quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Sei que não devia; "Linhas Internas"; Publicado: BH, 02801102019.

Sei que não devia
Vir aqui falar contigo
Mas sou teimoso
E não desisto
E um dia ainda
Vou conseguir
A tua atenção
E bate-me na cara
E machuca-me
Se quiseres
E nem que tenha de morrer
Mas vais ser
Minha mulher
Não desistirei
E nem deixarei
De atormentar-te
Aonde fores
Estarei contigo
Podes me mandar embora
Mas vais perder tempo
Não vou te largar
Por nada neste mundo
Sei que não devia
Vir aqui
Mas sem tua companhia
Não sei voar
Não fico solto no espaço
E nem ando no ar
Só tu me fazes sorrir
Só tu me fazes sonhar
Podes me humilhar
Podes me acabar
Entrego a ti
O meu amor
Só te quero
Só quero te amar
Sei que não devia
Ter beijado tua boca
Uma boca louca
Que me deixou virado
Agora é tarde
E sem tu
Estou arruinado.

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Há muito tempo; "Linhas Internas"; Publicado: BH, 02701102019.

Há muito tempo
Que procuro uma mulher
Para dar a minha vida
E para que me dê
A sua vida
Há muito tempo
Que procuro uma mulher
Para dar o meu amor
E que me dê
O seu amor
E de manhã
Façamos café juntos
Mas hoje é difícil
De encontrar 
Um verdadeiro amor
E sempre sonhei
E sempre procurei
E sozinho e
Penso até 
Que as mulheres
Não se sentem
Atraídas por mim
Ou será que é porque
Não tenho dinheiro
Há muito tempo
Espero um amor
Que ainda não veio
E não sei se algum dia
Esse amor vai aparecer
Mas se eu não morrer
Continuarei a esperar
Pois há muito tempo
Procuro uma mulher
Para viver comigo
E eu viver com ela
E não será agora
Depois de muito tempo
Que vou desistir
Continuarei a esperar
Apesar do ditado dizer
Que quem espera
Nunca alcança
E tenho confiança no amor
E tenho esperança no amor
E tenho amor.

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Esse sorriso; "Linhas Internas"; Publicado: BH, 02601102019.

Esse sorriso
Que parece lindo
Que parece puro
E a vir do fundo
Da alma
Com toda clareza
Com toda franqueza
Que pude acreditar
Podes guardá-lo
Dentro do armário
Não me venhas mais
Com essa máscara
Na cara
Esse sorriso
Que parece amigo
Que me dava alegria
E que me dava prazer
Agora me faz chorar
Agora me faz sofrer
Esses dentes brancos
Que tanto me mostraste
Que tanto me morderam
Podes deixá-los 
No primeiro dentista
Que encontrares
Não os quero mais
Não quero mais tua boca
Era tudo falso
Não quero mais tua voz
Tua voz era falsa
Ponhas tu tudo na sacola
Pegues o caminho
Da tua casa
E vás embora
Não olhes para atrás
E nem digas nada
Só quero te ver partir
Com esse sorriso 
Que tanto amei
Com esse sorriso
Que me enganei.

Penses o que quiseres; "Linhas Internas"; Publicado: BH, 02601102019.

Penses o que quiseres
Fales o que pensares
E podes falar
Que sou psicopata
E que o meu mal
É psicológico
Nasci assim
E não sei mudar
Podes falar
Que a minha barba
É muito feia
Que o meu nariz
É bem grande
Que os meus beiços
São grossos
E o meu cabelo
É ruim
E não vou ligar
Com o que 
Andas a dizer
Se me importar
Vai ser pior
Se vieste
A querer brincar
Deram-te
O endereço errado
Não brinco
Em serviço
Na hora de amar
Amor
Na hora de brincar
Brincar
Se ficaste com raiva
Podes falar
À vontade
É bom
Para desabafar
Mas no fundo sei
Que não és assim
Apesar da máscara
Debaixo da tua face
Tem outra face
Com um sorriso de amor
Que é só para mim.

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Beth Carvalho , Canta Nelson Cavaquinho... Nome Sagrado - Cd Completo


Luiz Carlos da Vila canta Candeia - Sim, é Samba!

E estou em guerra outra vez, RJ, 1977; Publicado: BH, 02501102019.

E estou em guerra outra vez
Pela conservação da Amazônia
Pela não emancipação do índio
Pela anistia ampla geral e irrestrita
Pela volta do Estado de Direito
Pela organização de partidos operários e populares 
Pela libertação imediata de Flávia Schinlling
Pelas Liberdades Democráticas 
Pelo fim da ditadura militar brasileira
Pela liberdade de pensamento
Pela liberdade de expressão
Pela abolição da censura a todos os meios
Pela conservação das nossas riquezas
Pela expulsão das multinacionais
Contra as leis de exceção
Contra as torturas e mortes e 
Prisões e sequestros arbitrários
Pela educação das polícias civis e 
Militares e federal
Pelo respeito irrestrito aos direitos humanos
Por maior amparo ao povo trabalhador brasileiro
Por justiça social
Pelo direito do voto livre 
Pelo impedimento da posse do ditador João Baptista Figueiredo
E estou em guerra outra vez
Pela Central Geral dos trabalhadores Brasileiros. 

domingo, 24 de novembro de 2019

E estou em guerra; RJ, 1977; Publicado: BH, 02401102019.

E estou em guerra
Pelas liberdades democráticas
Pela anistia ampla geral e irrestrita
E estou em guerra
Pela liberdade de expressão
Pelo pleno direito do voto direto
E de escolhermos os nossos próprios governadores
E declarei guerra
Contra o abuso arbitrário das autoridades
E contra as pressões e prisões sem lógicas
E desrespeitos aos direitos humanos
E estou em guerra 
Pela extinção da censura
E pelo direito de opinar e participar
Da vida pública e civil do país
E estou em guerra 
Pelas cassações dos mandatos dos políticos corruptos
E pelo estado de direito
E estou em guerra
Contra a Ditadura
E o alto custo de vida
E estou em guerra
Contra o povo trabalhador brasileiro
Que dorme eternamente
Em berço esplendido
E não acorda para a realidade
E estou em guerra
Pelos oprimidos
E contra os opressores e suas opressões
E declarei guerra total
Pela volta da Democracia
Democracia livre e não relativa
E declarei guerra 
Pela falta de diálogo
E pela falta de explicações
Das mortes de pessoas
Nos departamentos federais
De polícias deste país
E estou em guerra 
Contra a deportação e expulsão
Do coração da Pátria
De cérebros e de intelectuais brasileiros
E grito pela volta de nossos irmãos exilados
De nossos irmãos banidos
Que se encontram há tantos anos
Longe dos seus e da sua terra
E estou em guerra
Por causa da vergonha que sinto
De ter que aguentar calado 
De ter que aceitar calado
Tantas coisas que sinto
E que vejo
Sem nada poder fazer
E estou em guerra comigo mesmo
Pela minha inutilidade
Pela minha mesquinhez
E pela minha comodidade
E estou em guerra
A favor dos operários
E dos assalariados
E estou em guerra
Pela ocupação ao cargo de ministros
Por pessoas mais competentes
E mais brasileiras
E não ministros corrompidos
E entreguistas e imbecis
Que nada sabem o que dizem
E que nada fazem
E estou em guerra
A favor do povo
Pelo povo
E para o povo
E estou em guerra
Pelo direito humano
De poder ser livre
E pelo direito humano 
De poder viver
E estou em guerra sim
Sim estou em guerra.

sábado, 23 de novembro de 2019

Um beijo jogado fora, RJ, 1977; Publicado: BH, 02301102019.

Um beijo jogado fora
Numa noite de sexta-feira
De chuva de verão
Pancadas de coração
Eram ouvidas na esquina
Da rua escura e sem saída
Corpos remoídos e massacrados
Encostados um ao outro
A deixar escapar
Gemidos de desespero
Pela rua a fora
Vararam noite a dentro
Ecos loucos e arranhões
De unhas a se encontrar
Dos olhos escapavam faíscas
De desejo e de ardor
A garganta dilacerada
Pela punhalada do beijo
Pela espada lacerante
Deixava às mostras as marcas
Dum verdadeiro amor
O peito arfou cansado
A cabeça pendeu para o ombro
Mais um beijo escorregou
E se perdeu com os pingos da chuva
E ficou o vulto de lado
Dum corpo que estava a se espremer
Um pensamento ainda recordava
A cena de segundos atrás
Um sorriso de alívio
Raiou nos lábios beijados
As carnes já machucadas
Não sentiam mais a dor
As marcas da recordação
Vão ficar gravadas no coração
Daquela noite de amor
Pé ante pé se afastou 
A perder-se na escuridão
Não disse uma palavra
Apenas mais um sorriso
Um gesto de puro carinho
E um olhar de gratidão
Cheia de essência da vida
De fragrância e de frescor
Caminhou como a brisa
E se sumiu no amanhecer
E nem o rosto daquele beijo
De perto deu para ver.

E tenho que chegar à conclusão; RJ, 1977; Publicado: BH, 02301102019.

E tenho que chegar à conclusão
De que é que quero
Tenho é que correr atrás
Tenho é que ir à luta
E nada vai chegar às minhas mãos
Sem mais nem menos
E tenho que chegar à conclusão
De que é necessário
Ter ânimo e ter coragem
E é necessário brigar e lutar
Exigir e procurar
Aquilo que a gente quer
E se a gente não correr atrás
E não for ao encontro
E pode ficar a esperar
Igual a um idiota
À margem da vida
E a vida toda
E se a gente não for à luta
A vitória virá sempre mais tarde
E é preciso arriscar
E às vezes jogar tudo
Para não ganhar nada
E abra o peito
E rasga a voz
E levanta a cabeça
E vá à luta
E corra atrás
E chegues à conclusão
De que é preciso ir à luta
Para ganhar a guerra
E chegues à conclusão
De que é preciso correr atrás
Para chegar na frente.  

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Lamentação; RJ, 0401201977; Publicado: BH, 02101102019.

Hoje dia 4 de Dezembro
E ainda não recebi
Meu pagamento de Novembro
E não sei até quando
Aguentarei isto aqui
Já estou a ver a hora
De mudar de vida
E de trabalho
Ganho Cr$3.500,00
E sempre recebo com atraso
E não posso nem assumir
Um compromisso sério
E paguei o colégio
Todos os meses com atraso
E quando penso que as coisas
Estão a melhorar para o meu lado
Vejo tudo ao contrário
E se não fosse um ano que perdi aqui
Já estaria com quatro anos de firma
Infelizmente me tiraram um ano
E agora tenho três anos de firma
Três anos jogados fora
E não faz diferença
Mais anos menos anos
E tenho é que arrumar
Algo melhor e mais seguro
E ganhar um pouco mais
E o que se faz com Cr$3.500,00
Numa cidade
Tal qual o Rio de Janeiro?
É receber aqui 
E deixar ali na frente
E nesse mês de Novembro que passou
Não saí um fim de semana
E vai para mais de dois meses
Que não pego uma mulher
E nem sequer fui ao cinema
E só tomei um porre de vinho
Num sábado qualquer
Porém todo mundo
Ficou a reclamar
Qualquer empreguinho aí
Paga mais do que aqui
E na sala de aula
Todo mundo ganha mais do que eu
E a rapaziada da minha idade
Quase toda já tem
O seu próprio carro
E o pior é que eu
Não sei me revoltar
Não sei dizer um basta nisto aqui
E partir para outra
E o pior é que eu
Tenho medo de sair daqui
E ir para um lugar pior
E tenho medo de arriscar
Se me surgisse uma boa oportunidade
Se me surgisse um novo e bom emprego
Porra
Quando é que vai surgir?
Vai fazer cinco anos
Que estou no Rio de Janeiro
E para ser franco
Ainda não tive aqui
A minha grande oportunidade
A minha grande chance
Só se eu tive
E dormir no ponto
Por que às vezes
A oportunidade vem
E pega as pessoas desprevenidas
A dormir ou a cochilar
E tenho que me manter alerta
E com os sentidos aguçados
E não posso me desanimar
E vou aguentar a barra por aqui
E apesar de tudo
É daqui que sai
O pouco de dinheiro que recebo
E que ainda dá para um porre mensal
E é uma merda
E uma verdadeira merda
Porém o que se há de fazer?
E tenho que ir ao médico
E fazer um check-up
Para ver o que vem a causar
Uma erupções infecciosas
Em minha pele
E tenho que ir ao dentista
E tenho que fazer exame de vistas
E comprar óculos novos
E tenho que fazer 
Um monte de exames
E uma recauchutagem geral
E renovar matrícula no colégio
E dar a parte da contribuição em casa
E só quero ver
Como vou me arranjar.

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Reencontro; RJ, 1977; Publicado: BH, 02001102019.

Nada mudou
Tudo passou
E passei
E passaste
Nada passou
Tudo mudou
E mudei
E mudaste
Estás mais magra
Creio que não é regime
É fome mesmo
E estou mais gordo
Creio que não é regime
É cerveja mesmo
Lembra daquele dia
Debaixo da marquise
Porque a chuva caía
E nos molhava
Não podíamos ficar na chuva
Fomos para a marquise
Agarrados um no outro
Ias para o colégio
Te fiz matar aulas
E ficamos a curtir
Altos beijos em bocas
Altas carícias
Altas palavras baixas e profundas
Nos pés dos ouvidos
Mordidinhas nos pescoços
Nos queixos e nas orelhas
E nada acabou
E tudo ficou
E estou aqui 
E estás aí
E nada ficou
E tudo acabou
E estou mais velho
E estás mais velha
Vamos fazer amor
Em qualquer marquise
Em qualquer muro
Com beijos e carícias
E mordidinhas e palavrinhas
Nos pés dos ouvidos
Com gemidinhos e orgasmos
Orgasmos profanos
Tirados de dentro da alma
E nem te lembras mais
E nem sabes mais
Do que sou capaz
Não te despeças de mim
Antes de provar
O novo sabor
De minha língua
Estou a usar dentaduras
E usas peruca
E cílios e pestanas postiços
 E estás mais barriguda
E de seios caídos
E estou a ficar careca
E minha barriga está a crescer também
E as rugas a aparecer
E as olheiras acentuadas
E os dentes falsos amarelados
E a visão está a falhar
E o coração enfraquecido
E a massa cinzenta
Já não funciona mais 
E não quero parar agora
E não quero passar agora
E não quero morrer agora
Antes de te conhecer novamente
E busques nos meus olhos embaçados
E busques nos meus olhos esbugalhados
Alguma coisa que ainda está a faltar em tua composição
 E tua transformação
E tua metamorfose
Vai me fazer vivo
Vai me fazer sentir vivo
E tudo passou
E não me interessa
E não te interessa
É tempo de começar
E é tempo de renovar
As nossas almas
E nossos espíritos
Vamos agora neste reencontro.

Amar; RJ, 1977; Publicado: BH, 02001102019.

Viver
Olhar
Escutar
Indagar
Conversar
Observar
Fazer
Agir
Amar.

Ser homem; RJ, 1977; Publicado: BH, 02001102019.

Nascer homem 
É um fator comum
Ser homem 
É diferente
Ser homem
Não é nascer homem
Fator coum
Ser homem 
É assumir
A personalidade de homem
É assumir o carácter e a liberdade 
O pensamento e a opinião
É assumir o sexo
Sem precisar depender
Do mesmo sexo
Ser homem
É ser livre
É assumir
A cultura e o intelecto
É assumir
A verdade e a realidade
A razão e a certeza
Ser homem
É assumir
O amor e a paz
Sem preconceitos
Sem reflexos
E sem complexos.

Só Deus sabe; RJ, 1977; Publicado BH, 02001102019.

Só Deus sabe
Só Deus conhece
As doenças que giram
Por meu soma
Só Deus enxerga
Só Deus vê
Os germes e os vermes
Os micróbios e os micro-organismos
Que passeiam por meu corpo
E só Deus pode sarar
Só Deus pode curar
Só Deus pode purificar o meu sangue
E depurar o meu sangue 
E deixá-lo novo
Só Deus sabe dos meus males
Só Deus sabe das minhas dores
E peço a Deus agora
Nesta pequena oração
Que todas as doenças que tenho
E que todos os germes que tenho
E que todos os vermes que tenho
E que todos os micróbios que tenho
E que todos os micro-organismos que tenho
E que todo o meu sangue ruim
Não passem para mais ninguém
E que morra tudo comigo
E que seja tudo enterrado com o meu soma
E que apenas o meu corpo seja o contaminado
E que não venha contaminar àqueles que me cercam
E a terra que vai me enterrar
Espero que Deus ouça
Espero que Deus atenda
Esta pequena oração
E que a doença do meu coração
Não passe nunca para outro
Porque só Deus conhece
Porque só Deus sabe
De tudo do meu coração.

Paro em frente ao espelho; RJ, 1977; Publicado: BH, 02001102019.

Paro em frente ao espelho
E olho para mim
E penso que preciso mudar a minha imagem
E o meu penteado
E a minha barba
E as posições faciais
E todo dia é a mesma coisa
E a mesma imagem
E a mesma cara
E o mesmo jeito
E tenho que mudar de face
O mundo já enjoou desta minha face velha
Velha e carrancuda
E estou a ficar careca
E o meu cabelo está a cair
E a minha espinha está a curvar-se
E a minha barriga está a crescer-se
E já não tenho mais aqueles músculos de outrora
E já não tenho mais aquela elegância natural
Que só eu tinha
E estou a sumir
E estou a perder
E estou a desaparecer
E estou a morrer
Paro em frente a espelho 
E olho para mim
E vejo os meus reflexos
E vejo os meus complexos
E fico a refletir
E entre as minhas derrotas
Fui eu mesmo
E o meu maior problema
Sou eu mesmo
E não vale a pena
Ficar a refletir em frente ao espelho
Alma tão pequena.

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Caminhança; RJ, 1977; Publicado: BH, 01901102019.

A caminhar sem parar
Cheguei ao nascer do sol
No fim do mundo
No princípio de tudo
No fim de tudo
No começo da vida
E passei pelo horizonte
E dei bom-dia ao universo inteiro
Com sentido e com razão
Sabia o significado
Da palavra que dizia
A caminhar ainda mais
Tropecei no fim do dia
Esbarrei na noite
Que vinha pela contra-mão
E a lua chamou a sua atenção
Porque a noite já estava atrasada
E a passar da hora de chegar
Chegou e rasgou o véu 
A deixar cair do céu
Bilhões de estrelas
Catei todas uma por uma
Que ficaram penduradas
Na face do firmamento
Iguais tais vaga-lumes
Perdidos na noite
A vagar na noite
A querer amar
Mas o amor corre
Noite a dentro
E o vaga-lume morre
No seu tormento.

E sou este rato morto, RJ, 1977; Publicado: BH ,O1901102019.

E sou este rato morto
Na beira desta calçada
E todo mundo passa
E passa longe
Ai que nojo
Olha um rato morto
Salta por cima
Que nojeira
Um rato morto
E sou um rato morto
Na beira duma calçada
O queijo que fui roer
Estava envenenado
Agora estou aqui
Morto e esticado
E sou um rato morto
Rato podre e mofado
E nem as moscas e mosquitos
Se atrevem a pousarem em mim
E uma barata que vinha a passear
Pelo canto da parede
E quando me viu
Deu um gritinho
Que horror
Um rato morto
Bem no meio do meu caminho
E sou um rato morto
Na beira desta calçada
E meu corpo inerte
Mete nojo e horror
E até que veio a chegar
Um homem com uma vassoura
E uma pá
Parecia ser um homem bom
E era um lixeiro
Um lixeiro bom
Olhou-me e nem disse nada
E não disse nada
E não sentiu nojo
E não sentiu horror
Um lixeiro bom
Cumpridor dos seus deveres
E pegou-me com todo o cuidado
E colocou-me dentro do carro de lixo
Que alívio sentir
Que alívio sentiu a calçada
Que alívio sentiu o mundo
Que alívio sentiu a barata
Que alívio sentiu o sol
Que ressecava-me os restos de ossos
Até que levaram-me
E não sei mais para aonde
Parecia um grande enterro
Mas foi bom para todos nós
Rato morto
Calçada
Barata
Sol.

José Saramago, INTIMIDADE.

NoNNoNa mais secreta,

INTIMIDADE

No coração da mina mais secreta
No interior do fruto mais distante,
Na vibração da nota mais discreta,
No búzio mais convolto e ressoante,

Na camada mais densa da pintura,
Na veia que no corpo mais nos sonde,
Na palavra que diga mais brandura,
Na raiz que mais desce, mais esconde,

No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade.