já cheguei aqui

já cheguei aqui

nem sei mais se cheguei aqui

ou se alguém já sabe que estou aqui

e se não sabe

peço para avisar que cheguei

e que já pode servir o manjar

o maná com assaí

e guaraná natural

é que cheguei inda agora

falei com aquela senhora

que se chama iemanjá

e se diz rainha do mar

e que não me deixa me afogar

no meu mar da desilusão

pois segurou a minha mão

quando ainda estava à flor d'água

e tenho então com essa deusa

toda a minha obrigação com gratidão

e dizem que não faz o bem

mas a mim não fez o mal não

e fez foi a solução

mãe d'água

e filho nadam juntos

numa mesma direção

de encontro ao amor que

não salva só uma vida

e sim toda uma nação

e o amor é o pêndulo que

embala o coração

e que acaba a guerra

e que traz a paz

e que faz compartilhar o pão

e dividir o mundo como uma família

onde todos são irmãos

então deixa-me chegar de vez

avisa ao povo aí que cheguei aqui

e que ficarei sem desistir de amar

BH, 040702023; Publicado: BH, 0300702023.

faz alguma coisa aí

faz alguma coisa aí

gritam para mim dentro dos meus ouvidos

que já são surdos de natureza

na deficiência da minha vida

que não quer viver

e teimam comigo numa ocupação

pelo amor de deus

larguem minhas mãos

não são mãos manufatureiras

são mãos de escravos africanos

são mãos de índios expulsos de suas terras

são mãos de marginais algemadas à falta de justiça

larguem dos meus pés

rompam meus grilhões

não procuro afazeres domésticos

só procuro liberdade com amor

independência com paz

procuro o ignorado invisível

o preto sem importância

o escravo que ainda não foi alforriado

e o patrão o mantém acorrentado

e o pastor ainda o mantém cativo

ao pé da cruz a cravejá-lo de pecados

outros preconceitos

outros dogmas

outros tabus

ou deixem-me aqui no degrau do cadafalso

meu pescoço no garrote vil

minha cabeça na guilhotina

não vale a pena lutar é quando a alma é pequena

e minh'alma é vasta tanto quanto a vastidão do céu

e ando vestido de humildade

não tenteis me igualar convosco

sou tosco

sou rudimentar rupestre agreste

só quero brilhar tanto quanto o sol

BH, 040702023; Publicado: BH, 0210702023.

é triste quando se chega à idade

é triste quando se chega à idade

na qual chegamos

e nos perguntam

e não temos respostas

nem resoluções

e nem soluções

e ainda só problemas

e dilemas

e conjecturas

e enigmas

e mistérios

e nada de decifrações

e nada de raciocínios lógicos

ou diálogos

ou dialéticas

ou razões

e continuamos os mesmos

ainda é a única certeza

e não mudamos nada

é a única constatação

e não evoluímos

é o único sentido

e não amamos uns aos outros

é o único sentimento

e a resposta não veio trazida pelo vento

e era tudo uma metáfora

e o universo não conspirou a nosso favor

é a única frustração geral

e o que que nos resta agora?

começar tudo de novo?

nem se nascêssemos outra vez pois

o tempo perdido

continua o tempo perdido

e só nos resta dar adeus às ilusões pois

até hoje não existiu um único

que conseguiu

recuperar o tempo perdido

e os mais estúpidos

escrevem suas enganações

e os mais ignorantes

tecem loas aos rebentos

ou às criaturas da natureza

e mostram aos indiferentes que

se fingem de gentes

e passam ao largo a passos largos

passos de gansos

como se estivessem em fileiras

de desfiles nazistas

BH, 040702023; Publicado: BH, 0180702023.

Pagode do Vavá, poesia de Paulinho da Viola.

Domingo, lá na casa do Vavá

Teve um tremendo pagode
Que você não pode imaginar
Mas no domingo
Domingo, lá na casa do Vavá
Teve um tremendo pagode
Que você não pode imaginar

Provei do famoso feijão da Vicentina
Só quem é da Portela é que sabe
Que a coisa é divina
Provei do famoso feijão da Vicentina
Só quem é da Portela é que sabe
Que a coisa é divina

Tinha gente de todo lugar
No pagode do Vavá
Tinha gente de todo lugar
No pagode do Vavá

Nego tirava o sapato, ficava à vontade
Comia com a mão
Uma batida gostosa que tinha o nome
De doce ilusão

Vi muita nega bonita
Fazer partideiro ficar esquecido
Mas apesar do ciúme
Nenhuma mulher ficou sem o marido

Mas no domingo
Domingo, lá na casa do Vavá
Teve um tremendo pagode
Que você não pode imaginar
Mas no domingo
Domingo, lá na casa do Vavá
Teve um tremendo pagode
Que você não pode imaginar

Provei do famoso feijão da Vicentina
Só quem é da Portela é que sabe
Que a coisa é divina
Provei do famoso feijão da Vicentina
Só quem é da Portela é que sabe
Que a coisa é divina

E tinha gente de todo lugar
No pagode do Vavá
Tinha gente de todo lugar
No pagode do Vavá

Um assovio de bala
Cortou o espaço e ninguém machucou
Muito malandro corria
Quando Elton Medeiros chegou

Minha gente não fique apressada
Que não há motivo pra ter correria
Foi um nego que fez 13 pontos
E ficou maluco de tanta alegria

Mas no domingo
Domingo, lá na casa do Vavá
Teve um tremendo pagode
Que você não pode imaginar
Mas no domingo
Domingo, lá na casa do Vavá
Teve um tremendo pagode
Que você não pode imaginar

Provei do famoso feijão da Vicentina
Só quem é da Portela é que sabe
Que a coisa é divina
Provei do famoso feijão da Vicentina
Só quem é da Portela é que sabe
Que a coisa é divina

Tinha gente de todo lugar
No pagode do Vavá
Tinha gente de todo lugar
No pagode do Vavá

Tinha gente de todo lugar
No pagode do Vavá
Tinha gente de todo lugar
No pagode do Vavá

Tinha gente de todo lugar
No pagode do Vavá

o que será que acontecerá

o que será que acontecerá

se a humanidade não amar?

o respeito não existirá e o

mundo não melhorará e a

raça humana não se depurará

e o ser humano não se elevará

ao espírito ou à alma ou ao ente

e à entidade superior geradora

do amor ou cultivadora da paz

e guiadora do humanismo

mais sublime que necessitamos

para também sermos sublimes

e ser sublime é amar ao ter

a certeza de que também é

amado pelo próximo que

da mesma forma tem a certeza de

que é um ser sublime e

nem precisamos então procurar

outra órbita ou vida noutro planeta

ou outro mundo profundo para

deixarmos imundo se não tivermos

o dom da garantia com o dom da

segurança junto da confiança

aqui mesmo construiremos a

nossa fortaleza pois aqui mesmo

edificaremos nosso castelo

em cima dos nobres rochedos

e nada nos ousará atacar pois

nada nos fará vacilantes já que

temos escudos e temos lanças

e temos espadas do nosso lado

e a nova muralha é intransponível

BH, 040702023; Publicado: BH, 0140702023.

O Relógio, Adilson Ramos.

Por que não paras, relógio?

Não me faças padecer
Ela irá para sempre
Breve o sol vai nascer

Não vês? Só tenho esta noite
Para viver nosso amor
Teu badalar me recorda
Que sentirei tanta dor

Detém as horas, relógio
Pois minha vida se apaga
Ela é a luz que ilumina meu ser
Sem seu amor não sou nada

Detém o tempo, eu te peço
Faz esta noite perpétua
Pra que meu bem não se afaste de mim
Para que não amanheça

Detém as horas, relógio
Pois minha vida se apaga
Ela é a luz que ilumina meu ser
Sem seu amor não sou nada

não me conheço

não me conheço

não te conheces

não se conhece

não nos conhecemos

não vos conheceis

não se conhecem

e é por isso que o mundo é um bololô danado

e a humanidade é esse bate cabeça

quebra pedra incessante com a

felicidade distante sem aportar num

jardim dum paraíso ou céu com botija

de mel ou arco-íris com pote de ouro ou

teta suculenta de leite ou uma mulher

fértil a exalar o aroma da vida ou o

cheiro de deus porém o mais teimoso

dos seres teimosos teimo em me conhecer

a mim mesmo ao me reconhecer em todas

as coisas ou em todas as causas ou em todos

os efeitos pois aí sim poderei dizer que

conheci ou reconheci a mim mesmo pois

planifiquei os hemisférios cerebrais ou

alinhei planetas ou alinhavei linhas dos

horizontes com agulhas imantadas das

rosas dos ventos das bússolas dos tempos

e nas ampulhetas de areias de extintos exoplanetas

outrora habitáveis bem antes da pré-história

contada em capítulos de tábulas do livro

de pedra lascada escrito a fogo a ferro de

lavas vomitadas de ventres de sois

enterrados ainda vivos

BH, 050402023; Publicado: BH, 020702023.

é preciso viver porém viver não é brincadeira não

é preciso viver porém viver não é brincadeira não

e havia um poeta que antigamente já cantava que

era preciso viver mas ainda hoje muito mais será

preciso viver pois continuará não ser brincadeira

a vida ou a morte principalmente para quem não

a quer ou para quem não sabe morrer pois morrer

também é uma sabedoria de vida ou uma filosofia

ou uma psicologia ou uma psiquiatria mas para

quem não tem um corpo caloso vascularizado

nada disso importa nem abrir a janela nem abrir a porta

ou acender a vela a luz do corredor ou o mundo girar

ou o universo se expandir ou retrair ou convergir ao caos

nada disso importa nem fazer o bem ou só fazer o mal

pois é o que todo mundo que possui o corpo caloso

vascularizado sabe fazer isso mesmo consciente

sabedor ciente embora não interesse mas só sabe fazer o mal

toda gente sem remorso sem sentimento de culpa

e continua mau a propagar a maldade ao vangloriar

em glórias o mal que censura no que não tem

o corpo caloso vascularizado

BH, 050402023; Publicado: BH, 020702023.