amores e alegrias,
Vêde os Capinhas, os gentis Espadas,
Cavaleiros, fazendo cortesias...
Que graça ingênua! farpas enfeitadas!
O Povo, ao Sol, cheirando às maresias!
Vêde a alegria que lhe vai nas almas!
Vêde a branca Rainha, dando palmas!

Ó suaves mulheres do meu desejo,
Com mãos tão brancas feitas pra carícias!
Ondinas dos Galeões! Ninfas do Tejo!
Animaizinhos cheios de delícias...
Vosso passado quão longínquo o vejo!
Vós sois Árabes, Celtas e Fenícias!
Lisboa das Varinas e Marquesas...
Que bonitas que são as Portuguesas!

Senhoras! ainda sou menino e moço,
Mas amores não tenho nem carinhos!
Vida tão triste suportar não posso.
Vós que ides à novena, aos Inglesinhos,
Senhoras, rezai por mim um Padre-Nosso,
Nessa voz que tem beijos e é de arminhos.
Rezai por mim... Vereis... Vossos pecados
(Se acaso os tendes) vos serão perdoados.

Rezai, rezai, Senhoras, por aquele
Que no Mundo sofreu todas as dores!
Ódios, traições, torturas, - que sabe ele!
Perigos de água, e ferro e fogo, horrores!
E que, hoje, aqui está, só osso e pele,
À espera que o enterrem entre as flores...
Ouvi: estão os sinos a tocar.
Senhoras de Lisboa! ide rezar.

Mário Quintana, (XIX); Dos Milagres, BH; 0240102012.

O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo...
Nem mudar água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!

Tomás Antônio Gonzaga, Lira XVIII; BH, 0240102012.

Eu, Glauceste, não duvido
Ser a tua Eulina amada
Pastora formosa,
Pastora engraçada,
Vejo a sua cor-de-rosa,
Vejo o seu olhar divino,
Vejo os seus purpúreos beiços,
Vejo o peito cristalino;
Nem há coisa, que assemelhe
Ao crespo cabelo louro.
Ah! que a tua Eulina vale,
Vale um imenso tesouro!

Ela vence muito, e muito
À laranjeira copada,
Estando de flores,
E frutos ornada.
É, Glauceste, os teus Amores;
E nem por outra Pastora,
Que menos dotes tivera,
Ou que menos bela fora,
O meu Glauceste cansara
As divinas cordas de ouro.
Ah! que a tua Eulina vale,
Vale um imenso tesouro!

Sim, Eulina é uma Deusa;
Mas anima a formosura
De uma alma de fera;
Ou inda mais dura.
Ah! quando Dirceu pondera
Que o seu Glauceste suspira,
Perde, perde o sofrimento,
E qual enfermo delira!
Tenha embora brancas faces,
Meigos olhos, fios de ouro,
A tua Eulina não vale,
Não vale imenso tesouro.

O fuzil que imita a cobra,
Também aos olhos é belo:
Mas quando alumeia,
Tu tremes de vê-lo.
Que importa se mostre cheia
De mil belezas a ingrata?
Não se julga formosura
A formosura, que mata.
Evita, Glauceste, evita
O teu estrago, e desdouro;
A tua Eulina não vale,
Não vale imenso tesouro.

A minha Marília quanto
À natureza não deve!
Tem divino rosto,
E tem mãos de neve.
Se mostro na face o gosto,
Ri-se Marília contente:
Se canto, canta comigo,
E apenas triste me sente,
Limpa os olhos com as tranças
Do fino cabelo louro.
A minha Marília vale,
Vale um imenso tesouro.

Babilak Bah, Nascimento do Eu; BH, 0240102012.

Escalar a ponte do íntimo
Ressuscitar o amigo
Intimado
A ter amor no próximo
Amigo íntimo
Intimado
Partiu na tempestade
De um sonho rápido
Precipitado pelo coração.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Paul Claudel, A santa face; BH, 0230102012.

Certa imagem não poderias apagar de teu coração.
E esta imagem é precisamente aquela gravada no pano de Verônica.
É uma face fina e longa, contornando-lhe o queixo três tufos de barba.
Sua expressão é tão severa que intimida, e tão santa
Que o velho pecado, em nós organizado,
Estremece em sua raiz original, e a dor que ela exprime é tão profunda
Que, surpresos, ficamos parecendo com os filhos que, sem
Compreender, vêem as lágrimas do pai: ele está chorando!
Em vão, bem que desejarias, ó Ivors, desfraldar diante desses olhos
A glória e o esplendor do mundo.
Esses olhos que levantando-se, criaram, num relance, o Universo.
Estão baixos agora e deles descem lágrimas severas;
Sua fronte está suando gotas de sangue.
Mas, considera, ó meu filho, a boca de teu Deus, a boca , ó meu filho, do Verbo.
Que amargor está sentindo, que palavra visceralmente inefável está saboreando.
Pois estes lábios, no canto direito, se entreabrem num sorriso atroz.
Como chora com todo o seu ser, deixando a saliva escapar, igual a uma criança!
Pão não haverá para nós, ó meu filho, enquanto existir esta dor a consolar.
Eis a dor do filho do Homem que desejou provar e assumir o nosso crime.
Eis a dor do Filho de Deus.
Não poder apresentar ao Pai o homem todo no mistério da Ostensão.

Mário Quintana, Viagem; BH, 0230102012.

O sono é uma viagem noturna:
O corpo - horizontal - no escuro
E no silêncio do trem, avança,
Imperceptivelmente avança...
Apenas o relógio picota a passagem do tempo.
Sonha a alma deitada no seu ataúde:
Lá longe
Lá fora
No fundo do túnel,
Há uma estação de chegada
(Anunciam-na os galos agora)
Há uma estação de chegada com a sua tabuleta
Ainda toda orvalhada...
Há uma estação chamada...
AURORA!

Llewellyn Medina, No mês de maio; BH, 0230102012.

No mês de maio
O Rio de Janeiro começa a esconder
A claridade boreal de seus dias
Anunciando que vem aí o inverno.

As pessoas vestem coloridos casacos
E andam contidamente
Com as mãos nos bolsos
Como se guardassem tesouros
Ávidos de ser despojados.

O céu esconde um azul
Sob espessas camadas de cinzentas nuvens
Que o sol timidamente espeta aqui e ali.

As folhas das amendoeiras enrugam-se
Antevendo os dias de inverno
Que elas sabem estão por chegar.

No fim da tarde
O sudoeste sopra silenciosamente
Ferindo o corpo lânguido do carioca
Como se pontiagudas lanças o tocassem.

O mar é cinzento
Encapela-se mas com suavidade
E a praia um cenário de filme de ficção
Vazia
Exceto por um ou outro surfista
Que sonda o horizonte
Na esperança vã de uma "wave".

Com a noite
As luzes espetam-se nos postes altos
Os carros passam em vagarosa procissão
Os faróis acesos ao longe
Parecem vaga-lumes dançando graciosa coreografia

Não se vê a lua
Mas todos sabem que ela está lá
Pois a lua não abandona o Rio
Nem mesmo nas noites
Nas soturnas noites de maio.

Manoel de Barros, Ruína; BH, 0230102012.

Um monge descabelado me disse no caminho:
"Eu queria construir uma ruína.
Embora eu saiba que ruína é uma desconstrução.
Minha ideia era de fazer alguma coisa ao jeito da tapera.
Alguma coisa que servisse para abrigar o abandono,
Como as taperas abrigam.
Porque o abandono pode não ser apenas de um homem
Debaixo da ponte, mas pode ser também de um gato no
Beco ou de uma criança presa num cubículo.
O abandono pode ser também de uma expressão que tenha
Entrado para o arcaico ou mesmo de uma palavra.
Uma palavra que esteja sem ninguém dentro.
(O olho do monge estava perto de ser um canto.)
Continuou: digamos a palavra AMOR.
A palavra amor está quase vazia.
Não tem gente dentro dela.
Queria construir uma ruína para a palavra amor.
Talvez ela renascesse das ruínas, como o lírio pode nascer de
Um monturo."
E o monge se calou descabelado.

Manuel Bandeira, Oceano; BH, 0230102012.

Olho a praia. A treva é densa.
Ulula o mar, que não vejo,
Naquela voz sem consolo,
Naquela tristeza imensa
Que há na voz do meu desejo.

E nesse tom sem consolo
Ouço a voz do meu destino;
Má sina que desconheço,
Vem vindo desde eu menino,
Cresce quanto em anos cresço.

 - Voz de oceano que não vejo
Da praia do meu desejo...      

Tito Júlio Fedro, O burro e o Leão caçadores; BH, 0230102012.

O (indivíduo) carente de valentia, que galanteia vantagem
Em conversa, engana a quem o desconhece, (porém) fica
Alvo de irrisão para quem o conhece.
Como o leão quisesse caçar, tendo um burro por parceiro,
Revestiu-o de folhagem e ordenou que, de imediato, aterrasse as
Feras com voz esquisita, enquanto ele as surpreenderia na fuga.
Então o orelhudo, com toda a força, soltou um zurro alto e repentino.
Com (esse) inesperado fragor (ele), espantou os animais.
Aqueles enquanto apavorados, dirigiam-se para os atalhos
Costumeiros, eram abatidos pelo golpe terrível do leão.
Este, já fatigado do extermínio, ordena ao burro que reprima o som.
Ele então, petulante (pergunta):
"Que tal a serventia para ti de minha voz!?"
"Enorme", disse (o leão), "se eu não conhecesse teu tipo e
(Tua) raça, teria fugido com medo igual."

Casimiro de Abreu, Violeta; BH, 0230102012.

Sempre teu lábio severo
Me chama de borboleta!
 - Se eu deixo a rosa do prado
É por ti - violeta!

Tu és formosa e modesta,
As outras são tão vaidosas!
Embora vivas na sombra
Amo-te mais do que às rosas.

A borboleta travessa
Vive de sol e de flores...
 - Eu quero o sol de teus olhos,
O néctar dos teus amores!

Cativo de teu perfume
Não mais serei borboleta;
 - Deixa eu dormir no teu seio,
Dá-me o teu mel - violeta!

Abrenúncio!; BH, 03001001999; Publicado: BH, 0230102012.

Abrenúncio
Credo sai demônio
Longe de mim
Não vou me abrenha
Em tuas trevas
Meter-me em teu fog
Nas tuas brenhas
Não vou me embrenhar
Em tuas entranhas
Vade retro
Belzebu
Quero renunciar a ti
Rejeitar negar
Repelir reprovar
É a tua abrenunciação
Fiz o ato de te abrenunciar
Caia fora
Vai para o teu lugar
Já estão até a dizer
Que existe por aí
Um boneco meu
Coberto de espinhos
Agulhas de alfinetes
Mas na tua malha
Não vou cair
O único espinho
Com que quero me ferir
É com o que tirou sangue
Da cabeça de Jesus
Aquele sangue me banhou
Lavou-me abençoou
Não cola querer agora
Vir subjugar-me
Debaixo da tua sola

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Cobri-me de amuletos; BH, 03001001999; Publicado: BH, 0200102012.

Cobri-me de amuletos
Pedras preciosas gravadas
Com caracteres que se tomavam
Numericamente para simbolizar
Os trezentos sessenta cinco dias
Do ano de minha vida
Cuja leitura dava
À palavra mágica Abraxas
A chave que procuro
Que vai me abrir
Que vai me libertar
Dar-me a liberdade
A razão de viver a
Encontrar minha utopia
Meu sonho de canalizar
Acabar o pesadelo
Ao me fazer conservar
No produto químico abrastol
Derivado de naftol
Que usa-se na conservação
Do vinho dos alimentos
Num abraxa perdido
Inseto lepidóptero nocivo
Da família dos Geometrídeos
Vou abrasonar minha alcunha
Conferir brasão ao meu vulgo
Ao pôr brasão em tudo
Que me refleti na lama
A abrasoar a alma
Espírito ser a
Guardar tudo no guarda roupa
Até parar de feder

Coryplospingus pileatus; BH, 03001001999; Publicado: BH, 0200102012.

Coryplospingus pileatus
Era o nome duma ave
O abre fecha
Que hoje fecha
Não abre mais
O medo que carrego
Nem com o instrumento
Para forçar a abrir a boca
Vai-me fazer falar
Abre-boca muda
A covardia que trago absurda
Passa pela declaração emocional
Ou desabafo pela retratação
Da penosa situação reprimida
Por ser conscientemente
Intolerável e aceito
É o efeito terapêutico
Da ab-reação produzida
Pela expansão das minhas emoções
Angustiosas extremas
Ansiosas compulsivas a libertar-se
Só com muito abre ambrazô
Muita cachaça ambrozô
Tira-gosto de abrazô
Comida de origem africana
Em forma de pequenos bolos
Feitos de farinha de milho
Ou de mandioca azeite de dendê
Pimenta outros temperos
Fritos no mesmo azeite
Para me fazer esquecer
Afogado até a alma
A suspirar a soluçar
Até o espírito solucionar

A um outro irmão meu que já tive antigamente; BH, 050502002; Publicado: BH, 0200102012.

A um outro irmão meu que já tive antigamente
Passei por um eletrocardiógrafo aparelho com o qual
Se tira o eletrocardiograma gráfico das oscilações da
Corrente elétrica que se gera no músculo cardíaco
Nem percebi realmente se fui o que passei por ali ou
Se ali o que passou por mim levei até eletrochoque
No processo terapêutico baseado na provocação de
Crises convulsivas através da eletricidade aplicada
Sobre o encéfalo durante curto prazo com isso quase
Aprendi tudo sobre a electrocinética estudo das
Correntes elétricas entendi a eletrocoagulação que
É técnica de destruição de tecidos por correntes
Elétricas de alta frequência a eletrocoagulação
Permite a retirada de certos tumores sem risco de
Disseminação nem de hemorragia é assim que
Quero apresentar a minha eletrodinâmica parte da
Física que estuda as ações das correntes elétricas
Nem mesmo sei porque confesso que sou um
Confessional eletrodinâmico que produz corrente
Elétrica ou é produzido por corrente só o que mente
Não o é pois toda mentira que fala quer transformá-la
Em verdade já que mentira queima o eletródio no
Ponto pelo qual uma corrente elétrica penetra num
Corpo um dos condutores que mergulham no banho
Eletrolítico são pois o positivo o negativo que capta o
Elétrodo através da eletroencefalografia método
De exploração cerebral através dos registros das
Manifestações bioelétricas das células nervosas pode
Analisar a eletrencefalografia o eletroencefalograma
No traçado obtido pelo registro de potenciais
Elétricos de neurônios encefálicos dizem que
As ondas variam de amplitude de frequência
Conforme a atividade do cérebro espero
Que o meu ainda não esteja apagado 
Muito menos queimado por um curto-circuíto
Uma migração maléfica ou movimento indefinido
De proteínas ou partículas coloidais sob ação
Dum campo elétrico numa eletroforese irregular
Pois não quero parar de gerar como o eletróforo
Aparelho que gera eletricidade estática por
Indução só que a minha gostaria que
Fosse natural nada de eletrogalvânica ou
Relativo à pilha voltaica ou seus efeitos o
Eletrogalvanismo com o conjunto dos fenômenos
Eletrogalvânicos enfim chegar à conclusão
De que sou um eletrogêneo algo que produz
Eletricidade um eletrógeno que pela
Eletrografia escreve sem a aplicação
Da galvanoplastia à produção direta
Lâminas gravadas pela ação da corrente
Elétrica sou este batalhão de choque todo
Descrito aí acima para dispor formar madeixas
Na literatura emadeixar as letras palavras com
O emagrecimento do texto a emaciação da
Linguagem não embrulhar quem ler não
Reuni em maço desigual o conteúdo para
Não emaçar o produto em tudo que corresponde
A preposição em exprime a ideia de introdução de
Movimento para dentro ou para algum lugar tem
A tendência revestimento para embarcar empilhar
Sem empobrecer a metáfora emplumar a retórica
Mudar o sofisma antes da consoante que não seja
Aquela nem antes da vogal que não seja esta
Enterrar o cadáver interior entesourar as minas do
Âmago enovelar as soluções as resoluções para
A forma culta ir aos que mantêm-se em influir
Incrustar a joia no coração a ingerir pétalas de rosas
Perfumes de flores a investigar o esconderijo
Da verdade a origem do amor para espantar
A fobia aos gatos da guerra a elurofobia a qualquer
Felino carnívoro correr para o amparo do
Élitro asa anterior dos coleópteros de consistência
Córnea sem nervuras que protege durante o
Repouso a asa posterior membranosa do período
Elisabetano onde repousa tudo que é relativo
À rainha Elisabete I da Inglaterra (1533-1603)
À sua época canto com a minha boca que
Tem abertura em forma de elipse conto com
Legado elipsóstomo com raízes de elipsospermo
Sementes elípticas semântica elipsóide romance
Elipsoidal texto elipsiógrafo importante como
Instrumento para traçar elipses para desvendar o
Ser eleuterógino da flor quando o ovário
Não adere ao cálice do vinho das eleutérias
Das festas em honra de Zeus Libertador Eleutério
Em Platéia Grécia antiga para comemoração
Da vitória de Pausânias sobre os persas ainda
Do vinho das eleusínias festas em honra de
Ceres realizadas em Elêusis Grécia travei no
Eleuterantéreo estames quando as antenas
São livres não destravei nem com eletuário
Medicamento composto de pós extratos folhas de
Vegetais de mistura com mel ou açúcar
Continuei travado no cosmético na eletrotécnica estudo das
Aplicações técnicas da eletricidade tal a eletropuntura
Tratamento médico que consiste em fazer
Passar corrente elétrica nos tecidos por meio
De agulhas em contato com eles em alguns
Casos implantados nos tecidos só destravei
Então com o eletropositivo com o elemento
Ou o radical que na eletrólise se dirige
Ao catódio os metais o hidrogênio etc tal

e. e. cummings, Carrego o seu coração comigo; BH, 0200102012.

Carrego seu coração comigo
Eu o carrego no meu coração
Nunca estou sem ele
Onde eu for, você vai, minha querida
Não temo o destino

Você é meu destino, meu doce
Não quero o mundo pois, beleza
Você é meu mundo, minha verdade
Eis o segredo que ninguem sabe
Aqui está a raiz da raiz


O broto do broto
E o céu do céu
De uma árvore chamada vida
Que cresce mais do que a alma pode esperar
Ou a mente pode esconder


E esse é o prodígio
Que mantém as estrelas à distância
Carrego seu coração comigo
Eu o carrego no meu coração

e. e. cummings, Eu gosto; BH, 0200102012.

Eu gosto do seu corpo
Eu gosto do que ele faz

Eu gosto de como ele faz
Eu gosto de sentir as formas do seu corpo

Dos seus ossos
E de sentir o temor firme e doce

De quando lhe beijo
E volto a beijar

E volto a beijar
E volto a beijar

e. e. cummings, Nalgum lugar; BH, 0200102012.

Nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além
De qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio:
No teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
Ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto

Teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
Embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar
Me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(Tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa

Ou se quiseres me ver fechado, eu e
Minha vida nos fecharemos belamente, de repente,
Assim como o coração desta flor imagina
A neve cuidadosamente descendo em toda a parte;

Nada que eu possa perceber neste universo iguala
O poder de tua imensa fragilidade: cuja textura
Compele-me com a cor de seus continentes,
Restituindo a morte e o sempre cada vez que respira

(Não sei dizer o que há em ti que fecha
E abre; só uma parte de mim compreende que a
Voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
Ninguém, nem mesmo a chuva,tem mãos tão pequenas

Nara e Elis: duas vozes, o mesmo país!; BH, 0200102012.



Elis Regina desafiava as notas altas com talento e foi uma estrela de máxima grandeza. Nara teve uma carreira ilimitada apesar da voz limitada nos agudos e graves. Embora nunca tenham sido amigas – e os motivos para o fato são discutíveis – quis a história, essa tirana, que as duas compartilhassem uma data em comum, 19 de janeiro, aniversário de Nara, morte de Elis em 1982. Nara faria 70 nesta quinta!

Por Christiane Marcondes


“Um dia ou a gente se enquadra ou pega estrada”, preconizou o escritor e beatnik Jack Kerouac, referindo-se a uma decisão que vem com a idade. Elis Regina e Nara Leão pegaram estrada aos 11 e jamais se enquadraram. Nara, porque ganhou um violão que enfiou embaixo do braço e saiu por aí. Elis porque na mesma idade começou a cantar em programa de rádio para crianças, O Clubi do Guri. A primeira nasceu no Espírito Santo, em 1942, cresceu em Copacabana quartel-general da bossa nova, a segunda nasceu em 1945 no Rio Grande do Sul, cresceu no Brasil da MPB. 

Nara e a bossa nova se confundem. Ela foi considerada a “musa” do movimento e arregimentou os “narólogos”. Ou os apaixonados por seus joelhos que, comportadamente, ficavam à mostra enquanto a moça tocava violão no banquinho. 

No programa Ensaio, da TV Cultura, Nara recorda que Insensatez foi uma das primeiras músicas populares no grupo de bossa nova, ainda amador na época. Elis Regina também gravou a música de Tom Jobim, mais de dez anos depois.


Insensatez – Nara Leão




How insensitive – Elis Regina – em um show na Itália em 1972












Tom Jobim


Corcovado foi outra bossa do Tom que conquistou uma e outra, a suave e a irreverente. O maestro foi parceirão das duas em tempos diferentes, de Nara logo cedo, quando a bossa nova ainda dizia a que vinha e ganhava um contorno conceitual com o “desafinado” de João Gilberto. Foi admiração mútua, tanto que das 24 músicas selecionadas para um disco de Nara em 1971, 19 eram do Tom, uma delas, Corcovado.

Em 1974, Elis Regina convidou o maestro para gravar um LP só de duetos, entrou para a história. Corcovadoestava na lista das músicas, aliás, já estava no repertório de Elis desde 1972, quando foi muito bem apresentada em um show na Itália.


Nara Leão - Corcovado













No vídeo a seguir, antes do Corcovado se descortinar na música, é a “pimentinha” que se abre em monólogo, confessando-se “mais desvairada” do que nunca.



A banda passou


Na década dos grandes festivais de música, 1960, as duas e todos os grandes nomes da música brasileira se cruzavam nos bastidores da TV Record, palco do evento. Num desses esbarrões, Elis Regina conheceu Chico Buarque, mas acabou desistindo de gravá-lo devido à impaciência com a timidez do compositor, confessou.

Já Nara e Chico entraram em sintonia justamente por causa da timidez, bom, a história dos dois é conhecida e longa, começa quando a musa da bossa nova o lançou. Em 1966, apresentaram A Banda, de Chico, na 2a edição do festival da TV Record. 


Na verdade, Nara iria cantar sozinha, mas quando Manoel Carlos, o dramaturgo e amigo da dupla, ouviu o arranjo instrumental, deu a dica para Chico cantar. A voz de Nara seria abafada pelos instrumentos. Deu certo! Chico começa, Nara arrebenta.



A voz maior e a letra mais linda

Em 1968, na 3ª edição do festival, Elis ganhou prêmio de melhor intérprete, e subiu ao palco pouco antes de Nara Leão, que ganhou pela melhor letra, de Sidney Miller.


Bôscoli e o barquinho

Ronaldo Bôscoli, o primeiro amor de Nara, ela tinha cerca de 16 anos, dedicou-lhe a canção Lobo bobo e Se é tarde me perdoa, quase se casaram, não fosse a impetuosidade de Maysa, que embalouo moço  pra presente e anunciou à mídia um casamento que nunca houve. 

Nara e Bôscoli estavam comprometidos quando os jornais deram a manchete. A cantora não se fez de rogada, ignorou explicações do noivo e foi à luta. De Bôscoli, ficou para o grande público fã de Nara, a gravação de O barquinho, reprodução poética de uma cena real de quando os dois namoravam e quase naufragaram, com Menescal no mesmo barco, o autor da melodia.






Elis, outra coincidência entre as duas, também amou Bôscoli -- muito a contragosto, porque tinha uma antipatia pessoal pelo músico antes de conhecê-lo -- e com ele se casou em 1967, tiveram um filho, João Marcelo. Em 1971, apresentou sua versão de O barquinho na Itália. O casamento naufragava como na cena em que a canção foi originariamente concebida.

O barquinho – Elis - 1972 – Itália



Anos de chumbo


Em 1964, Nara Leão já havia deixado "a moça, o sorriso e a flor" de lado, por influência de Carlos Lyra, que era da esquerda e da UNE. Protagonizou o show “Opinião”,  com direção de Augusto Boal. No repertório, a música do morro “tem vez”, com Zé Keti e João do Vale assinando as composições. Foi considerado subversivo.

Opinião 


Não bastasse, Nara deu uma entrevista contundente, repudiando a ditadura. Depois teve medo, desabafou com Ferreira Goulart, repórter e amigo. Não precisou fugir, o poeta Carlos Drummond de Andrade veio espontaneamente em sua ajuda e escreveu um poema que terminava com um refrão “não prendam Nara Leão”. Era o pedido público de um ícone da literatura nacional a um bambambã entre os militares. Deu certo!

Da Bahia sob medida


No show Opinião, Nara também cantava Carcará, um dos pontos altos:



Quando Nara perdeu a voz em meio ao show e foi proibida pelo médico particular de cantar, a musa indicou uma estreante desconhecida para seu lugar, uma baiana que conhecera em suas andanças pelo Brasil: Maria Bethânia. Com apenas 17 anos, Dona Canô só autorizou a ida da filha ao Rio acompanhada do irmão, Caetano Veloso.

No final da música, Bethânia emenda a letra com um texto sobre a migração do povo nordestino para os grandes centros urbanos brasileiros. Platéia abaixo!






O Brasil que sonha


No auge da ditadura, Nara exilou-se em Paris com o marido, o cineasta Cacá Diegues. Elis ficou! Em 1979, entrou em nova turnê de shows e apresentou “O bêbado e a equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc. Verdadeiro hino da anistia.

E aqui as duas mudaram de papel: Nara já havia sido dura ao dar a sua "opinião" em 1964, Elis foi a um tempo doce e pungente, cantou a volta do sonho e de "tanta gente que partiu num rabo de foguete".




Xeque-mate

Os militares se foram, as duas lutadoras continuaram. Elis Regina morreu de overdose, aos 36 anos, Nara, de morte anunciada, aos 47. Mas as duas brigaram muito pela vida. Nara se foi depois de dez anos enfrentando um câncer na cabeça, em 1989, sete anos depois da pimentinha.

No infinito, onde as duas ainda brilham para quem acredita, talvez tenham finalmente feito as pazes, afinal, ninguém sabe, nem elas, qual foi a briga. 

Elis fez uma autocrítica em uma entrevista que talvez explique a distância entre ambas: "Eu sou esquentada. Tem gente que é calma, a Nara Leão, por exemplo, é uma pessoa que tem uma paciência histórica, sentou, esperou tudo acomodar e fez um disco certo. Aliás, ela sempre faz as coisas certas nas horas corretas e para as pessoas exatas. Eu sou guerreira e pego a metralhadora para sair atrás de quem me enche o saco".

E Elis, digam o que disserem seus críticos, metralhou as querelas do Brasil e cantou a romaria dos que nem sabem rezar, mas precisam de luz na mina escura e funda da vida. 



 


 




 




(http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=173569&id_secao=11)