sexta-feira, 28 de outubro de 2022

poema põe abaixo o sistema capitalista burguês

poema põe abaixo o sistema capitalista burguês
da elite neoliberal fascista racista nazista
poema põe abaixo o tema do preconceito
e o lema da xenofobia separatista radical
e o dilema do proletário contra o operário
e resgata o povo trabalhador do mundo
e reergue a liberdade ampla geral irrestrita
e destrua a opressão do opressor
e explorador contra o explorado
e o oprimido pois só espero que me faças esse
favor poema
e põe abaixo a plutocracia
e a cleptocracia
e todos os inimigos da democracia
e vai lá meu poema rebelde
e faças uma revolução
e mostra as tuas armas
e o teu sangue fervido em veias nobres de
nobres guerreiros
e libertadores de oprimidos
e luta contra todas as forças imperialistas
e luta contra todos os exércitos escravos
escravocratas
e luta desesperadamente contra corações
e mentes reacionárias
e contra o conservacionismo
e negacionismo
e os anti trabalhismo
e anti trabalhistas
e anti trabalhadores
e vai lá meu poema  destruir o sistema
apocalíptico
e suas religiões que não libertam
e seus clérigos
e sacerdotes
e missionários sanguinários
e que escravizam os escravizados
e que violentam as mulheres 
sso poema é o grito de glória
abaixo o sistema inglório

BH, 0160202023; Publicado: BH, 02801002022.

e igual a sonâmbulo funâmbulo sorumbático

e igual a sonâmbulo funâmbulo sorumbático
meditabundo pai anda pela casa
e fico a acompanhar a olhar de soslaio pelos
cantos dos olhos o velho a menear a cabeça
de burro velho
e a arrastar as patagônias para 
e para cá num vai
e vem que não vai a lugar nenhum nem a um
lugar comum
e presumo que seja falta de álcool pois sei que
não bebe a uns quatro dias
e quando não bebe fica assim enjaulado leão
sem território preso desterrado macambúzio a
se jogar tal poeira de lixo sem mais nenhuma
expectativa
e às vezes até temo pelo resto de vida desse
resto de reles mortal mas é o pai
e tento acompanhar para não deixar fazer
besteira mais do que já fez
e faz quando chega da rua afogado no álcool
e caído da bicicleta velha
e ralado no asfalto
e agora vive com um ombro deslocado que dói
o dia inteiro
e não tem mais plano de saúde
e a esperar pelo sus que não responde antes de
seis meses a um ano aos pedidos de consultas
e foi à cozinha e colocou mais água no cozido
e já viu o velho na cozinha é uma negação
e detesto a comida feita mas tenho que comer
para não morrer de fome
e é assim a vida
e morte de quem já foi homem

BH, 040502022; Publicado: BH, 02801002022. 

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

pai veio aqui à minha cama

pai veio aqui à minha cama
e me fez um carinho
e me deu um beijo no rosto
e falou comigo se estava a dormir
e me cobriu com um lençol pois estava frio
e até gosto que pai me faça umas
camardagens mas não demonstro
pois penso que pai seja um monstro
e o pior ser que existe na terra
e fico a pensar se haja outro ser
pior do que pai mas quando
ouço o pessoal daqui de casa falar
do bolsonaro me vem à conclusão
que o bolsonaro é pior então pelo
menos para mim o bolsonaro é ruim
cortou o meu benefício o que
fez com que mãe com mais de setenta
quisesse procurar emprego de empregada
em casa de família
e só não achou pois a situação por lá também
estava ruim
e ouço falar por aqui que o bolsonaro
é torturador
e que é genocida
e negacionista
e fala que é cristão
faz apologia ao armamentismo
e apoia invasão em terras indígenas
e compara negros aos animais quando fala que
pesam arrobas
e que é racista
misógino
e nem tem sensibilidades com veados
e mãe uma vez falou que se o bolsonaro não
cortasse o meu benefício que o pt ia cortar
e não acredito
ainda mais o pt que teve dois dirigentes
sensibilizados com nós o populacho que
foram o lula
e a dilma
e o que me parece é que isso é a mania que
o povo tem de querer menosprezar o pt
por causa das campanhas das tvs lideradas
pela globo
e ainda bem que não temos televisão
e aqui em casa essas tvs golpistas não apitam

BH, 0160602022; Publicado: BH, 02701002022.

terça-feira, 25 de outubro de 2022

carnaval nenhum samba enredo no varal

carnaval nenhum samba enredo no varal
teimo em dizer carnaval silêncio sepulcral
só alguns granidos dalgum louco por aí
só algum limpar de garganta de alguém na
garagem assoar de nariz no assoalho
espirro incontido
deserto mental continua igual dia de natal
nenhuma mulher rainha princesa nua a desfilar
em frente dalguma bateria frenética como
antigamente
e nem ronco de cuíca
nem batida de surdo
nem repinico de reco-reco
nem cadência de tamborim
ou choro de cavaquinho
nada no saara em pleno domingo de carnaval
sumiram passistas
mulatas
malandros
pandeiros
nádegas rebolativas
ao ritmo alucinante do samba
e mestres-salas
porta-bandeiras
sumiu todo mundo do mundo da fantasia
dos desfiles
das passarelas
dos salões
das apoteoses
só um velho poeta
num velho encardido sofá vermelho
a rabiscar à posteridade
a traçar sinuosas linhas à imortalidade
a gerar garranchos à eternidade
já meio surdo
completamente sujo
já meio cego
desgraçadamente mudo
seco até de baba
saliva quiçá sexo 
já que como sempre em todo carnaval
o senil nunca tem algum para beber algumas
a não ser quando aparece alguma ajuda dalgum
abastado que deixa de esmola alguns tostões
ou trocados que sobram
e o velho serelepe corre ao primeiro bar
da primeira esquina próxima do lar
e afoga as mágoas com as lágrimas das
meninas
são lágrimas ardentes
cristalinas
novamente a vida retorna ao torno
o ancião ressuscita o ralo sangue a destilar nas
veias colombinas
e de longe se ausculta as batidas
descompassadas do devasso coração

BH, 0270202022; Publicado: BH, 02501002022.

domingo, 23 de outubro de 2022

a flor comemorou a metáfora morta em cima da mesa

a flor comemorou a metáfora morta em cima da mesa
e no esquife o vento a embaralhar as vestes
e as  chamas que davam uma nova vida à
metáfora dentro do ataúde
e as carpideiras faziam louvações nostálgicas à
vida pregressa da metáfora que nem pedigree tinha
e a boca aberta da sepultura já espera ansiosa
na campa do campo do canto da sala os restos
mortais da metáfora a serem digeridos num sepulcro
e sem uma lápide
e sem um epitáfio
e só um aqui jaz uma metáfora sem nome
e sem sobrenome
e que nem saudades deixou
e nem levou
e o cemitério fechou
e o enterro foi encerrado
e nem no dia dos finados a defunta foi lembrada
ou homenageada
e não fez aniversário de nascimento
e não fez aniversário de morte era uma
metáfora carregada de azar
e sem sorte
que deixou só dívidas
e má fama pois era um mau elemento para as
más companhias
e foi na literatura da vida a metáfora mais
ordinária
irrisória possível
e simplória
e piegas
superficial
e imoral
e fará um estrago danado derradeiro no mundo sobrenatural

BH,01602002020;Publicado:BH,02301002022.

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

todo homem tem que nascer de novo

todo homem tem que nascer de novo
e me parece uma bobagem mas todo homem
tem que nascer de novo
e há homens que nascem várias vezes
e de dia
e de noite
e da morte
e da vida
e cada nascida dessa deve ser um aprendizado
ou uma experiência
ou uma história
e quem nasce de novo
e não aprende
e não tem uma história precisa morrer de novo
quantas vezes forem possíveis
e necessárias para nascer novo de novo
e imagina um homem que bem
ou mal não tem uma mulher que é mãe dum filho
ou duma filha desse homem que tem que 
nascer de novo
e esse então não tem saída
e tem que morrer outras várias vezes mais
e de todas as mortes até aprender a amar a mulher
e o filho
e a filha
e ao próximo
e não a ficar com intrigas
e com conflitos
e futricas
e fuxicos
e bem-aventurado o homem que morre
e no dia seguinte renasce melhor
e mais homem
e mais adulto
e mais perfeito
e a conviver
e a ensinar
e a aprender o caminho da felicidade
e para uma vida melhor
e na convivência de comportamento

BH, 0150202020; Publicado: BH, 02001002022.

terça-feira, 18 de outubro de 2022

fala alguma coisa aí alguém pois o silêncio

fala alguma coisa aí alguém pois o silêncio
faz tudo parecer surdo
e cego
e mudo
mova algo na paisagem pois a paragem
dá a impressão que a natureza morreu
e o tempo parou nos telhados
e nas janelas fechadas
e nas portas trancadas
e nos portões de taramelas
e cadeados enferrujados
e ferrolhos emperrados
nenhuma música se ouve ao longe
ou um zumbido mesmo de zumbi
ou um zunido no ouvido
ou o toque dum instrumento
ou o sopro dum vento
e cadê as coisas que estavam aqui?
e cadê as vozes
e os sorrisos
e as gargalhadas?
e cadê os sussurros
e os soluços
e os espirros?
nem o choro duma criança para a gente ficar
com pena
ou um canto
ou uma cantiga
ou uma canção de ninar
e o que que aconteceu com o quê? ninguém
sabe de ninguém
ou de nada
e as pessoas se fazem de dissimuladas
e se evitam umas às outras
e os pássaros pararam de voar
é só uma fumaça que irrita o dia
que se levanta lentamente num quintal distante e sérios os mentais não pensam em nada
e só ruminam em benefício do ódio o que acaba
de estragar o que já estava ruim
e é péssimo o estado de paciência apesar da
aparência do paciente
calma mas é uma assombração dalgum
fantasma escondido num salgueiro
ou sabugueiro que sonda pelos recantos
sombrios de entulhos
e penumbras de chorumes dos seres
que agora se cosem nas sombras
e o chumbo tenebroso cingiu o horizonte
e o outrora céu azul de firmamento de mar
celestial se cobriu de nuvens cinzentas que
prenunciam as tormentas termófilas

BH, 0300402019; Publicado: BH, 01801002022.

e agora arranjei uma nova confusão

e agora arranjei uma nova confusão
com um cachorro vira-latas que tem aqui em
casa de nome dobby é que não posso dar de
cara com o danado que já quero chutá-lo
são coisas que acontecem comigo que
ninguém precisa se interessar mas é um dos
meus passatempos além da contundência com pai
e agora os chutes no cão adotado
e o bicho gane de dor
e mãe fica brava
e pai faz menção de reclamar mas só olho
e se colocam nos seus devidos lugares
e não se metem comigo pois já disse que não
sei donde que viemos mas não nascemos uns
para os outros principalmente pai comigo
e nem somos amigos
e pai sabe disso
e me deixa o mais isolado possível
e mãe é a mesma coisa
e fico longe de todos
e quem já me conhece sabe que sou assim
e nasci assim
e serei assim até o último dia de vida pois é
uma tal duma síndrome que tenho
e deixa para lá que também não sei nada a
respeito não
e nem pai sabe
e quem é mais aprofundada no assunto é mãe
e é quem segura a barra toda aqui em casa
é que pai vive no mundo da lua
e a escrever bobagens pelos cantos numas
caligrafias de garranchos que ninguém entende nada
e nem quererá entender
e quando não está a coçar as ziquiziras do saco
e do rabo está então a escrever pois é um velho
arruinado

BH, 0240502019; Publicado: BH, 01801002022.

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

hoje está um dia lindo todo azul iluminado

hoje está um dia lindo todo azul iluminado
e um dia propício para músicas falas alegrias
gritos sorrisos pessoas mas não nem um latido
de cachorro
ou um ganido de cão
e é um silêncio que me aborrece
e às vezes prefiro ouvir uma música não sei
explicar
e ouvir um ruído qualquer um passo na calçada
para ter a noção da morte
e vida
e as coisas escafederam-se
e os insetos sumiram
e só o abandono dos meus sussurros
e balanços
e murmúrios
e um pouco de paz reina em meu coração
e pai está na cozinha
e mãe foi comprar verduras
e pai quis sair para beber
e mãe não deixou
e está sentado à mesa da cozinha a escrever
idiotices que ninguém ler
e acho pai um idiota medíocre
e imbecil que pensa que deveria se candidatar
também à presidência da república se esse tal
de bolsonaro ganhou só a falar imundícies pai
ganha de goleada
e também não sabe nada
e nunca serviu para nada
igual ao inominável genicida
e levantei-me do chão agora
e fui à cozinha
e nem me percebeu
e deveria ter aproveitado a oportunidade
e lhe dado um tranco
e estava tão absorto a escrever que voltei para a
minha ausência sem perceber a minha presença
e quando levantou a cabeça já fugia pela
tangente
e o menino da vizinha brinca com um carrinho
que enche o saco
e já tive um carrinho desse onde entrava
e pedalava
e dirigia mas que enchia tanto o saco
sinceramente não sabia

BH, 0240502019; Publicado: BH, 01701002022.

nada mais tinha para falar por necessidade

nada mais tinha para falar por necessidade
e já havia dito tudo desde os primórdios
quando comia-se carne de tiranossauro-rex
ou de quando tinha-se de capturar um tigre
dente-de-sabre para tirar-lhe o dente
e fazer uma arma mortal que desse para matar
brontossauro
e vieram os meteoros
sobreviveu
e vieram os vulcões
e sobreviveu
e vieram os dilúvios
e sobreviveu
e vieram todas as desgraças
e pragas
e pestes
epidemias
e sobreviveu
e contava as histórias dos tempos
e repetia as tempestades
e os furacões
e os ciclones
e contava as histórias dos ciclopes
e todos já conheciam os finais das histórias
e das pré-histórias
das pós-histórias
e nada mais havia para falar
e todos quedavam-se suspensos a qualquer
gesto
ou a qualquer jeito
ou a um movimento
ou oscilação
e a rocha não fendia-se mais
e o mar não se abriu
e o esqueleto não se reencarnou
e a caveira deixou de sorrir o seu riso macabro
descumpriu a ordem
e olhou para atrás
e viu a estátua de sal no justo momento no qual 
um fogo estranho a transformou num minério
desconhecido desses que caem doutros
universos
e são expostos em museus pois não sabemos
decifrar a composição pois devem ser
dalgumas galáxias que se fundiram
e expeliram fragmentos que chegaram até nós
e enfim falou por necessidade
e se calou no fim

BH, 0220502019; Publicado: BH, 01701002022.

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

bem-vindo menino malino sexagenário sexto

bem-vindo menino malino sexagenário sexto
sexi nas asperezas da vida
de volta às tuas letras indefectíveis
às tuas palavras fenecidas
a cometer diabruras maiasartes
e fênix moleque com tuas molecagens a dar
dores de cabeça por tuas vis vadiagens
e a se safar aqui
e ali a quebrar a cara na maioria das vezes a te embriagar como no tempo da vovó a tomar goró
e agora ralado no asfalto quente
e fritado na tarde domingueira a despertar ajudas das pessoas
e solidariedade dos frequentadores de botecos
e com promessas de ser a última vez a beber
e sem pressa deixa esvair a promessa
e num salto
lá está o velho serelepe a decorar o bar com
um copo na mão
e uma garrafa no altar do balcão
e quem passa para
e não entende nada
e não era o que estava crucificado ali 
na calçada?
esse aí não tem mais jeito não
é o mais inveterado beberrão de todos
e parece um joão teimoso
e cai
e levanta
e cai
e vai lá
e bebe mais
e só deus na causa com esse rapaz

BH, 0150202020; Publicado: BH, 01401002022.

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

é assim mesmo que se faz

é assim mesmo que se faz
e se não for assim mesmo que se faz
passa a ser assim mesmo que se faz
e quem foi que ditou essa regra não sei
e nem quero saber
e só sei que é assim mesmo que se faz
desde antepassados antecedentes ancestrais
a ficar para os descendentes
é assim mesmo que se faz
foi o que disse uma alma perdida numa
encruzilhada à procura dum osso sacro
que virou patuá
e danou-se a falar sozinha que
é assim mesmo que se faz
e a coisa pegou
e ninguém nunca mais fez diferente
e todo mundo agora faz igual
e é assim mesmo que se faz
e deus completa o resto
ou manda um santo
ou manda um anjo
e geralmente não é o anjo que se espera
mas é o anjo que deus mandou
e ninguém pode falar nada pois
é assim mesmo que se faz desde
os tempos atrás quando tudo isso
ainda era um cais
e atracava-se naus caravelas embarcações
e até navios fenícios
ou de faraós egípcios mas
é assim mesmo que se faz
e nada mais
e não se muda nunca mais
e até um mudo sabe que
é assim mesmo que se faz

BH, 0100802022; Publicado: BH, 01201002022.

aqui da janela do barracão da favela

aqui da janela do barracão da favela
vejo o céu a dominar a barrela dos becos
das vielas
e o aglomerado
e o gueto são o oco do mundo
e a terra da viagem sem volta
e o lugar onde judas perdeu as botas
e o vento faz a curva
e não aguento mais ver tanto tormento
e dum lado o assaltante
e traficante
e um fuzil a me oferecer
e doutro a polícia a me endereçar a sua bala
perdida com endereço ao meu coração
ou sempre à cabeça dalguma incerta criança
ou adulto não importa a resposta
ou a explicação para a estatística pobre preto favelado não tem expectativa duma perspectiva
e não pode sair além da janela do barracão da
favela a não ser quando pega carona num
camburão
ou num rabecão na banguela
e mesmo com o horizonte à frente o fim da
viagem é o instituto médico legal para falsas
autopsia 
causas mortis
e atestado de óbito do indigente
e depois é vala rasa recente
e tudo muito rápido que atrás vem "gente" ops
gente não meliante pois quem mora na
favela é bandido
e assaltante diz a autoridade boquirrota
e ignorante que sabe que tudo vai continuar
como dantes no quartel de abrantes pois o
próprio povo não tem interesse de levar a
cidadania
dignidade
e a soberania adiante
e prefere ficar à janela do barracão da favela
boneco falante manipulado por ventríloquo
ambulante

BH, 0260602022; Publicado: BH, 01201002022.

terça-feira, 11 de outubro de 2022

se valesse a pena chegar até aqui

se valesse chegar até aqui
mahatma gandhi
e não uma alma tão penosa
poderia até me alegrar que vivi
que fui lúcido
e consciente mas ser rastejante
e vacilante duvidoso
e arrogante
e nunca humilde
e orgulhoso
e ambicioso
a carregar todos os pecados capitais para rir
e sem pedir perdão
nunca a perdoar
ou a fazer o bem
ou a ser bom em algo o mais simples
e simplório
e patético
e insignificante que fosse o ato
mas só em desacato
e em completa apologia ao mal
os sessenta e sete
seriam mais do que suficientes
e nem almejaria um ano  a mais
ou um ano a menos
tolos diriam que soube viver
e que soube aproveitar a vida
e que soube dar
e receber prazer mas qual o quê?
um tempo infrutífero
e vazio um tempo de estio
e sem ideias
e sem ideais
e um tempo infértil
e estéril sessenta e sete é até uma carga
de privilégio para quem não
merecia viver um único dia
e quanto mais tantos anos
mas deus é tão grandioso que legou logo
sessenta e sete anos de vida a um
pária a um parasita a uma sanguessuga
a um dependente físico mental
químico orgânico inorgânico
vegetativo em todos os estados da matéria

BH, 0100102022; Publicado: BH, 01101002022.

quando o pesadelo acabar

quando o pesadelo acabar
e a hora do pânico findar
e por fim vencer a depressão
e o peso na consciência
e o sentimento de culpa
e como um dom que caiu do céu
não sentir mais como se tivesse pecado
e livre
e leve por se sentir perdoado
e curado
e sarado
e a destilar adrenalina
e a liberar testosterona
e a agitar a libido
e a acelerar a vida com a ansiedade de vivo
e de recuperar o tempo perdido
e que maravilha
e que sossego no ser
e que evolução da espécie em civilização
e que progresso em nome da ciência
e da paciência
e é tão fácil ser feliz
e fazer alguém feliz
e os fatos nos levam a complicar
e os boatos nos perseguem
e acreditamos em loas
e em atoas
e partirmos para as nossas ignorâncias
em qualquer desentendimento
e lá se vai a calma por ladeira abaixo
e lá se vai a serenidade
e só passam a reinar a ruindade
e a maldade
e não nos reconhecemos mais uns aos outros
e nos canibalizamos
e nos autofagiamos
e nos destruímos das mais mórbidas maneiras
ao aflorar os nossos mais bizarros desejos
e instintos malignos
e adeus felicidade
e adeus irmandade
e adeus harmonia
adeus infelicidade o pesadelo não acabou

BH, 0140102022; Publicado: BH, 01101002022.

dispersei espesso mas não gostei de ser grosso

dispersei espesso mas não gostei de ser grosso
e gostei do gosto do caule de pólen
e do favo de mel
e do cálice de néctar
e beija-flor
abelha vou a voar de flor em flor
e de pétala em pétala sem desfolhar nem as
asas bato para não espantar as joaninhas os
besouros
e a esvoaçar meio borboleta quando bebo umas
e outras
e babo beiços
e lábios sem rumo mas deus ao bêbado dá tema
e dá lema
e prumo
e ao barco sem vela na madrugada dá leme
remo
e na bonança não perco a bóia da esperança
e de cais em cais
e ancoradouro em ancoradouro
deixo um verso de ouro
uma âncora de prata numa angra de baía de
marina
e pesco poemas coloridos
e jogo a rede
e vem cheia de poesias escritas nas paredes
das ondas dos oceanos
e nos tubos
cristas de montanhas que se desfazem nas
areias das praias dos mares mas ficam
eternizadas nas retinas
e escoadas nos labirintos dos ouvidos
e nas linhas dos horizontes das folhas que
descem dos montes como se fossem ovelhas
e carneiros que voltam ao aprisco para passar a noite
ao alvorecer retornam quando é manhã nos
verdes campos
e às águas refrigeradas
tranquilas escolhidas pelo bom pastor que
livra dos espinhos mais afiados
e dos espinheiros mais traiçoeiros
e armadilhas
arapucas
e cutelos afiados dos sacerdotes que querem
degolar em sacrifícios os cordeiros
e os carneirinhos distraídos pelas florezinhas

BH, 0210102022; Publicado: BH, 01101002022.

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

mãe sempre mandou ocupar a mente

mãe sempre mandou ocupar a mente
e dizia mente vazia pede folia
ou  arruma algum coisa a fazer
e corpo vadio quando o dono vive na
vadiagem é pior ainda
e a filosofia é mente sã
e corpo são
e não atendi à mãe
e nem à filosofia
e vivo a esperar em vão o dom que mãe
esperava em mim
e um tal dum estalo que um dia sentiria
e nunca senti
e penso que  mãe com mente sonhadora é
assim mesmo a querer filho gênio
e pote de dons
e talha de sabedoria
e poço de sapiência
e vaso de discernimento
e frustrei todas as expectativas de mãe
e pai também
e não me esqueço
as torturas do pai a querer a me ensinar
inglês se nem sei falar nada
nem português
e não aprendi a tal da língua pátria tão
falada
e tão amada
e imortalizada em versos de bilac
na flor do lácio
e o monstro camões então com seu único
olho de polifemo
e ciclope
e não esquecer o caminha
e é muita gente a falar
esse idioma estranho
e me faz até lembrar um tal de pessoa que
ao beber coca-cola pela primeira vez
deslumbrado tal um menino malino
levado pelo vento do destino do fado

BH, 040502022; Publicado: BH, 0701002022.

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

sou coberto de histórias

sou coberto de histórias
e não sou descoberto
continente estuprado
nas grandes navegações
dos inúmeros navios negreiros
e vi irmãos capitães do mato
a arrastar irmãos pelos grilhões
e pelos ferros
e debaixo de chibatas
e de tacões
e vi guerreiros feitos escravos
e reis
e rainhas vendidos como se
fossem farinha
e as minhas histórias doem
e não comovem
e não libertam
e cafuzo confuso
não encontro em confúcio
alento para o tormento
de mestiço
e o horror do calu sarara
e de miscigenado
de nação de mamelucos
com sagas de índios
e de negros
e de ciganos
e de pajés
e de pais de santos
e pretas velhas com encantos
e crianças com quebrantos
e caxumbas
e espinhelas caídas
e cobreiros
e dordóis que rezas
e preces
e orações não dão mais resultados
e as unções
e os pós
e os chás
e as poções
e as pastas
e grudes
e os unguentos 
e os patuás
e os amuketos
não protegem dos colonizadores
e do representante da burguesia
e do opressor da elite
e quebram
e moem os ossos
e sangram o sangue numa
sangria de hemorragia em terra infértil
e escondem a verdade
e sustentam a mentira
com vivacidade no olhar
e os deuses africanos
não saem mais das selvas
a nos ajudar
e perdemos a fé nos nossos ancestrais
e perdemos o axé dos nossos antepassados
e nos retraímos  até nunca mais
e nos escondemos debaixo do 
manto da vergonha que
deveríamos não ter ao lutar
em rebeldia pois somos vítimas
e heróis dessa história mal contada
e vilipendiada
e passamos a vangloriar os
nossos carrascos capatazes
e feitores
e senhores de engenhos
e estamos aqui para recontar a história
e a recompor o sangue
em nossas veias
e estamos aqui
e daqui não sairemos
e terão que nos aturar
e não nos exterminar

BH, 0140102022; Publicado: BH, 0601002022.

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

e aí ai o índio acorda cadê a aldeia

e aí ai o índio acorda cadê a aldeia
indígena que estava aqui?
garimpeiro comeu
e destruiu o rio
e acabou com as florestas junto com os
madeireiros
e abusaram das mulheres
e mataram as crianças
e colocaram fogo nas tabas
e as ocas viraram malocas
e os povos  que eram como originários
exterminados por não serem protegidos
e nem respeitados
e o índio não cantou mais o seu canto
de guerra
e não tem mais arcos
e flechas
e tacapes
e não tem mais guerreiros nos meios das
tribos sem caciques
e sem pajés
e sem anciões
e seus conselhos
e sem cachimbos da paz
e aqui jaz o índio brasileiro
e o índio da américa do sul
e o índio da américa do norte
e o índio de todas as américas
e seus ancestrais
e seus antepassados
e seus antecedentes
e com seus costumes dizimados
e seus descendentes exterminados
e se acabou a saga que ninguém vai mais
contar
ou estudar
e se acabou um era uma vez um timbira
ou um yanomami
ou um tupinambá
ou um tchucarramãe
ou um guarani
ou um qualquer outro índio dalgum outro
lugar comum
e como a escravidão séculos
se seguirão até chegar à realidade do que
foi feito com os nossos irmãos
e o que foi feito?
e não haverá mais como se reparar
os danos causados
e os maus
e os males
e as maldades que o dito homem branco
deixou de legado

BH, 050502022; Publicado: BH, 0501002022.

viva mente é infinita mente

viva mente é infinita mente
morta mente é eterna mente viva
e o que a mente imortalizou
com o tempo finito nem o tempo
infinito exterminará
e o que a mente eternizou
é a obra concreta do ato perpétuo
numa sombra
ou numa penumbra
ou numa silhueta
ou numa fumaça
ou num simulacro
ou num trovão
ou num raio
ou numa corda
ou numa tangente
ou numa secante
ou numa origem
ou num diâmetro
ou num centro gravitacional
ou magnético
ou numa órbita
ou num círculo vicioso
ou numa circunferência
universal composta por todos os
universos conhecidos
ou desconhecidos
ou escuros
ou visíveis
ou invisíveis
ou materiais
ou imateriais
e no mais a mente 
é real surreal cúbica fase azul
concisa metafísica a mente é o
que a mente é no pensamento
e no segmento da reta
e no andamento andante do viajante
ou do vialmoce
e falante peripatético gesticulante
planetário galáctico
plenipotenciário potente
serventuário semente sêmen
espermatozoide esperto que não
morre afogado no vaso sanitário
duma mente demente dum demente
a esperar a eutanásia num corredor
de hospício de confinamento
consentida pelo pai
e pela mãe
e pelos irmãos que se pensam sãos 
mas são vãos de mentes não vivas

BH, 05050202022; Publicado: BH, 0501002022.