Em alguns homens, a marcha do pensamento inteiro é
Rigorosa e inflexivelmente audaciosa, chegando mesmo, em certo
Casos, a ser até consigo mesma, mas nos detalhes esses
Homens são doces e maleáveis; dão dez voltas em torno de uma
Coisa com uma hesitação benevolente, mas acabam por continuar
Seu rigoroso caminho.
São rios com numerosos meandros e com eremitérios isolados; há
Locais de seus cursos onde as águas jogam de esconde-esconde
Consigo mesmas e se permitem, ao passar, breves idílios com
Ilhotas, com árvores, grutas e cascatas: depois retornam seu curso,
Acariciando os rochedos e abrindo passagem entre rochas mais
Duras.
Literatura e política. COLABORE, PIX: (31)988624141
sábado, 30 de junho de 2012
Manuel Bandeira, Ternura; BH,0300602012.
Enquanto nesta atroz demora,
Que me tortura, que me abrasa,
Espero a cobiçada hora
Em que irei ver-te à tua casa;
Por enganar o meu desejo
De inteira e descuidada posse,
Ai de nós! que não antevejo
Uma só vez ao menor fosse;
Sentindo em minha carne langue
Toda a volúpia do teu sonho,
Toda a ternura do teu sangue,
Minh'alma nestes versos ponho;
Por que os escondas do teu seio
No doce e pequeno vale,
- Por que os envolve o teu enleio,
Por que o teu hálito os embale;
E o meu desejo, que assim foge
Ao pé de ti e te acarinha,
Possa sentir que és minha hoje,
E és para todo o sempre minha...
Que me tortura, que me abrasa,
Espero a cobiçada hora
Em que irei ver-te à tua casa;
Por enganar o meu desejo
De inteira e descuidada posse,
Ai de nós! que não antevejo
Uma só vez ao menor fosse;
Sentindo em minha carne langue
Toda a volúpia do teu sonho,
Toda a ternura do teu sangue,
Minh'alma nestes versos ponho;
Por que os escondas do teu seio
No doce e pequeno vale,
- Por que os envolve o teu enleio,
Por que o teu hálito os embale;
E o meu desejo, que assim foge
Ao pé de ti e te acarinha,
Possa sentir que és minha hoje,
E és para todo o sempre minha...
Tito Júlio Fedro, O Falso Médico; BH, 0300602012.
Um péssimo sapateiro, atolado na miséria, passou a exercer a
Medicina numa região desconhecida.
Ali, vendia um antídoto sob falso rótulo.
(Assim) adquiriu boa fama com (suas) trapaças de verbosidade
Como, ali, estivesse acamado, em decorrência de grave enfermidade,
O rei da cidade, (este a fim de testar a competência do médico) pediu uma taça.
A seguir, derramou (nela) água, simulando misturar veneno ao antídoto,
Ordena (ao médico) (que) bebesse sob a promessa de recompensa.
Então, (o médico), temendo a morte, confessou que se tornara célebre não por
Alguma sabedoria da arte médica e, sim, graças à ignorância do povo.
O rei convocou o povo para uma assembléia e disse:
"(Vede) a enormidade de vossa loucura, já que não hesitais em confiar vossas
Cabeças (vidas) a quem sequer alguém entregaria os pés para serem calçados!"
Eu (Fedro) diria, com segurança, que isto se aplica à queles dos quais a
Astúcia é fonte de dinheiro, mas o preço dos imprudentes.
Medicina numa região desconhecida.
Ali, vendia um antídoto sob falso rótulo.
(Assim) adquiriu boa fama com (suas) trapaças de verbosidade
Como, ali, estivesse acamado, em decorrência de grave enfermidade,
O rei da cidade, (este a fim de testar a competência do médico) pediu uma taça.
A seguir, derramou (nela) água, simulando misturar veneno ao antídoto,
Ordena (ao médico) (que) bebesse sob a promessa de recompensa.
Então, (o médico), temendo a morte, confessou que se tornara célebre não por
Alguma sabedoria da arte médica e, sim, graças à ignorância do povo.
O rei convocou o povo para uma assembléia e disse:
"(Vede) a enormidade de vossa loucura, já que não hesitais em confiar vossas
Cabeças (vidas) a quem sequer alguém entregaria os pés para serem calçados!"
Eu (Fedro) diria, com segurança, que isto se aplica à queles dos quais a
Astúcia é fonte de dinheiro, mas o preço dos imprudentes.
Llewellyn Medina, Vende-se; BH, 0300602012.
Vende-se sala e três quartos
Na sala há dois sofás
Uma TV
Aparelho de som
Que toca músicas de Mozart
E um vídeo
Que passa lindas óperas de Verdi.
No primeiro quarto
Dorme (vive) o casal
(Que não quer vender)
Mas a tanto se vê obrigado
Pelo andar da carruagem.
No segundo
É a filha mais velha que esconde seus segredos
Na estante de livros desarrumados
Nas roupas já usadas
E jogadas pelo chão
Na cama que denuncia o constante uso.
No terceiro
A cena se repete
Estante de livros de auto-ajuda
Uns discos de Carlos Gardel
Um soutien jogado ao lado
Um cheiro de humano
E a sensação inarredável de privacidade
O corretor veio primeiro
Com olhos avaros rompeu a privacidade
Olhou com desdém
Matutou enigmaticamente
Diminuiu o preço por causa do soutien.
Depois veio o primeiro pretendente
Aliás, os primeiros
(Um casal)
Pareciam Mestre-sala e Porta-bandeira
Tal a desenvoltura que demonstravam
A casa como se deles fosse
Chegaram a olhar os donos com desprezo
E se deliciavam com a violação
De segredos nunca desvendados.
Mas tudo era como um jogo
Em que sempre há perdedor
E aquela altura
Os que vendiam
Já sabiam que tinham perdido.
Na sala há dois sofás
Uma TV
Aparelho de som
Que toca músicas de Mozart
E um vídeo
Que passa lindas óperas de Verdi.
No primeiro quarto
Dorme (vive) o casal
(Que não quer vender)
Mas a tanto se vê obrigado
Pelo andar da carruagem.
No segundo
É a filha mais velha que esconde seus segredos
Na estante de livros desarrumados
Nas roupas já usadas
E jogadas pelo chão
Na cama que denuncia o constante uso.
No terceiro
A cena se repete
Estante de livros de auto-ajuda
Uns discos de Carlos Gardel
Um soutien jogado ao lado
Um cheiro de humano
E a sensação inarredável de privacidade
O corretor veio primeiro
Com olhos avaros rompeu a privacidade
Olhou com desdém
Matutou enigmaticamente
Diminuiu o preço por causa do soutien.
Depois veio o primeiro pretendente
Aliás, os primeiros
(Um casal)
Pareciam Mestre-sala e Porta-bandeira
Tal a desenvoltura que demonstravam
A casa como se deles fosse
Chegaram a olhar os donos com desprezo
E se deliciavam com a violação
De segredos nunca desvendados.
Mas tudo era como um jogo
Em que sempre há perdedor
E aquela altura
Os que vendiam
Já sabiam que tinham perdido.
Manoel de Barros, O Punhal; BH, 0300602012.
Eu vi uma cigarra atravessada pelo sol
- Como se um punhal atravessasse o corpo.
Um menino foi, chegou perto da cigarra, e disse que
Ela nem gemia.
Verifiquei com os meus olhos que o punhal estava
Atolado no corpo da cigarra
E que ela nem gemia!
Fotografei essa metáfora.
Ao fundo da foto aparece o punhal em brasa.
- Como se um punhal atravessasse o corpo.
Um menino foi, chegou perto da cigarra, e disse que
Ela nem gemia.
Verifiquei com os meus olhos que o punhal estava
Atolado no corpo da cigarra
E que ela nem gemia!
Fotografei essa metáfora.
Ao fundo da foto aparece o punhal em brasa.
sexta-feira, 29 de junho de 2012
Casimiro de Abreu, Borboleta; BH, 0290602012.
Borboleta dos amores,
Como a outra sobre as flores,
Por que és volúvel assim?
Por que deixas, caprichosa,
Por que deixas tu a rosa
E vais beijar o jasmim?
Pois essa alma é tão sedenta
Que um só amor não contenta
E louca quer variar?
Se já tens amores belos,
Pra que vais dar teus desvelos
Aos goivos da beira-mar?
Não sabes que a flor traída
Na débil haste pendida
Em breve murcha será?
Porque és volúvel assim?
Porque deixas caprichosa,
Porque deixas tu a rosa
E vais beijar o jasmim?!
Tu vês a flor da campina,
E bela e terna e divina,
Tu das-lhe o que essa alma tem;
Depois, passado o delírio,
Esqueces o pobre lírio
Em troca duma cecém!
Mas tu não sabes, louquinha,
Que a flor que pobre definha
Merece mais compaixão?
Que a desgraça precisa,
Como do sopro da brisa,
Dos ais do teu coração?
Borboleta dos amores,
Como a outra sobre a flores,
Por que és volúvel assim?
Porque deixas, caprichosa,
Porque deixas tu a rosa
E vais beijar o jasmim?
Se a borboleta dourada
Esquece a rosa encarnada
Em troca duma outra flor;
Ela - a triste, molemente
Pendida sobre a corrente
Falece á míngua d'mor.
Tu também,minha inconsciente,
Tens tido mais dum amante
E nunca amaste a um só!
Eles morrem de saudade,
Mas tu na variedade
Vais vivendo e não tens dó!
Ai! és muito caprichosa!
Sem pena deixas a rosa
E vais beijar outras flores;
Esqueces os que te amam...
Por isso todos te chamam:
- Borboleta dos amores!
Como a outra sobre as flores,
Por que és volúvel assim?
Por que deixas, caprichosa,
Por que deixas tu a rosa
E vais beijar o jasmim?
Pois essa alma é tão sedenta
Que um só amor não contenta
E louca quer variar?
Se já tens amores belos,
Pra que vais dar teus desvelos
Aos goivos da beira-mar?
Não sabes que a flor traída
Na débil haste pendida
Em breve murcha será?
Porque és volúvel assim?
Porque deixas caprichosa,
Porque deixas tu a rosa
E vais beijar o jasmim?!
Tu vês a flor da campina,
E bela e terna e divina,
Tu das-lhe o que essa alma tem;
Depois, passado o delírio,
Esqueces o pobre lírio
Em troca duma cecém!
Mas tu não sabes, louquinha,
Que a flor que pobre definha
Merece mais compaixão?
Que a desgraça precisa,
Como do sopro da brisa,
Dos ais do teu coração?
Borboleta dos amores,
Como a outra sobre a flores,
Por que és volúvel assim?
Porque deixas, caprichosa,
Porque deixas tu a rosa
E vais beijar o jasmim?
Se a borboleta dourada
Esquece a rosa encarnada
Em troca duma outra flor;
Ela - a triste, molemente
Pendida sobre a corrente
Falece á míngua d'mor.
Tu também,minha inconsciente,
Tens tido mais dum amante
E nunca amaste a um só!
Eles morrem de saudade,
Mas tu na variedade
Vais vivendo e não tens dó!
Ai! és muito caprichosa!
Sem pena deixas a rosa
E vais beijar outras flores;
Esqueces os que te amam...
Por isso todos te chamam:
- Borboleta dos amores!
Quando tocar o apito final do jogo; BH, 0170801999; Publicado: BH, 0290602012.
Quando tocar o apito final do jogo
A morte apitar que chegou a nossa hora
Não adianta chorar de jeito nenhum
Quando der o sinal do palpite
Olharmos nos olhos do espelho
Depararmos com o que sobrou de nós
Começaremos a bufar a arrancar os
Cabelos por não reconhecermos no
Mergulho no espelho os nossos
Espectros quando esse pequeno
Instrumento de sopro que produz som
Agudo vibrante retinir será grande
Demais para nós nos ensurdecerá
Nos esmagará com a potência o peso
Do seu som o dispositivo que produz
Semelhante em máquinas caldeiras
Fábrica também romperá tímpanos
Martelos bigornas trompas estribos
Tubos nossas entranhas com o mesmo
Som mortal produzido só a morte faz
Aplacar o ódio a ira abrandar a raiva a
Cólera serenar a procela a bravia
Tormenta que machucam nossas vidas
Só a morte faz mitigar nosso sofrimento
Moderar nossa ansiedade extrema
Suavizar nosso desespero aliviar nossa
Dor nos ensina a ceder a tornar
Plácido nosso semblante a morte é
Aplacável nos faz parecer crianças a
Dormir serenamente nos faz parecer
Pedaços de madeira que alguém
Experiente profissional veio alisar com
Plaina afiada aplainar nossa face dura
Com cuidado aplanar nossos relevos
Para nos fazer parecer com cadáveres
De gente de verdade a morte faz tornar
Plano o nosso destino faz remover as
Nossas dificuldades até que os vermes
Traças cupins lagartas larvas venham
Aplaudir a chegada de nossa carne à terra
Portal Vermelho, Doze Autores: Especial Dia do Orgulho Gay; BH, 0290602012.
Como é possível perceber pelo layout, o Livros abertos é um blog colorido. No dia 28 de junho, Dia do Orgulho Gay, resolvi reunir autores homossexuais e bissexuais como forma de aludir a um tema extremamente urgente: a luta pelo fim da homofobia. A luta pela liberdade de ser — e a literatura é, para mim, a máxima liberdade de ser, de criar, de transformar.
Os poetas e escritores presentes nesta lista são talentosos apesar de terem mantido relacionamentos com pessoas do mesmo sexo? Não. São talentosos e mantiveram relacionamentos com pessoas do mesmo sexo, e nos presentearam com obras magníficas em poesia e em prosa. É importante perceber a quebra de paradigmas que seu comportamento e seu posicionamento (quando houve) representaram em determinadas épocas, o que já significou certa luta em prol da causa gay — alguns com maior impacto, outros, mais discretos, com menor. Todos, de alguma maneira, traduziram na escrita os seus sentimentos e sua visão.
Federico García Lorca
Foi um dos alvos do conservadorismo espanhol, visto que não escondia suas tendências socialistas e homossexuais. Com o argumento de que era “mais perigoso com a caneta do que outros com o revólver”, teve sua prisão decretada por um deputado enquanto estava em Granada. Sem julgamento, foi executado pelos nacionalistas com um tiro na nuca. Em função da homossexualidade, diz-se que García Lorca foi fuzilado de costas.
Soneto da carta
Amor, que a vida em morte em mim convertes,
Espero em vão tua palavra escrita
E, flor a se murchar, meu ser medita
Que se vivo sem mim quero perder-te.
É infinito o ar. A pedra inerte
Nada sabe da sombra e não a evita.
Íntimo, o coração não necessita
Do congelado mel que a lua verte.
Por ti rasguei as veias às dezenas,
Tigre e pomba, cobrindo-te a cintura
Com luta de mordiscos e açucenas.
Tuas palavras encham-me a loucura
Ou deixa-me viver minha serena
E infinda noite da alma, escura, escura.
(Tradução de Afonso Félix de Sousa)
Elizabeth Bishop
Nascida em Worcester, Elizabeth, depois de ganhar algum dinheiro com o reconhecimento pelo seu trabalho, decidiu viajar pela América do Sul. Desembarcou em Santos em 1951. Esperava permanecer no Brasil por poucos dias, mas prolongou a estadia por duas décadas — tudo porque conheceu, aqui, a paisagista e urbanista Lota de Oliveira Soares.
A arte de perder não é nenhum mistério
tantas coisas contêm em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouco a cada dia. Aceite austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subsequente
da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. Um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
Mesmo perder você (a voz, o ar etéreo, que eu amo)
não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser um mistério
por muito que pareça (escreve) muito sério.
(Tradução de Paulo Henriques Britto)
Safo de Lesbos
Devido ao conteúdo erótico, sua poesia sofreu censura pelos monges copistas. Restaram apenas fragmentos. Sua vida pessoal é controversa, embora permaneça “uma referência para lésbicas por seu olhar sensual sobre mulheres, em especial no Fragmento 31, em que se imagina em um triângulo amoroso, observando cheia de desejo a mulher que flerta com um homem”. [Sophie Mayer]
E agora, ó companheira bem amada,
querem levar-te para longe do meu peito,
como fazem também às jovens corças.
Adoro, mais que tudo, a flor da juventude.
Meu coração apaixonou-se pelo sol,
meu coração apaixonou-se pela beleza.
Igual aos deuses me parece
quem a teu lado vai sentar-se,
quem saboreia a tua voz
mais as delícias desse riso.
Quem me derrete o coração
e o faz bater sobre os meus lábios.
Assim que vejo esse teu rosto,
quebra-se logo a minha voz,
seca-me a língua entre os dentes,
corre-me um fogo sob a pele,
ficam-me surdos os ouvidos
e os olhos cegos de repente.
Torna-se líquido o meu corpo:
transpiro e tremo ao mesmo tempo.
Vejo-me verde: mais que a erva.
Só por acaso é que não morro.
Mergulha o teu corpo nesta água clara;
veste-lhe a brancura de açafrão e púrpura;
e o bordado brilho que há na tua túnica
aumente a beleza que me é tão cara…
A morte não é um bem.
Os próprios deuses o sabem.
Eles preferiram viver…
Caio Fernando Abreu
Homossexual assumido, chegou a escrever sobre a temática gay. Descreve as relações entre homens como naturais e espontâneas.
“Sôfrego, torno a anexar a mim esse monólogo rebelde, essa aceitação ingênua de quem não sabe que viver é, constantemente, construir, não derrubar. De quem não sabe que esse prolongado construir implica em erros, e saber viver implica em não valorizar esses erros, ou suavizá-los, distorcê-los ou mesmo eliminá-los para que o restante da construção não seja abalado. Basta uma pausa, um pensamento mais prolongado para que tudo caia por terra. Recomeçar é doloroso. Faz-se necessário investigar novas verdades, adequar novos valores econceitos. Não cabe reconstruir duas vezes a mesma vida numa única existência. Por isso me esquivo, deslizo por entre as chamas do pequeno fogo, porque elas queimam. Queimar também destrói.”
Jean Cocteau
Ainda que nunca tenha escondido sua homossexualidade, teve rápidos e intensos relacionamentos com mulheres. Publicou um considerável número de ensaios criticando a homofobia.
Arthur Rimbaud
Rimbaud enviou para Paul Verlaine amostras de sua obra. Recebeu, então, um convite para residir na casa do poeta. Este, que era casado, apaixonou-se prontamente pelo adolescente calado, de olhos azuis e cabelo castanho-claro comprido. Enquanto é provável que Verlaine já havia tido um caso homossexual, ainda permanece incerto se o relacionamento com Verlaine foi o primeiro de Rimbaud. Os amantes levaram uma vida ociosa, regada a absinto e haxixe. Escandalizaram o círculo literário parisiense por causa do comportamento ultrajante de Rimbaud, o arquetípico enfant terrible, que durante este período continuou a escrever notáveis versos visionários.
Virginia Woolf
Bissexual. Ainda que fosse casada, é sabido que manteve um romance com Vita Sackville-West, também escritora.
“E Vita vem almoçar amanhã, o que será muito divertido e agradável. Minhas relações com ela me divertem: tão ardente em janeiro – agora, como será? Também gosto da sua presença e beleza. Estarei apaixonada por ela? Mas o que é o amor? O fato de ela estar “apaixonada” por mim (deve ser assim entre aspas) me excita, e lisonjeia, e interessa. O que é esse “amor”? Ah, e depois ela gratifica minha eterna curiosidade: quem ela viu, o que fez – pois não tenho alta opinião sobre a poesia dela.”
(1924? Diário de Virginia)
Marcel Proust
A homossexualidade é tema recorrente em sua obra, principalmente em Sodoma e Gomorra e nos volumes subsequentes. Foi, percebe-se, um dos primeiros romancistas a tratar o tema de forma aberta e detalhada.
Gertrude Stein
Alice B. Toklas era companheira de Gertrude Stein. Entretanto, embora haja muita especulação, qualquer uma delas jamais pronunciou a palavra “lésbica”. Henry James foi quem cunhou a expressão “Boston marriage”, ou “casamento bostoniano”, típica do século XIX norte-americano: “Em sociedade patriarcal, serviu e ainda serve para descrever o lar onde duas amigas vivem como irmãs, compartilhando o mesmo teto sem a companhia, o apoio ou a provedoria masculina. A atual crise econômica global trouxe de volta núcleo familiar semelhante. No novo milênio, são mães solteiras que se reúnem com os filhos numa única casa, ‘with no role for men or romance.’” O cunhador do termo, o próprio James, não mencionou, à maneira da época, a natureza das relações: “(…) não deixou claro se a expressão casamento bostoniano recobria relações onde a intimidade emocional era duplicada pelo contato físico — relações lésbicas. (…) A escrita geralmente ascética ou assexuada de Gertrude Stein também exige que não se confunda o pseudoartista histérico com o verdadeiro artista santo.” Entretanto, é um consenso entre os estudiosos de Stein que havia, sim, uma relação de cunho homossexual entre as duas: Gertrude e Alice eram parceiras.
Allen Ginsberg
Ao ingressar na Universidade de Columbia, fez amizade com um grupo de jovens delinquentes, filósofos de almas selvagens (entre eles Jack Kerouac), obcecados igualmente por drogas, sexo e literatura. Ao mesmo tempo em que ajudava os amigos a desenvolverem os seus talentos literários, Allen experimentava drogas, frequentava bares gays em Greenwich Village e vivia seus affairs homossexuais.
Oscar Wilde
Wilde sempre defendeu “o amor que não ousa dizer o nome”, definição sobre a homossexualidade, como forma de mais perfeita afeição e amor.
Simone de Beauvoir
Era bissexual. Na obra O segundo sexo, fala abertamente da sua sexualidade e das relações que mantinha com as alunas. Ela defendia e participava de triângulos amorosos, inclusive com o filósofo Jean-Paul Sartre, com quem compartilhava amantes.
Fonte: site Livros Abertos
sexta-feira, 22 de junho de 2012
Dom Helder Câmara; RJ, 0280701999; Publicado: BH, 0220602012.
Dom Helder Câmara
Vão-se os homens de verdade
Ficam-se os vermes indesejáveis
Nem a ditadura te derrubou
Ou dobrou-te o medo não conheceste
Defendeste a justiça a liberdade
O direito humano o amor
Pregaste a paz a esperança
Aonde passaste caminhaste
Não viveste no arrivismo
No sistema de vencer na vida
A usar de quaisquer meios
Não usufruíste do carreirismo
Nem foste um arrivista
Arrogante contra a tortura
Arrojado na defesa do bem
Ousado na igreja na libertação
Impetuoso ao amar ao próximo
Fruto da pobreza sem ser pobre
Arriscaste ao enfrentar aos grandes
Sem humilhar-te ou amesquinhar-te
Dom Helder Câmara
Os homens passam em caravana
As coisas ficam aqui a latir
Ninguém teve arrojo maior do que o teu
Soubeste arrojar demonstrar
Grande coragem audácia
Intrepidez independência
Soubeste arrastar atrás de ti a ousadia
Arremessar poesia fé
Aos ouvidos dos incrédulos
Soubeste lançar-te desprevenido
Para atrever-te a salvar as almas
Que não podiam ser salvas
terça-feira, 19 de junho de 2012
Portal Vermelho; BH, 0190602012
Documentos revelam detalhes da tortura sofrida por Dilma em Minas
A presidente Dilma Vana Rousseff foi torturada nos porões da ditadura em Juiz de Fora, Zona da Mata mineira, e não apenas em São Paulo e no Rio de Janeiro, como se pensava até agora. Em Minas, ela foi colocada no pau de arara, apanhou de palmatória, levou choques e socos que causaram problemas graves na sua arcada dentária.
Por Sandra Kiefer, no jornal Estado de Minas
"Me deram um soco e o dente se deslocou e apodreceu"
Perdido entre caixas-arquivo de papelão, empilhadas até o teto, repousa o depoimento pessoal de Dilma, o único que mereceu uma cópia xerox entre os mais de 700 processos de presos políticos mineiros analisados pelo Conedh-MG. Pela primeira vez na história, vem à tona o testemunho de Dilma relatando todo o sofrimento vivido em Minas na pele da militante política de codinomes Estela, Stela, Vanda, Luíza, Mariza e também Ana (menos conhecido, que ressurge neste processo mineiro). Ela contava então com 22 anos e militava no setor estudantil do Comando de Libertação Nacional (Colina), que mais tarde se fundiria com a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), dando origem à VAR-Palmares.
As terríveis sessões de tortura enfrentadas pela então jovem estudante subversiva já foram ditas e repisadas ao longo dos últimos anos, mas os relatos sempre se referiam ao eixo Rio-São Paulo, envolvendo a Operação Bandeirantes, a temida Oban de São Paulo, e a cargeragem na capital fluminense. Já o episódio da tortura sofrida por Dilma em Minas, onde, segundo ela própria, exerceu 90% de sua militância durante a ditadura, tinha ficado no esquecimento. Até agora.
Com a palavra, a presidente: “Algumas características da tortura. No início, não tinha rotina. Não se distinguia se era dia ou noite. Geralmente, o básico era o choque”. Ela continua: “(...) se o interrogatório é de longa duração, com interrogador experiente, ele te bota no pau de arara alguns momentos e depois leva para o choque, uma dor que não deixa rastro, só te mina. Muitas vezes usava palmatória; usaram em mim muita palmatória. Em São Paulo, usaram pouco este ‘método’”.
Bilhetes
Dilma foi transferida em janeiro de 1972 para Juiz de Fora, ficando presa possivelmente no quartel da Polícia do Exército, a 4ª Companhia da PE. Nesse ponto do depoimento, falham as memórias do cárcere de Dilma e ela crava apenas não ter sido levada ao Departamento de Ordem e Política Social (Dops) de BH. Como já era presa antiga, a militante deveria ter ido a Juiz de Fora somente para ser ouvida pela auditoria da 4ª Circunscrição Judiciária Militar (CJM). Dilma pensou que, como havia ocorrido das outras vezes, estava vindo de São Paulo a Minas para a nova fase do julgamento no processo mineiro. Chegando a Juiz de Fora, porém, ela afirma ter sido novamente torturada e submetida a péssimas condições carcerárias, possivelmente por dois meses.
Nesse período, foi mantida na clandestinidade e jogada em uma cela, onde permaneceu na maior parte do tempo sozinha e em outra na companhia de uma única presa, Terezinha, de identidade desconhecida. Dilma voltou a apanhar dos agentes da repressão em Minas porque havia a suspeita de que Estela teria organizado, no fim de 1969, um plano para dar fuga a Ângelo Pezzuti, ex-companheiro da organização Colina, que havia sido preso na ex-Colônia Magalhães Pinto, hoje Penitenciária de Neves. Os militares haviam conseguido interceptar bilhetinhos trocados entre Estela (Stela nos bilhetes, codinome de Dilma) e Cabral (Ângelo), contendo inclusive o croqui do mapa do presídio, desenhado à mão (veja reproduções ao lado).
Seja por discrição ou por precaução, Dilma sempre evitou falar sobre a tortura. Não consta o depoimento dela nos arquivos do grupo Tortura Nunca Mais, nem no livro Mulheres que foram à luta armada, de Luiz Maklouf, de 1998. Só mais tarde, em 2003, ele conseguiria que Dilma contasse detalhes sobre a tortura que sofrera nas prisões do Rio e de São Paulo. Em 2005, trechos da entrevista foram publicados. Naquela época, a então ministra acabava de ser indicada para ocupar a Casa Civil.
O relato pessoal de Dilma, que agora se torna público, é anterior a isso. Data de 25 de outubro de 2001, quando ela ainda era secretária das Minas e Energia no Rio Grande do Sul, filiada ao PDT e nem sonhava em ocupar a cadeira da Presidência da República. Diante do jovem filósofo Robson Sávio, que atuava na coordenação da Comissão Estadual de Indenização às Vítimas de Tortura (Ceivt) do Conedh-MG, sem remuneração, Dilma revelou pormenores das sessões de humilhação sofridas em Minas. “O estresse é feroz, inimaginável. Descobri, pela primeira vez, que estava sozinha. Encarei a morte e a solidão. Lembro-me do medo quando minha pele tremeu. Tem um lado que marca a gente pelo resto da vida”, disse.
Humilde Apesar de ser ainda apenas a secretária das Minas e Energia, a postura de Dilma impressionou Robson: “A secretária tinha fama de durona. Ela já chegou ao corredor com um jeito impositivo, firme, muito decidida. À medida que foi contando os fatos no seu depoimento, ela foi se emocionando. Nós interrompemos o depoimento e ela deixou a sala com uma postura diferente em relação ao momento em que entrou. Saiu cabisbaixa”, conta ele, que teve três dias de prazo para colher sete depoimentos na capital gaúcha. Na avaliação de Robson, Dilma teve uma postura humilde para a época ao concordar em prestar depoimento perante a comissão. “Com ou sem o depoimento dela, a comissão iria aprovar a indenização de qualquer jeito, porque já tinha provas suficientes. Mas a gente insistia em colher os testemunhos, pois tinha a noção de estar fazendo algo histórico”, afirma o filósofo.
"Me deram um soco e o dente se deslocou e apodreceu"
Dilma chorou. Essa é uma das lembranças mais vivas na memória do filósofo Robson Sávio, que, ao lado de outra voluntária do Conselho de Direitos Humanos de Minas Gerais (Conedh-MG), foi ao Rio Grande do Sul coletar o testemunho da então secretária das Minas e Energia daquele estado sobre a tortura que sofrera nos anos de chumbo. Com fama de durona, a então moradora do Bairro da Tristeza, em Porto Alegre, tirou a máscara e voltou a ter 22 anos. Revelou, em primeira mão, que as torturas físicas em Juiz de Fora foram acrescidas de ameaças de dano físico deformador: “Geralmente me ameaçavam de ferimentos na face”.
Não eram somente ameaças. Segundo fez constar no depoimento pessoal, Dilma revelou, pela primeira vez, ter levado socos no maxilar, que podem explicar o motivo de a presidente ter os dentes levemente projetados para fora. “Minha arcada girou para o lado, me causando problemas até hoje, problemas no osso do suporte do dente. Me deram um soco e o dente se deslocou e apodreceu”, disse. Para passar a dor de dente, ela tomava Novalgina em gotas, de vez em quando, na prisão. “Só mais tarde, quando voltei para São Paulo, o Albernaz (o implacável capitão Alberto Albernaz, do DOI-Codi de São Paulo) completou o serviço com um soco, arrancando o dente”, completou.
Mais tarde, durante a campanha presidencial, em 2010, Dilma faria pelo menos três correções de ordem estética, que incluíram uma plástica facial, a troca dos óculos por lentes de contato e a chance de, finalmente, realinhar a arcada dentária. Na mesma época, Dilma combateu e venceu um câncer no sistema linfático. Guerreira, a presidente suavizou as marcas deixadas pelo passado na pele. Não tocou, porém, nas marcas impressas na alma. “As marcas da tortura sou eu. Fazem parte de mim”, definiu Dilma em 2001, no depoimento emocionado à comissão mineira, 11 anos antes de ser criada a Comissão Nacional da Verdade, no mês passado. Leia a seguir trechos do depoimento de Dilma.
Fuga pela Rua Goiás
“Eu comecei a ser procurada em Minas nos dias seguintes à prisão de Ângelo Pezzuti. Eu morava no Edifício Solar, com meu marido, Cláudio Galeno de Magalhães Linhares, e numa noite, no fim de dezembro de 1968, o apartamento foi cercado e conseguimos fugir, na madrugada. O porteiro disse aos policiais do Dops de Minas que não estávamos em casa. Fugimos pela garagem que dá para a rua do fundo, a Rua Goiás.”
Ligações com Ângelo
“Fui interrogada dentro da Operação Bandeirantes (Oban) por policiais mineiros que interrogavam sobre processo na auditoria de Juiz de Fora e estavam muito interessados em saber meus contatos com Ângelo Pezzuti, que, segundo eles, já preso, mantinha comigo um conjunto de contatos para que eu viabilizasse sua fuga. Eu não tinha a menor ideia do que se tratava, pois tinha saído de BH no início de 69 e isso era no início de 70. Desconhecia as tentativas de fuga de Pezzuti, mas eles supuseram que se tratava de uma mentira. Talvez uma das coisas mais difíceis de você ser no interrogatório é inocente. Você não sabe nem do que se trata.”
Dente podre
“Uma das coisas que me aconteceu naquela época é que meu dente começou a cair e só foi derrubado posteriormente pela Oban. Minha arcada girou para o lado, me causando problemas até hoje, problemas no osso do suporte do dente. Me deram um soco e o dente se deslocou e apodreceu. Tomava de vez em quando Novalgina em gotas para passar a dor. Só mais tarde, quando voltei para São Paulo, o Albernaz completou o serviço com um soco, arrancando o dente.”
Pau de arara
“...algumas características da tortura. No início, não tinha rotina. Não se distinguia se era dia ou noite. O interrogatório começava. Geralmente, o básico era choque. Começava assim: ‘Em 1968 o que você estava fazendo?’ e acabava no Ângelo Pezzuti e sua fuga, ganhando intensidade, com sessões de pau de arara, o que a gente não aguenta muito tempo.”
Palmatória
“Se o interrogatório é de longa duração, com interrogador ‘experiente’, ele te bota no pau de arara alguns momentos e depois leva para o choque, uma dor que não deixa rastro, só te mina. Muitas vezes também usava palmatória; usava em mim muita palmatória. Em São Paulo usaram pouco esse ‘método’. No fim, quando estava para ir embora, começou uma rotina. No início, não tinha hora. Era de dia e de noite. Emagreci muito, pois não me alimentava direito.”
Local da tortura
“Acredito hoje ter sido por isso que fui levada no dia 18 de maio de 1970 para Minas Gerais, especificamente para Juiz de Fora, sob a alegação de que ia prestar esclarecimentos no processo que ocorria na 4ª CJM. Mas, depois do depoimento, eu fui levada (ou melhor, teria de ser levada para São Paulo), mas fui colocada num local (encapuzada) que sobre ele tinha várias suposições: ou era uma instalação do Exército ou Delegacia de Polícia. Mas acho que não era do Exército, pois depois estive no QG do Exército e não era lá.”
“Nesse lugar fiquei sendo interrogada sistematicamente. Não era sobretudo sobre minha militância em Minas. Supuseram que, tendo apreendido documentos do Ângelo (Pezzutti) que integram o processo, achavam que nossa organização tinha contatos com as polícias Militar ou Civil mineiras que possibilitassem fugas de presos. Acredito ter sido por isso que a tortura foi muito intensa, pois não era presa recente; não tinha ‘pontos’ e ‘aparelhos’ para entregar.”
Tortura psicológica
“Tinha muito esquema de tortura psicológica, ameaças. Eles interrogavam assim: ‘Me dá o contato da organização com a polícia?’ Eles queriam o concreto. ‘Você fica aqui pensando, daqui a pouco eu volto e vamos começar uma sessão de tortura.’ A pior coisa é esperar por tortura.”
Ameaças
“Depois (vinham) as ameaças: ‘Eu vou esquecer a mão em você. Você vai ficar deformada e ninguém vai te querer. Ninguém vai saber que você está aqui. Você vai virar um ‘presunto’ e ninguém vai saber’. Em São Paulo me ameaçaram de fuzilamento e fizeram a encenação. Em Minas não lembro, pois os lugares se confundem um pouco.”
“Acho que nenhum de nós consegue explicar a sequela: a gente sempre vai ser diferente. No caso específico da época, acho que ajudou o fato de sermos mais novos; agora, ser mais novo tem uma desvantagem: o impacto é muito grande. Mesmo que a gente consiga suportar a vida melhor quando se é jovem, fisicamente, a médio prazo, o efeito na gente é maior por sermos mais jovens. Quando se tem 20 anos o efeito é mais profundo, no entanto, é mais fácil aguentar no imediato.”
Sozinha na cela
“Dentro da Barão de Mesquita (RJ), ninguém via ninguém. Havia um buraquinho na porta, por onde se acendia cigarro. Na Oban (Operação Bandeirantes), as mulheres ficavam junto às celas de tortura. Em Minas sempre ficava sozinha, exceto quando fui a julgamento, quando fiquei com a Terezinha. Na ida e na vinda todas as mulheres presas no Tiradentes sabiam que eu estava presa: por exemplo, Maria Celeste Martins e Idoina de Souza Rangel, de São Paulo.”
Visita da mãe
“Em Minas, estava sozinha. Não via gente. (A solidão) era parte integrante da tortura. Mas a minha mãe me visitava às vezes, porém, não nos piores momentos. Minha mãe sabia que estava presa, mas eles não a deixavam me ver. Mas a doutora Rosa Maria Cardoso da Cunha, advogada, me viu em São Paulo, logo após a minha chegada de Minas. Hoje ela mora no Rio e posso contatá-la ”
Cena da bomba
“Em Minas, fiquei só com a Terezinha. Uma bomba foi jogada na nossa cela. Voltei em janeiro de 72 para Juiz de Fora (nunca me levaram para BH). Quando voltei para o julgamento, me colocaram numa cela, na 4ª Cia. de Polícia do Exército, 4ª Região Militar, lá apareceu outra vez o Dops que me interrogava. Mas foi um interrogatório bem mais leve. Fiquei esperando o julgamento lá dentro.”
Frio de cão
“Um dia, a gente estava nessa cela, sem vidro. Um frio de cão. Eis que entra uma bomba de gás lacrimogênio, pois estavam treinando lá fora. Eu e Terezinha ficamos queimadas nas mucosas e fomos para o hospital. Tive o
‘prazer’ de conhecer o comandante general Sílvio Frota, que posteriormente me colocaria na lista dos infiltrados no poder público, me levando a perder o emprego.”
Motivos
“Quando eu tinha hemorragia, na primeira vez foi na Oban (…) foi uma hemorragia de útero. Me deram uma injeção e disseram para não bater naquele dia. Em Minas, quando comecei a ter hemorragia, chamaram alguém que me deu comprimido e depois injeção. Mas me davam choque elétrico e depois paravam. Acho que tem registros disso no final da minha prisão, pois fiz um tratamento no Hospital das Clínicas.”
Morte e solidão
“Fiquei presa três anos. O estresse é feroz, inimaginável. Descobri, pela primeira vez, que estava sozinha. Encarei a morte e a solidão. Lembro-me do medo quando minha pele tremeu. Tem um lado que marca a gente o resto da vida.”
Marcas da tortura
“As marcas da tortura sou eu. Fazem parte de mim.”
terça-feira, 12 de junho de 2012
Após a minha apostasia; BH, 0180801999; Publicado: BH, 0120602012.
Após a minha apostasia
Depois de meu abandono renúncia
À minha própria crença doutrina
Opinião sobre mim mesmo as
Coisas que me cercam
Tornei-me num desacreditado
Em seguimento ao meu comportamento
Perdi a minha aposentadoria
Como poeta escritor frustrado
Em seguida ao meu aposentar
Afastei-me definitivamente
Sem vencimentos do cargo efetivo
Dos vocábulos tentativas literárias
Hospedei-me Arthur Bispo do Rosário
Num asilo para loucos esquizofrênicos
Para abrigar-me pelo menos da fome
Já que minha fome de saber
A havia perdido há muito tempo
O meu aposento era um calabouço
Uma dependência duma casa de detenção
Um quarto sem porta janela
Só correntes grilhões nas paredes
Bolas de aço presas nos pés por argolas de ferro
Mais pesadas que o meu próprio peso
Só dormia nesta hospedagem
Que mais parecia um portal do inferno
Com a minha camisa de força
O meu sinto de castidade
A máscara mortuária de bronze
Era a minha câmara de tortura da inquisição
Fornalhas fogueiras braseiros
Inquisidores que mais pareciam açougueiros
Faziam-me vomitar o que não comi
Não poderia acordar se nem dormir
Meus sonhos eram pesadelos de heresias
Do herege que seria retalhado em praça pública
Para validar uma crença que não era minha
O Brasil vai fazer quinhentos anos; BH, 0170801999; Publicado: BH, 0120602012.
O Brasil vai fazer quinhentos anos
Esta ideia não me comove nada
Nem um pouco de verdade mesmo
Nada tenho para comemorar
A alta sociedade a alta classe sim
Sempre desfrutaram as riquezas nacionais
A burguesia então é de enojar
A podridão da elite?
Dá vontade de vomitar
Quem têm o que comemorar são elas
A emoção é completamente delas
Elas que são as donas do Brasil
Os políticos dirigentes?
Como posso festejar junto desses porcos?
Homens de roupas limpas de mãos sujas
Como posso festejar a colonização o aportuguesamento
A adaptação fonológica morfológica gráfica
Do estrangeirismo ao português?
Como posso me aportuguesar com todo o atraso
Que a história da colonização legou ao Brasil?
Não quero nem devo tornar-me semelhante
Nem submeter-me ao estrangeirismo fenômeno
Que é a intransigência do português aqui
Tudo conseguiram do Brasil
Lá nunca conseguimos nem conseguiremos nada
Seremos sempre a eterna colônia
Que enriqueceu enriquece Portugal
Aqui têm mandatos parlamentares
Times de futebol casas de festas
Restaurantes cargos públicos
Lojas de comércio redes de táxis
Tudo adquirido com o nosso dinheiro
O que temos nós lá?
Nem os filhos bastardos das nossas
Negras escravas estupradas
Só as nossas vidas que ceifaram
Nossos indígenas que exterminaram
As nossas pedras preciosas o nosso ouro
O sangue dos nossos inconfidentes
Que nos roubaram na nossa história
Não tenho um pescoço firme; BH, 0170801999; Publicado: BH, 0120602012.
Não tenho um pescoço firme
Para apor minha vacilante cabeça
Não tenho um pedestal feito de bronze
Uma base de concreto armado
Para pôr junto ou em cima a minha cabeça
De boneca não tenho como me ligar em algo
Que me tire deste ridículo
De querer prender em mim
Uma cabeça flexível que só quer voar
Cansei de aporrear esta danada malina
De espancar com porretes pedaços de pau
Bater com ela na parede de cimento
Só soube me aporrinhar até agora
Quanto mais penso que
Está firme em mim
Mais chego á conclusão que
Só está cheia de aporrinhação
É uma cabeça gelatinosa de mola
Do cabelo que a cobre então
É outro aporrinhamento sem razão
Já mandei raspar cresceu de novo
Agora está a cair a me deixar careca
Uma coisa que gosta
É de se apoquentar de vez em quando
Esquentar-se até a me aborrecer
Parece que vai estourar
Ai vem uma ventania esfria
Balança-a para um lado
Balança-a para outro esfria mais
Torna a voltar para o lugar
Preciso dum pescoço forte
Cacaio de burro cangote
Para aportar a minha cabeça
Conduzir ao porto desse pescoço
Ou a outro lugar para fundear
Esta minha cabeça que é uma nau a voar
Não tenho um pescoço firme
Para chegar com a minha cabeça
De menina de boneca de pano
Alguém precisa apontar o dedo; BH, 0170801999; Publicado: BH, 0120602012.
Alguém precisa apontar o dedo
Na cara dos hipócritas inescrupulosos
Alguém precisa fazer ponta frente aos
Olhos dos demagogos denunciá-los
Aos olhos do povo aguçar a memória
Do trabalhador para começar a se unir
A surgir um movimento que venha
Derrubar a burguesia derrubar a elite
Derreter a classe política o sistema
Todos que navegam contra o desejo de
Emancipação da classe trabalhadora
É hora de despontar no horizonte
Uma nova filosofia voltada ao operário
É hora de alguém indicar o caminho
Contrário ao da classe dominante que
Perpetua-se no poder ao perpetuar o
Sofrimento o massacre o extermínio
Das melhorias de vida da população
É preciso mostrar com o dedo na cara
Todos os inimigos do povo da nação a
Fazer gestos obscenos em direção a eles
Lançar-lhes na carranca objetos deteriorados
Iguais aos que têm dentro das cabeças
Nunca mencionar o nome dessa raça
Víboras mesquinhas serpentes traiçoeiras
Alegar amnésia na hora de lembrar deles
Marcar os passos os desvios das rotas
Que sempre tomam quando chegam lá
Anotar todas as mentiras falsidades a
Fazer pontaria na cara deles com o mesmo
Bolo de lama deixado pelas pegadas sujas
Designar a verdade para envergonhá-los
Encurralá-los nos próprios chiqueiros chiques
Assinalar uma mosca no peto de
Cada um a puxar o gatilho assim
Jamais farei um discurso; BH, 0170801999; Publicado: BH, 0120602012.
Jamais farei um discurso
Ou escreverei algo de louvor defesa
Aos representantes da ojerizada burguesia
Jamais farei apologia à elite
Ou um panegírico à classe política
Nunca serei um apologista de
Fernando Henrique Cardoso vulgo FHC
Marco Maciel Antônio Carlos Magalhães
Outros membros da famiglia de colarinhos-brancos
Sou mais de fazer um apólogo
Uma fábula de alegoria moral em que
Dou razão raciocínio fala esses
Homens animais a essas coisas inanimadas
A essas bestas feras apocalíticas
Em meus apontamentos não existem
Simpatias ao neoliberalismo
À globalização da economia
Importação predatória privatização
Inescrupulosa nociva à economia
Nacional com seus resultados negativos
Meus lembretes não serão favoráveis à maneira
Que certos políticos usam
Para se perpetuarem no poder
Minhas notas são contra esses políticos
Nas anotações para posterior consulta
Procuro esquecer historicamente figuras
Figurões figurino nocivos ao desenvolvimento
À prosperidade progresso nacionais
Sou um apontador contumaz desses párias
Aponto todos os erros crimes cometidos
Sou um instrumento para fazer ponta
Na memória desses parasitas
Nunca esquecerão de mim como serão
Esquecidos pelo povo brasileiro
Serei o encarregado de controlar o material
Anotar os anseios dos operários para o futuro
segunda-feira, 11 de junho de 2012
Hoje estou mais solitário; RJ, 0120201999; Publicado: BH, 0110602012.
Hoje estou mais solitário
Do que quando nasci
Estou mais abandonado
Sozinho desamparado
Quando nasci
Todo mundo me paparicava
Tinha mãe por perto
Tinha pai
Avôs avós
Tios tias
Irmãos irmãs
Todos os parentes vizinhos
Toda a gente da redondeza
Hoje estou aqui
Jogado na sarjeta
Aquele menininho bonitinho
Transformou-se num velho
Ranzinza alquebrado
Um velho torto enferrujado
Caduco desmiolado
Nenhum asilo me quis
Fui lançado às calçadas
Às ruas vielas marquises
O que restou de mim
Bolor são os restos que
Nem as aves de rapina
Nem os vermes da terra
Querem mais por alimento
Quando será que; BH, 0290801999; Publicado: BH, 0110602012.
Quando será que
Vou arrumar as minhas ideias
Pôr em ordem o meu pensamento
Arranjar um meio
De colocar em prática
O meu ideal?
Não quero nem posso
Acomodar-me
Preciso assinalar o meu rumo
Estou perdido
Não sei quando será que
Vou dirigir um dirigível
Em determinado rumo
Que me leve à felicidade
A conseguir a resposta
A obter a solução
De todo problema que
Aparento no momento?
Não sei empregar em nada
A minha inteligência
Nem retirar utilidade
Da minha sabedoria
Gostaria muito
De avir-me com as coisas
Ajustar meu meio de vida
Harmonizar físico mente
Combinar alma espírito
Haver-me em mim
Conseguir boa situação emocional
Casar-me com a existência
Amigar-me com a sorte
Destruir o arsenal de azar
Depósito de estabelecimento
De fabricação de armas munições
Nocivas à espécie humana
Paulo Mendes Campos, Neste soneto; BH, 0110601012.
Neste soneto, meu amor, eu digo,
Um pouco à moda de Tomás Gonzaga,
Que muita coisa bela o verso indaga
Mas poucos belos versos eu consigo.
Igual à fonte escassa no deserto,
Minha emoção é muita, a forma, pouca.
Se o verso errado sempre vem-me à boca,
Só no meu peito vive o verso certo.
Ouço uma voz soprar à frase dura
Umas palavras brandas, entretanto,
Não sei caber as falas de meu canto
Dentro de forma fácil e segura.
E louvo aqui aqueles grandes mestres
Das emoções do céu e das terrestres.
Um pouco à moda de Tomás Gonzaga,
Que muita coisa bela o verso indaga
Mas poucos belos versos eu consigo.
Igual à fonte escassa no deserto,
Minha emoção é muita, a forma, pouca.
Se o verso errado sempre vem-me à boca,
Só no meu peito vive o verso certo.
Ouço uma voz soprar à frase dura
Umas palavras brandas, entretanto,
Não sei caber as falas de meu canto
Dentro de forma fácil e segura.
E louvo aqui aqueles grandes mestres
Das emoções do céu e das terrestres.
Paulo Mendes Campos, A Mário de Andrade; BH, 01106002012.
Não sei que mãos teceram teu silêncio.
Morto.
Estás morto.
Sonhas morto?
Morto.
Espantalho fatal, onde flutuas
Acordas borboletas tresvairadas.
Tua morte chegou nas folhas secas
Mas nada vi no ventre da noitinha,
Que não interpretei nas alegrias
Tua razão mais bela de acabar.
A noite está coalhada de formigas.
A cruz amarga a fé desesperada.
Há formigas na treva de tua morte
E em mim erram punhais entrefechados.
O simples tempo agora abre a vidraça.
Desarmaram nos campos a barraca.
Chega do canteiro a razão – flor
Para agravar sinais do inevitável.
O silêncio borbulha nos esgotos.
Bebamos o licor de tua morte.
Enquanto se suporta a solidão.
Tua morte foi servida numa salva.
Cisnes feridos, franzem meu destino.
Os convivas, as moças, as vitrinas
Não sabem que paraste.
Mas eu sofro
O sono vegetal dos passarinhos.
Mas eu sofro.
Eu e o morto que conduzo
Vamos sofrer até de manhãzinha.
Vamos velar aflitos sobre a terra
Que desviou o teu olhar das rosas.
sábado, 9 de junho de 2012
Estou a sofrer; RJ, 0120201999; Publicado: BH, 090602012.
Estou a sofrer
Magoado machucado dolorido
Caí do vigésimo quinto andar
Dum prédio na cidade
Estatelei-me na calçada
Estou todo quebrado
Meu pensamento evaporou
Meus membros se desprenderam
Cada órgão de administração municipal
Ficou com a guarda
Dum membro meu
Só que não fiquei nem comigo
Corro grande perigo
De não chegar ao fim do caminho
Minha sorte é que
Gosto de viver perigosamente
Minha sorte é que
Gosto de viver de arriscar
Se não fosse isso
Nem sei o que já teriam feito
Dos meus pedaços quebrados
Esquecidos por aí
Até meu tronco sumiu
A minha cabeça dura,
Foi o que resistiu
Tão grande impacto
Não fendeu não rachou
Continuou a mesma cabeça
Cheia de concreto armado
Coberta de chumbo
Não existe o que pode me fazer
Sentir-me inteiro de verdade
No país já acabou o estabelecimento; BH, 0290801999; Publicado: BH, 090602012.
No país já acabou o estabelecimento
Onde se constroem se reparam navios
O resultado está aí desemprego a
Casa ou dependência desta onde se
Guardam muitas armas munições
Ficou sem utilidade o tempo é de paz
O fim é o da violência não existe
Motivo para arsenal mortífero a época
É de vida usar o arsênico só como
Elemento químico de cor cinzenta
Brilho metálico bom como condutor
Elétrico nada de envenenar com arsênio
Pois os compostos são altamente
Tóxicos podem matar o tempo é de
Arte o uso sistemático do conhecimento
Da habilidade na consecução dum fim
A hora é de perícia adquirida através de
Experiência ou estudo da sabedoria bom
Desempenho de inteligência profissão da
Metafísica travessura mental final
Acidente intelectual projeto definitivo para
Execução de mudança do leiaute do coração
Paulo Mendes Campos, Balada do amor perfeito; BH, 090602012.
Pelo pés das goiabeiras,
Pelo braços das mangueiras,
Pelas ervas fratricidas,
Pelas pimentas ardidas,
Fui me aflorando.
Pelo braços das mangueiras,
Pelas ervas fratricidas,
Pelas pimentas ardidas,
Fui me aflorando.
Pelos girassóis que comem
Giestas de sol e somem,
Por marias-sem-vergonha,
Dos entretons de quem sonha
Fui te aspirando.
Giestas de sol e somem,
Por marias-sem-vergonha,
Dos entretons de quem sonha
Fui te aspirando.
Por surpresas balsaminas,
Entre as ferrugens de Minas,
Por tantas voltas lunárias,
Tantas manhãs cineárias,
Fui te esperando.
Entre as ferrugens de Minas,
Por tantas voltas lunárias,
Tantas manhãs cineárias,
Fui te esperando.
Por miosótis lacustres,
Por teus cântaros ilustres,
Pelos súbitos espantos
De teus olhos agapantos,
Fui te encontrando.
Por teus cântaros ilustres,
Pelos súbitos espantos
De teus olhos agapantos,
Fui te encontrando.
Pelas estampas arcanas
Do amor das flores humanas,
Pelas legendas candentes
Que trazemos nas sementes,
Fui te avivando.
Do amor das flores humanas,
Pelas legendas candentes
Que trazemos nas sementes,
Fui te avivando.
Me evadindo das molduras,
De minhas albas escuras,
Pelas tuas sensitivas,
Açucenas, sempre-vivas,
Fui te virando.
De minhas albas escuras,
Pelas tuas sensitivas,
Açucenas, sempre-vivas,
Fui te virando.
Pela rosa e o resedá,
Pelo trevo que não há,
Pela torta linha reta
Da cravina do poeta,
Fui te levando.
Pelo trevo que não há,
Pela torta linha reta
Da cravina do poeta,
Fui te levando.
Pelas frestas das lianas
De tuas crespas pestanas,
Pela trança rebelada
Sobre o paredão do nada,
Fui te enredando.
De tuas crespas pestanas,
Pela trança rebelada
Sobre o paredão do nada,
Fui te enredando.
Pelas braçadas de malvas,
Pelas assembléias alvas
De teus dentes comovidos
Pelo caule dos gemidos
Fui te enflorando.
Pelas assembléias alvas
De teus dentes comovidos
Pelo caule dos gemidos
Fui te enflorando.
Pelas fímbrias de teu húmus,
Pelos reclames dos sumos,
Sobre as umbelas pequenas
De tuas tensas verbenas,
Fui me plantando.
Pelos reclames dos sumos,
Sobre as umbelas pequenas
De tuas tensas verbenas,
Fui me plantando.
Por tuas arestas góticas,
Pelas orquídeas eróticas,
Por tuas hastes ossudas,
Pelas ânforas carnudas,
Fui te escalando.
Pelas orquídeas eróticas,
Por tuas hastes ossudas,
Pelas ânforas carnudas,
Fui te escalando.
Por teus pistilos eretos,
Por teus acúleos secretos,
Pelas úsneas clandestinas
Das virilhas de boninas,
Fui me criando.
Por teus acúleos secretos,
Pelas úsneas clandestinas
Das virilhas de boninas,
Fui me criando.
Pelos favores mordentes
Das ogivas redolentes,
Pelo sereno das zínias,
Pelos lábios de glicínias,
Fui te sugando.
Das ogivas redolentes,
Pelo sereno das zínias,
Pelos lábios de glicínias,
Fui te sugando.
Pelas tardes de perfil,
Pelos pasmados de abril,
Pelos parques do que somos,
Com seus bruscos cinamomos,
Fui me espaçando.
Pelos pasmados de abril,
Pelos parques do que somos,
Com seus bruscos cinamomos,
Fui me espaçando.
Pelas violas do fim,
Nas esquinas do jasmim,
Pela chama dos encantos
De fugazes amarantos,
Fui me apagando.
Nas esquinas do jasmim,
Pela chama dos encantos
De fugazes amarantos,
Fui me apagando.
Afetando ares e mares
Pelas mimosas vulgares
Pelos fungos do meu mal,
Do teu reino vegetal
Fui me afastando.
Pelas mimosas vulgares
Pelos fungos do meu mal,
Do teu reino vegetal
Fui me afastando.
Pelas gloxínias vivazes,
Com seus labelos vorazes,
Pelo flor que desata,
Pela lélia purpurata,
Fui me arrastando.
Com seus labelos vorazes,
Pelo flor que desata,
Pela lélia purpurata,
Fui me arrastando.
Pelas papoulas da cama,
Que vão fumando quem ama,
Pelas dúvidas rasteiras
De volúveis trepadeiras
Fui te deixando.
Que vão fumando quem ama,
Pelas dúvidas rasteiras
De volúveis trepadeiras
Fui te deixando.
Pelas brenhas, pelas damas
De uma noite, pelos dramas
Das raízes retorcidas,
Pelas sultanas cuspidas,
Fui te olvidando.
De uma noite, pelos dramas
Das raízes retorcidas,
Pelas sultanas cuspidas,
Fui te olvidando.
Pelas atonalidades
Das perpétuas, das saudades,
Pelos goivos do meu peito,
Pela luz do amor perfeito,
Vou te buscando.
Das perpétuas, das saudades,
Pelos goivos do meu peito,
Pela luz do amor perfeito,
Vou te buscando.
sexta-feira, 8 de junho de 2012
Não sei o que sou; BH, 0290801999; Publicado: BH, 080602012.
Não sei o que sou
Sou que o sei não
Se um artefato do
Produto industrial
Do meio arteiro que
Fui criado um dia ou
Minha arte-final é a poesia
O projeto definido para
Execução do meu leiaute
É o poema o soneto
É o que revela astúcia
Que faz que traz arte
Traquina das letras
O artelho quebrado
O dedo do pé amputado
O tornozelo frágil
Calcanhar de Aquiles
Tendão flechado
Derrubam o santo
De barro do andor
Artemão do mastro de popa
Vela solta desse mastro
Ao vento da nau que nas
Artérias nunca dantes navegadas
Cada um dos vasos que leva
O sangue do coração
Às demais partes do corpo oceânico
A via de comunicação dos mares
A rua deserta
A sombra negra do asfalto da avenida
A artemísia arterial
Gênero de plantas referente
À família das compostas
Inevitável arteriosclerose
Espessamento de perda
Das elasticidades das artérias
A travessia da ponte
Meu povo sei muito bem meu povo; BH, 0290801999; Publicado: BH, 080602012.
Meu povo sei muito bem meu povo
Que uso o processo primitivo arcaico
De produção de criação mortas em
Pequena escala decadente de objetos
Manufaturados pela mente em folhas
De papel sombrio de branco tinta de
Caneta esferográfica sem valor algum
De arte não sou um artesão artífice
Não sei artesanato escrever adorno
Emoldurado único em tetos de tetas
Em volta obra de arcos do norte
Setentrional o ártico boreal natural
Beleza da articulação ponto de modo
De conexão de dois ou mais ossos
Juntas sem cartilagem junção sem
Lubrificação fratura de fratura
Exposta extrema cada fase do
Movimento dos órgãos fonadores
Durante a produção dum fonema
Articulado entendido aproveitado
Por animais que têm o esqueleto
Dividido em artículos ou segmentos
De quem gosta de sopa de ossos
Espécime que tem fome rói qualquer
Ossinho encontrado num cozido
Está em falta algo em mim; RJ, 0120201999; Publicado: BH, 080602012.
Está em falta algo em mim
Está sempre em falta a faltar
Alguma coisa em mim estou
Sempre vazio oco vago no vácuo
Em minhas veias não correm sangue
Por minha cabeça por minha mente
Não passam pensamentos ideias ideais
Minhas mãos não têm dedos
Não posso pegar em nada
Meus olhos não podem ver
Sou um cego no escuro
Perdido no temporal
Sou o derrotado da briga
O covarde da guerra
O medroso da turma
O fraco da batalha
O meu maior desafio
É vencer isto tudo
Que trago dentro de mim
É por isto que me falta
A afirmação de ser
De provar a todo mundo
Que sou normal também
Só que não escondo
Não me engano nem me iludo não
Encaro a verdade a realidade
Com o peito aberto
Com o coração que Deus me deu
Mesmo ao faltar tudo em meu peito
Continuo a seguir o destino
Que tenho que traçar
Deus meu meu Deus; BH, 0290801999; Publicado: BH, 080602012.
Deus meu meu Deus
Ensina-me a articular
Pois não sou Deus
Não sei nem falar
Não sei unir as letras
Formar as palavras
Ligar as articulações
Encadear ideias
Coordenar pensamentos
Organizar soluções
Proferir profecias
Profetizar premonições
Pronunciar boa novas
Altercar resoluções
Discutir conclusões
Ligar-me ao futuro
Unir-me ao presente
Associar-me aqueles
Que querem a paz
Coligir resultados
Juntar em coleção
Os louros da vitória
Reunir o que está esparso
Em torno da felicidade
Manter entendimentos
Com a metafísica
Tudo que for referente
Às articulações filosóficas
O articulista artífice ao amor
Pessoa que escreve artigos
O operário que produz a obra
Feita à mão pensada com a cabeça
Artista das letras
Artista das palavras
Autor anônimo
Que só a morte conhecerá
No dia em que o vier buscar
Haja meu Deus Deus meu aja
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