quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Noturno Nº 30; BH, 0180702011; Publicado: BH, 0300802012.

Não corras meu filho tens a madrugada
Toda pela frente não perderás o noturno
Não atropeles o tempo não violes nem
Sejas violado o estupro ao poeta é não
Reconhecer a obra seviciar ao poeta é
Desprezar as criaturas os filhotes as
Crias criações a dispensa está cheia
As provisões não faltarão o pão nosso
De cada dia estará garantido à mesa
Do poeta não corras com desespero
De velocista corras com a sabedoria
Dum fundista maratonista é assim
Que deves ser com experiência a
Vida tem mais prolongamentos
Deixa à disposição mais proventos
Que servirão à nossa sobrevivência
Não corras meu filho queres o além
Queres o infinito quebrar as barreiras
Dos cinturões celestiais as estrelas não
Ficam tão perto a viagem poderá ser
Eterna talvez até póstuma mas
Chegaremos lá um dia em tempo nem
Atrasados nem adiantados aproveitas
Vem a madrugada com calma serenidade
De sereno silêncio de orvalho a cair em
Pétalas de aveludados noturnos não
Queiras mais do que isso pensas que
Basta a ti o bastar da vibração do
Pensamento que te alimenta te dá
Força para seguires os noturnos estelares
Que desprendem das constelações são
Aguardados meteoritos luminosos nas
Trevas da mente não corras meu filho

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Álvaro de Campos/Fernando Pessoa, Se te queres matar; BH, 0280802012.

Se te queres matar, por que não te queres matar?
Ah aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria...
Ah se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas,
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por atores de convenções e poses determinadas,
O circo policromo do nosso dinamismo sem fim?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente...
Talvez, acabando, comeces...
E, de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!

Fazes falta?
Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te...
Talvez peses mais durando, que deixando de durar...

A mágoa dos outros?...
Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão...
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
Quando não são de coisas nossas,

Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte,
Porque é a coisa depois da qual nada acontece aos outros...

Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda
Do mistério e da falta da tua vida falada...
Depois o horror do caixão visível e material,
E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali.
Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas,
Lamentando entre as últimas notícias dos jornais da noite,
Intersecionando a pena de teres morrido com o último crime...
E tu mera causa ocasional daquela carpidação,
Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas...
Muito mais morto aqui que calculas,
Mesmo que estejas muito mais vivo além...

Depois a retirada preta para o jazigo ou a cova,
E depois o princípio da morte de tua memória.
Há primeiro em todos um alívio
Da tragédia um maçadora de teres morrido...
Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
E a vida de todos os dias retorna o seu dia...

Depois, lentamente esqueceste.
Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste.
Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.

Encara-te a frio e encara a frio o que somos...
Se queres matar-te, mata-te...
Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência!...
Que escrúpulos ou receio tem a mecânica da vida?
Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera
A seiva, e a circulação do sangue, e o amor?
Que memória dos outros tem o ritmo alegre de vida?

Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem,
Não vê que não tens importância absolutamente nenhuma?

És importante para ti, porque é a ti que te sentes.
És tudo para ti, porque para ti és o universo,
E o próprio universo e os outros
Satélites da tua subjetividade objeta.
És importante para ti porque só tu és importante para ti.
E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?

Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?
Mas o que é conhecido? o que é que te conheces,
Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?

Tens, como Falstaff, o amor gorduroso da vida?
Se assim a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente:
Torna-te parte carnal da terra e das coisas!
Dispersa-te, sistema físico-químico
De células noturnamente conscientes
Pela noturna consciência da inconsciência dos corpos,
Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências,
Pela relva e a erva da proliferação dos seres,
Pela névoa atômica das coisas,
Pelas paredes turbilhonantes
Do vácuo dinâmico do mundo...

                                                                                    26/4/1926


Babilak Bah, Acaso... ; BH, 0280802012.

Não me pergunte sobre o acaso
Se por acaso me quiser
Quer saber donde vim?
Pergunte às estrela.
Acaricio terras morenas
Costas africanas, úmidas de mim,
Não vejo Olinda há muito tempo
Mesmo assim, deixo em tuas mãos
A praia do pepino.
Ninguém registrou em seus papiros;
Talvez nos pergaminhos mais secretos,
Um romance atlântico nos olhos do povo.

Tomás Antônio Gonzaga, Lira XXV; BH, 0280802012.

O cego Cupido um dia
Com os seus Gênios falava
Do modo, que lhe restava
De cativar a Dirceu.
Depois de larga disputa,
Um dos Gênios mais sagazes
Este conselho lhe deu:

As setas mais aguçadas,
Como se em rocha batessem,
Dão no peito seu, e descem
Todas quebradas ao chão.
Só as graças de Marília
Podem vencer um tão duro,
Tão isento coração.

A fortuna desta empresa
Consiste em armar-se o laço,
Sem que sinta ser o braço,
Que lho prepara, de Amor:
Que ele vive como as aves,
Que já deixaram as penas
No visco do caçador.

Na força deste conselho
O raivoso Deus sossega,
E à tropa a honra entrega
De o fazer executar.
Todos pretendem ganhá-la;
Batem as asas ligeiros,
E vão as armas buscar.

Os primeiros se ocultaram
Da Deusa nos olhos belos:
Qual se enlaçou nos cabelos,
Qual às faces se prendeu.
Um amorinho cansado
Caiu dos lábios ao seio,
E nos peitos se escondeu.

Outro Gênio mais astuto
Este novo ardil alcança,
Muda-se numa criança
De divino parecer.
Esconde as asas, e a venda;
Esconde as setas e quanto
Pode dá-lo a conhecer.

Ela que vê um menino
Todo de graça coberto,
Tão risonho, e tão esperto
Ali sozinho brincar,
A ele endireita os passos;
Finge Amor ter medo, e a Deusa
Mais se empenha em lhe pegar.

Ela corria chamando;
Ele fugia, e chorava:
Assim foram onde estava
O descuidado Pastor.
Este, mal viu a beleza,
E o gentil menino, entende
A malícia do traidor.

Põe as mãos sobre os ouvidos,
Cerra os olhos, e constante
Não quer ver o seu semblante,
Não o quer ouvir falar.
Qual Ulisses numa idade
Para iludir as Sereias
Mandou tambores tocar.

Cupido que a empresa via,
Julga o intento frustrado
E de raiva transportado
O corpo no chão lançou.
Traçou a língua nos dentes;
Meteu as unhas no rosto,
E os cabelos arrancou.

O Gênio, que se escondia
Entre os peitos da Pastora,
Ergueu a cabeça fora,
E o sucesso conheceu.
Deixa o sossego em que estava,
E vai ligeiro meter-se
No peito do bom Dirceu.

Apenas no branco peito
Lhe tocou a neve fria,
Com o calor, que trazia,
Lhe abrasou o coração.
Dá o Pastor um suspiro,
Abre os seus olhos, e solta
Do apertado ouvido a mão.

Logo que viram os Gênios
Ao triste Pastor disposto
Para ver o lindo rosto,
Para as palavras ouvir,
Cada um as armas toma,
Cada um com elas busca
Seu terno peito ferir.

Com os cabelos da Deusa
Lhe forma um Cupido laços,
Que lhe seguram os braços,
Como se fossem grilhões.
O Pastor   já não resiste;
Antes beija satisfeito
As suas doces prisões.

Louise Labé, Foi predito... BH, 0280802012.

Foi predito eu devia firmemente
Amar, um dia, alguém cuja figura
Me foi descrita, e sem melhor pintura,
O encontrei quando o vi primeiramente.

Depois o vendo amar tão fatalmente,
Me condoeu a sua desventura.
De tal modo forcei minha natura
Que a exemplo dele amei ardentemente.

Quem não pensou devesse florescer
O que o Céu, como o destino, fez nascer?
Mas quando vejo fúnebres aprestos,

Ventos cruéis, horrível furacão,
Creio que foram infernais arestos
Que, ao longe, urdiram minha perdição.

Tito Júlio Fedro, A ovelha, o veado e o lobo; BH, 0280802012.

Fraudador que convoca fiadores ímprobos para um
Negócio, não está interessado no pagamento e, sim, em logro.
O veado pede à ovelha um módio de trigo, tendo o lobo como fiador.
Ela, receando, com antecedência, um dolo (diz):
"O lobo sempre costuma raptar e fugir.
Tu (também costumas) desaparecer da vista num ímpeto veloz.
Onde irei requisitá-los, quando chegar o dia (do acerto)?"

Mário Quintana, O Poema do Amigo; BH, 0280802012.

Estranhamente esverdeado e fosfóreo,
Que de vezes já o encontrei, em escusos bares submarinos,
O meu calado cúmplice!

Teríamos assassinado juntos a mesma datilógrafa?
Encerráramos um anjo do Senhor nalgum escuro calabouço?

Éramos necrófilos
Ou poetas?
E aquele segredo sentava-se ali entre nós todo o tempo,
Como um convidado de máscara.

E nós bebíamos lentamente a ver se recordávamos...

E através das vidraças olhávamos os peixes maravilhosos e terríveis
Cujas complicadas formas eram tão difíceis de compreender
Como os nomes com que os catalogara Marcus Gregorovius
Na sua monumental Fauna Abyssalis.

Nietzsche, Mesmo com risco; BH, 0280802012.

Mesmo com risco de escandalizar os ouvidos inocentes, sustento que
O egoísmo pertence à essência das almas nobres: entendo afirmar essa
Crença imutável que a um ser como "nós somos", outros seres devem
Ser submetidos, outros seres devem se sacrificar.
A alma nobre aceita a existência de seu egoísmo sem escrúpulos e
Também sem experimentar nenhum sentimento de dureza, de coação, de
Capricho, mas antes como algo que deve ter sua razão na lei fundamental
Das coisas.
Se ela quisesse dar um nome a esse estado de fatos, diria:
"É a própria justiça".
Ela confessa, nessas circunstâncias que primeiramente a fazem hesitar, que
Há seres cujos direitos são iguais aos seus: desde que ela resolveu essa
Questão de grau, ela se comporta para com seus iguais, privilegiados como
Ela, com o mesmo tato de pudor e no respeito delicado como em suas
Relações consigo mesma - em conformidade com um mecanismo celeste
Que toda estrela reconhece.
É ainda um sinal de seu egoísmo essa delicadeza e essa circunspecção em
Suas relações com seus semelhantes.
Cada estrela está animada desse egoísmo: ela se honra a si mesma nas
Outras estrelas e nos direitos, que ela lhes confere; não duvida que essa
Troca de honras e de direitos, como essência de toda relação, pertença
Também ao estado natural das coisas.
A alma nobre toma como ela dá, por um instinto de equidade apaixonado e
Violento que ela tem no fundo de si mesma.
O conceito "graça" não tem sentido, não goza de simpatia inter pares (entre
Iguais); pode have aí uma maneira sublime de fazer descer sobre si os
Benefícios do alto e de bebê-los avidamente como gotas de orvalho, mas
Uma alma nobre não nasceu para essa arte e para essa atitude.
Seu egoísmo cria aqui obstáculo: ela não olha de bom grado "para o alto",
Mas antes para a frente, lentamente e em linha reta, ou para abaixo: - ela
Sabe que está no alto.

Mario Quintana, A voz subterrânea; BH, 0280802012.

Às vezes ouvia-se um canto surdo,
Que parecia vir debaixo da terra.
Até que os homens da superfície,
Para desvendar o mistério,
Puseram-se a fazer escavações.
Sim! eram os homens das minas,
Que um desabamento ali havia aprisionado.
E ninguém suspeitava da sua existência,
Porque já haviam passado três ou quatro gerações!
Mas a luz forte das lanternas não os ofuscou:
Eles estavam cegos
 - Todos, homens, mulheres, crianças.
Eles estavam cegos... e cantavam!

Casimiro de Abreu, Segredos; BH, 0280802012.

Eu tenho uns amores - quem é que os não tinha
Nos tempos antigos? - Amor não faz mal;
As almas que sentem paixão como a minha,
Que digam, que falem em regra geral.

 - A flor dos meus sonhos é moça bonita
Qual flor entr'aberta do dia ao raiar;
Mas onde ela mora, que casa ela habita,
Não quero, não posso, não devo contar!

Seu rosto é formoso seu talhe elegante,
Seus lábios de rosa, a fala é de mel,
As tranças compridas, qual livre bacante,
O pé de criança, cintura de anel.

 - Os olhos rasgados são cor das safiras,
Serenos e puros, azuis como o mar:
Se falam sinceros, se pregam mentiras,
Não quero, não posso, não devo contar!

Oh! ontem no baile com ela valsando
Senti as delícias dos anjos do céu!
Na dança ligeira qual silfo voando
Caiu-lhe do rosto seu cândido véu!

 - Que noite e que baile! - Seu hálito virgem
Queimavam-me as faces no louco valsar,
As falas sentidas, que os olhos falavam,
Não quero, não posso, não devo contar!

Depois indolente firmou-se em meu braço,
Fugimos das salas, do mundo talvez!
Inda era mais bela rendida ao cansaço,
Morrendo de amores em tal languidez!

 - Que noite e que festa! e que lânguido rosto
Banhado ao reflexo do branco luar!
A neve do colo e as ondas dos seios
Não quero, não posso, não devo contar!

A noite é sublime! - Tem longos queixumes,
Mistérios profundos que eu mesmo não sei:
Do mar os gemidos, no prado os perfumes,
De amor me mataram, de amor suspirei!

 - Agora eu vos juro... Palavra! - não minto!
Ouvi-a formosa também suspirar;
Os doces suspiros, que os ecos ouviram,
Não quero, não posso, não devo contar!

Então nesse instante nas águas do rio
Passava uma barca, e o bom remador
Cantava na flauta: - "Nas noites d'estio
O céu tem estrelas, o mar tem amo!"

E a voz maviosa do bom gondoleiro
Repete cantando: - "viver é amar!" -
Se os peitos respondem à voz do barqueiro...
Não quero, não posso, não devo contar!

Trememos de medo... a boca emudece
Mas sentem-se os pulsos do meu coração!
Seu seio nevado de amor se entumece...
E os lábios se tocam no ardor da paixão!

 - Depois... mas já vejo que vós, meus senhores,
Com fina malícia quereis me enganar;
Aqui faço ponto; - segredos de amores
Não quero, não posso, não devo contar!

Manoel de Barros, Auto-retrato; BH, 0280802012.

Ao nascer eu não estava acordado, de forma que
Não vi a hora.
Isso faz tempo.
Foi na beira de um rio.
Depois eu já morri 14 vezes.
Só falta a última.
Escrevi 14 livros
E deles estou livrado.
São todos repetições do primeiro.
(Posso fugir de outros, mas não posso fugir de mim).
Já plantei dezoito árvores, mas pode que só quatro.
Em pensamentos e palavras namorei noventa moças,
Mas pode que só nove.
Produzi desobjetos, 35, mas pode que onze.
Cito os mais bolinados: um alicate cremoso, um
Abridor de amanhecer, uma fivela de prender silêncios,
Um prego que farfalha, um parafuso de veludo etc etc.
Tenho uma confissão: noventa por cento do que
Escrevo é invenção; só dez por cento que é mentira.
Quero morrer no barranco de um rio: - sem moscas
Na boca descampada!

Manuel Bandeira, Boda Espiritual; BH, 0280802012.

Tu não estás comigo em momentos escassos:
No pensamento meu, amor, tu vives nua
 - Toda nua, pudica e bela, nos meus braços.

O teu ombro no meu, ávido, se insinua.
Pende a tua cabeça.
Eu acaricio-a...
Afago-a...
Ah, como a minha mão treme...
Como ela é tua...

Põe no teu rosto o gozo uma expressão de mágoa.
O teu corpo crispado alucina.
De escorço
O vejo estremecer como uma sombra n'água.

Gemes quase a chorar.
Suplicas com esforço.
E para amortecer teu ardente desejo
Estendo longamente a mão pelo teu dorso...

Tua boca sem voz implora em um arquejo.
Eu te estreito cada vez mais, e espio absorto
A maravilha astral dessa nudez sem pejo...

E te amo como se ama um passarinho morto.

Llewellyn Medina, Ode à Estação Primeira; BH, 0280802012.

A noite era propícia
Aos milagres e encantamentos
Duendes irreverentes
Bailavam com etérea elegância
Deuses poderosos sorriam felizes
Pois já sabiam
Da miríade iluminada
Que começava a nos invocar
Alacremente.

Corações apertados
Cantavam felizes
Cantos pagãos
Enquanto aguardavam
As coortes de estilizados semi-deuses
Prestes a deslizar sua glória
No desfile das campeãs.

Veio lá de longe
O som tangido por Pã
Dezenas
Centenas de surdos
Cuícas
Repiniques
Pandeiros r tamborins
Marcavam uma batida
Tão retumbante
E que de tal forma
Inebriavam os sentidos
Que nem as sereias de Ulisses
Capazes seriam de imitar.

Vieram as cores
Profusão de cores
Tantas cores
Que o espectro do arco-íris
Reduzia a duas:
Verde e rosa
Rosa e verde
Eram cores que cobriam as alas
Tornando-as mais belas que um campo de trigo
Em floração.

As pessoas pareciam não ter identidade
Não eram pessoas apenas
Eram sambistas
Passistas
Baianas
Mulheres/mulatas
Era uma horda
Era um exército
Era uma nação que desfilava.

E nas arquibancadas
Os súditos rugiam ruidosamente
Mais do que os romanos ávidos
Rugiam no Coliseu
Mas aqui só havia vencedores
Era a celebração do Carnaval
Do Carnaval do Rio de Janeiro
Que somente se explica
E tem razão de ser
Quando a Mangueira
Soberanamente levita
No desfile das campeãs.

domingo, 26 de agosto de 2012

Nietzsche, Os Homens Escondidos; BH, 0260802012.

Vocês nunca encontraram desses homens que retêm e
Comprimem o entusiasmo de seu coração e preferem
Tornar-se mudos que perder o pudor da medida? -
E esses homens incômodos e muitas vezes tão bonachões
Não os encontraram ainda, esses homens que não querem
Ser reconhecidos e que apagam sempre suas pegadas na
Areia, que chegam até a se enganar, eles e os outros, para
Permanecer escondidos?

Noturno Nº 29; BH, 0180702011; Publicado: BH, 0260802012.

A minha ansiedade por parir não está no roteiro
Natural é um script que não conheço a íntegra
Da ânsia a angústia que me deprime é não ver
Meu filho chorar recém-nascido mover as
Perninhas os bracinhos fazer caretinhas
Ofuscado pela luz na qual veio parar pari
Todo dia toda hora é tudo que pulsa vibra
Mexe remexe dentro de mim os filhos
Latejam aprisionados acorrentados nas
Grutas forçam a bolsa arrebentam a
Placenta não escolhem momento para
Nascer nascem eternamente infinitamente
São teimosos querem muito é a posteridade
É a eternidade tenho que ser mãe pai parteiro
Tenho que fazer o parto sem ser especialista
Muitos nascem com anomalias com síndromes
Algum tipo de deficiência rara desconhecida
Não nasce um genial sensacional especial todos
São tão iguais que dificulta-me observar
Diferenças qualidades critérios sabem que
Independem de mim querem nascer que seja
A carne que seja o osso o espírito querem que
Seja a via não importa a que preço a que custo
Não importa o que me causarão querem nascer
Devoram-me as entranhas danificam-me o
Organismo fazem com que meu cadáver
Pareça vivo com as suas ressonâncias
Disputam com os negros vermes cada
Naco de carne que possa gerar um
Artifício que os leve de encontro à luz

Noturno Nº 28; BH, 0170702011; Publicado: BH, 0260802012.

Um poeta sempre arruma pretexto
Texto contexto a noite é um motivo
A mais a alegrar a alma sonâmbula
Espírito irrequieto que não concilia
Sono passa a olhar poemas saltitantes
Como saltimbancos malucos mambembes
Que fazem espetáculos ao poeta
Desperto mas não estou confortável
Neste papel incomoda-me o desconhecido
Não vislumbra-me a novidade
Almejo cura a sanidade o pleno
Reestabelecimento normal nada
Demais mas me olham com esses
Olhos que não são os meus com lupas
Aumentam meus defeitos até
Escondidos são classificados
Sem vontade ânimo pela primeira
Vez reconheço que não funciona
Um maquinismo no organismo
Falta uma peça sobressaltado
Tento corrigir o defeito com um
Efeito colateral porei fim à série
Falo sério não vejo mais motivo
Para acordar os noturnos notívagos
Os deixarei onde estão sem nenhuma
Curiosidade sumiram não os
Procurarei não quero mais encontrá-los
Em espaço ou dimensão falhei
Na missão de cadastrá-los
Exercer uma paternidade fui
Patético a porteira dormiu aberta
Acordados pela tempestade aproveitaram
O descuido voltaram às suas moradias

Noturno Nº 27; BH, 0170702011; Publicado: BH, 0260802012.

É noite não estou seguro de mim tremo
Temo teimo por alguma coisa que não
Sei o que é pensei em desistir voltar no
Meio do caminho mas a estrada é mal
Iluminada meus pés não têm lâmpadas
Os vaga-lumes tão úteis numa noite
Desta sumiram das histórias os
Pirilampos tão frequentes em poemas
Em poesias na alma da gente jazem
Distantes no breu das trevas agonizantes
Não tenho mais satisfação nem sensação
Como antigamente ouço perturbações
Vejo inquietações desassossegos nas
Fímbrias não é isso que quero quero o
Que está perto dentro de mim que pode
Elevar-me num pêndulo pode fazer
De mim um peso que contrabalance
Amanhã pararei a jornada não sei a
Pousada que sustentarei com os meus
Restos mortais peço para a noite que
Não seja eterna para mim mas alterne
Dia noite boa ruim nunca só nunca
Nunca só não nem nunca só sim alterne
O bem o mal a razão a desrazão serei
Normal homem humano fera regato
Cordeiro carneiro qualquer cor apto a
Ser um ser superior a ser um estilo
Que tenha estampa que tenha enredo
Determinação de quem quer sem
Ansiedade a noite toda amar sem
Angústia quando a madrugada
Chegar encontrar alicerce no dia
Na construção da catedral pedra
Sobre pedra desenho por desenho
Vitral por vitral como se fosse uma
Mariposa a voar ao redor da lua

Noturno quase improvisado, Nº 26; BH, 0170702012; Publicado: BH, 0260802012.

Isto enobrece-me pensas
Que não mas é um grande fato
Não cheira a boato numa quebra
De rotina desprevenida é tomar todo
Cuidado com o ardil que será usado
Contra para minar desviar a atenção
Estou aqui de sentinela poso de atalaia
Exponho um pouco de psicologia com
Filosofia para enfrentar a noite de
Longa jornada alua observa-me do
Allto no cimo de minha cabeça não
Faz graça só exige de mim inspiração
Quer minha meditação imaginação
Refinada é exigente cobra mesmo
Alguma referência tenho que dar conta
Não gosto de vê-la triste a chorar
Por não receber atenção quer
Eternidade sempre à toda hora até
Quando está oculta ou vira a face
Oculta ara a face que a fita na busca de
Desvendar mistérios estou meio
Complicado assumi um compromisso
Agora busco alternativa não quero
Bater de pernas sair a correr rua fora
Como um ladrão não tenho o que
 Nem a quem roubar não sei carregar
O roubo ficarei preso nele como se
Estivesse numa cadeia inexpugnável
Terei no pé grilhão com bola a me
Segurar aqui o tendão na gravidade
Não voarei ao encontro dela a beijar-lhe
Como almeja a passar-lhe a mão num
Afago a sussurrar-lhe ao pé do ouvido
Os segredos que ouço dos silêncios

sábado, 25 de agosto de 2012

Noturno Nº 25; BH, 0130702011; Publicado: BH, 0250802012.

A mãe ensina a amar os irmãos
Houve até quem disse amai-vos uns aos
Outros mas o que fazer se os irmãos não
Querem ser amados? o que fazer se
Não fazem questão de amar? só querem se
Manter distantes quando estão próximos
Permanecem longe demonstram total
Intolerância como conquistar um irmão
Que não quer ser conquistado? não quer ser
Amigo nem cordial nem gentil?
Faz toda a arrogância de pôr em prática
O descontentamento o mais triste
É que todos são irmãos legítimos
Biológicos do mesmo pai da mesma
Mãe que fique bem claro essa obscuridade
É muito difícil entender é muito
Fundamentalismo familiar intrigas
Fofocas falações no mesmo leite materno
No mesmo esperma de pai no mesmo
Óvulo de mãe se fôssemos siameses?
Teríamos que cortar literalmente nas
Próprias carnes? se fôssemos xifópagos?
Um esperaria o outro dormir para matá-lo
Depois fazer a separação? só me resta pensar
Assim infelizmente pensamos que somos
Burgueses pensamos que somos elites
Agimos como tais mas nos enganamos
Os USA depois de tantos erros ódios devem
US$14.000.000.000.000 ninguém almeja
Que consigam superar a crise são
Irmãos que discriminam são cruéis
Intolerantes com outros irmãos não
Amam nem são amados afundam
Querem levar o mundo junto oh
Como é bom e agradável viver
Unidos os irmãos salve a utopia
Já ouvi isso em algum lugar 

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Noturno Nº 24; BH, 0130702011; Publicado: BH, 0200802012.

Será que tenho algo para oferecer
À humanidade? não a raça humana
Tem de tudo não tens nada que a
Sirva porém sou humano um ser
Humano sempre precisa doutro
Não nunca de ti não precisamos
Podes se quiseres ir embora agora
Nada tens a nos acrescentar falas
Que fazes obras de arte mas és uma
Piada falas que crias obras-primas
Mas és um cínico nem para síndico
O queremos quanto mais para reitor
Do nosso universo poupe-nos das tuas
Dores de cabeça dos teus textos
Teutônicos das tuas cicatrizes
Tétricas das tuas meretrizes tristes
Prêmio Nobel de insensatez tens
Espelhos em casa? espalhe-os por todos
Os teus quartos cômodos aposentos
Terás sempre a casa cheia bem povoada
Encontrarás a quem servires dalguma
Coisa entendeste ou terei de explicar
Novamente gênio do óbvio? mudo não
Abras a boca já falaste choraste demais
Em nossos ouvidos não somos estátuas 
Nem esculturas ouviste vampiro pirata
De perna de pau de olho de vidro de
Cara de mau quantas vezes já choraste
Por nós? implora-nos por tudo mendigo
Pedinte pedante meliante marginal
Queres tudo sempre mais carne carvão
Sal não fazes uma oferenda não fazes
Uma oferta traficante de drogas inúteis
À salvação à preservação da espécie

Noturno Nº 23; BH, 0130702011; Publicado: BH, 0200802012.

A noite é um vale escuro com sombras
Com mortes seguirei assim sem fome
Sem sede como as almas pregadas nas
Paredes a noite é um vale escuro seguirei
Pelos caminhos sem um companheiro
Amigo todos que me acompanham meu
Sangue não é suficiente para saciar nos
Mármores dos edifícios latejam os seres
Aprisionados sinto seus lamentos me
Incomodo com suas lamúrias inquieto-me
Com a cobiça que fazem de mim pela
Liberdade não tenho uma gota d'água
Muitos estão com as línguas de fora
Pedem água outros pedem sangue
Os mais rasteiros pedem álcool são do
Rés-do-chão são dos ralos chamam a
Atenção clamam embriagados a querer
Mais sempre mais que eternidade é essa
Que não acaba? que posteridade que
Olho não tem horizonte? a noite passa
Tão devagar que se pudesse a deixaria
Aqui em meu lugar passaria assim bem
Lentamente no lugar da noite por esse
Vale escuro sossegadamente finjo dentro
De mim para não perceberem que tremo
Calafrios arrepios rente ao muro do
Cemitério curvado mãos nos bolsos paletó
Emprestado calças encardidas botas
Empoeiradas penso uma canção que ouço
Dentro da cabeça como que se a cantasse
Para mim fecho os olhos sigo envolto
No manto escuro do vale da noite

Noturno Nº 22; BH, 0130702011; Publicado: BH, 0200802012.

Que fazes aí? estou a preparar o meu
Testamento para a minha mortalha
Tens muitos bens? vejo-te apenas com
Letras palavras na boca nas mãos
Então este é todo o meu tesouro
Nada mais quero para inventário penso
Que és um enganador não tens como
Pagar-me pensas em iludir-me com
Lenga-lengas mas estou estava calado
Tu foste que aqui chegaste a bem arguir-me
Como um inquiridor um inquisidor a
Torturar-me com tantas perguntas é que
Quero saber o que se passa dentro da tua
Cabeça incomoda-me o teu retiro a tua
Distância o teu silêncio de altas montanhas
É por isso que estou longe aqui no cimo
Deste monte o pequeno ruído que fazes
Com as tuas reverberações torna-te mui
Insuportável és muito pretensioso pensas
Que és gente porta-te com um porta-joias
És vazio de tais valores agradeço-te por
Conheceres-me tão bem tão melhor do
Que sou este é o meu sonho o que acabaste
De dizer tão bem conhecer-me o quanto
Conheces-me ora, vais dormir é noite
Alta não fiques por aí a espantar como se
Fosses um espantalho a assustar como se
Fosses uma sombra titânica é que não durmo
No noturno velo assisto aos mortos
Como assisto a ti neste soturno noturno

Noturno Nº 21; BH, 0130702011; Publicado: BH, 0200802012.

Cada um veio ao universo para cumprir
A sua missão quem pensa que está
Aqui em vão perceberá que enganou-se
A minha missão é para ser cumprida
Com o maior orgulho pode ser a mais
Simples irrelevante coadjuvante
Mas a desempenho como se fosse um
Bilionário muitos pedem-me explicações
Mas confesso que não sei desenvolver uma
Razão que agrade a alguém é por isto
Que sou arredio procuro lugares ermos
Donde procuro controlar outros universos
Mas não perco as oportunidades de tentar
Acertar a mosca sem fazer algazarra
Sem fazer alarde fico alerta sempre a
Espreitar o que os universais têm a me
Dizer tenho que ficar o mais alerta de
Tudo de todos pois sou o mais
Deficiente enxergo pouco escuto
Menos ainda a causar-me grande
Insegurança a qual tento superar
Supero em certos momentos conheço
Muitos que não leem o que os outros escrevem
Leio pouco gosto mais é de escrever
Fico com pena daqueles que fazem
Literatura não têm leitores não
Incomoda-me por não ter nenhuns
Na era moderna os modernos não
Perdem tempo com leituras muito
Menos com escritas desde que entendi
A minha missão abracei-a com devoção
De neófito com paixão de Dante
De Romeu de Tristão de Quasímodo sangue
Venoso que jorra do meu coração do
Gás carbônico do pulmão cedo-vos este
Arterial oxigênio da literatura universal

Noturno Nº 20; BH, 0130702011; Publicado: BH, 0200802012.

Não posso dizer que sou não nunca
Sem angústia ansiedade ambição sou
Total moradia de tudo de todos que
Sou mas o que quero ser o que desejo
Formar-me não nasci ainda em mim
Não nasceu em meu ser eu por isso
Sou incerto uma seta fora do alvo um
Arqueiro sem o arco flecha distendida
Um barco que não volta ao porto vaga
Mares oceanos nas vagas parte o casco
De madeiro de lei quilha de cedro
Nobre quem resiste aos rochedos onde
São lançados das rochas que caem dos
Céus abrem crateras dizimam vastas
Civilizações quem chega à beira do
Mar é vencedor vence todas as
Batalhas que as ondas desafiantes nos
Lançam de história em história que
Em todas as ondas têm recebe nas
Costas os séculos os milênios não
Transforma-se em areia não se
Dispersa com o vendaval de grão
Em grão ergue sua duna admira em
Silêncio noturno do que é capaz acaba
Uma duna tem ansiedade em erguer
Outra maior de amanhecer em
Amanhecer conta as vitórias às aves
Que piam quando é manhã tem um
Orgulho secreto na veia continuar
A jornada interrompida não tem
Nem pressa para viver comprime
As veias do universo assusta-se
É chegada a hora de entrar na
Colmeia se servir do mel da
Geleia real uma abelha rainha

Noturno Nº 19; BH, 0130702011; Publicado: BH, 0200802012.

Vamos esperar uma mensagem uma luz de
Meditação alguém que bate à porta talvez
Estenda a mão mas não quer uma esmola
Não quer um pedaço de pão quer um
Caminho uma estrada um norte uma direção
Os caminhos se cruzam em bússolas são
Atalhos são desvios desencontros espera
Na encruzilhada a passagem eternizada
Que vigora na imensidão quem pede
Quer pouco qualquer muito não é nada
Quem conquista tem tudo até o nada é
Infinito vamos esperar a resposta o vento
Vem ali traz atrás de si a novidade
Luzes novas na cidade à noite a janela
Do céu é a lua que nos espia com
Seu único olho monóculo de lente
De prata não descanso enquanto durmo,
 Pois não durmo enquanto sinto sinto
Que sou útil à poesia que me procura
Bate à minha porta não importa
A hora da noite estou sempre a sentir
A hora que tem que vir abro
Portas janelas portões minha casa
Não tem cerca nem grade nem muros
Quando olho de longe não tem
Paredes também é uma casa onde
As mensagens entram são distribuídas
A quem tem desejo de dar o maior dom
É dar não tem preço que pague não há
Cifra que registre mas só os preparados
Sabem o que dizem as mensagens o quanto que
Difícil é fechar a mão para não receber
Mais difícil abrir a mão para dar
Vamos esperar sentados aqui no cimo deste
Monte a decisão em distribuir o que têm

Noturno Nº 17; BH, 0110702011; Publicado: BH, 0200802012.

Minha namorada predileta é a noite
Gosto dela aliás amo-a como amei
Todas as mulheres negras escravas
Canonizadas nos pelourinhos
Beatificadas nos relhos nas
Chibatas dos senhores de engenhos
Das fazendas de café amo todas essas
Escravas santificadas no sofrimento
Todo sangue que foi derramado
Delas transformaram-nas em santas
Essas cativas santificadas são as
Minhas namoradas prediletas inda
Hoje fazem milagres de cada gota
De suor nasceu um anjo de cada
Gota de saliva um tempero onde
Caiu um pouquinho do suor nasceu
Uma flor amo essas ancestrais da
Escravidão oro para elas nos meus
Sambas rezo nos meus pontos de macumba
Cultuo-as nos cantos cantigas tambores
Deleito nos manjares dessas negras
Quero venerá-las respeitá-las dizer
Que tenho dentro de mim uma
Herança delas um pouquinho de
Cada uma na minh'alma são
As Marias da minha vida avós mães
Empregadas preciso indenizá-las
Só estas letras não saldam é dívida
Eterna fundo perdido precisaria
De séculos para que a justiça seja
Feita minhas noites prediletas
Noites serenas de luar perdoeis este
Vosso namorado recebais neste
Mísero confessionário estas parcas
Lágrimas mas são tudo que tenho para
Depositar em vossas arcas lavar vossas
Cicatrizes dessa vergonha histórica

Noturno Nº 16; BH, 0110702011; Publicado: BH, 0200802012.

A madrugada foi feita para refletir é por isso
Que a maioria dos ladrões age à noite pode
Pensar refletir com mais calma precisão
Roubam as melhores riquezas já os ladrões
Insensatos apressados roubam apenas
Galinheiros inda correm risco de ser presos
Sou um bom ladrão tanto que roubo ideias
Dos descuidados que dormem sonham
Como uma assombração ou um vampiro
Cauteloso entro no sonho deles sem os
Acordar roubo-lhes tudo tiro-lhes até os
Pensamentos as máximas os provérbios
Quando acordam de manhã falam que
Estão com as cabeças cortadas ou vazias
Que não sonharam que nem tiveram
Pesadelos mal imaginam que sorrateiramente
Surrupiei-lhes as próprias mentes aí viram
Sonâmbulos vagam de casa para o trabalho
Absortos sem ideias ou sem pensar ou
Raciocinar completamente aéreos só lhes
Sobram os maus pensamentos ou as falsas
Ideias as leviandades alguns viram políticos
Outros banqueiros ou empresários sonegadores
Fazem das vidas deles dos semelhantes
Verdadeiros infernos graças a Deus que me
Deu a noite para que possa treinar para ser
Poeta depois de morto quando lerem um
Poema terão a leve impressão de terem
Sentido num sonho ou num sono
Algo parecido com o que estão a ler
Terão um breve arrependimento

Noturno Nº 15; BH, 0110702011; Publicado: BH, 0200802012.

Desprendeu-se da lua agora neste exato
Momento a obra-prima que tanto almejei
Por quem tanto esperei em todos esses
Anos de existência literária intensa densa
Passou pelo sol durante o dia ficou lá na
Lua armazenada só agora no auge desta
Madrugada iniciou a viagem para ser
Aqui trasladada neste papel sem vida
Captada por esta caneta que uso como
Antena encontrarei quem dirá que isto
Não é obra de arte encontrarei quem
Duvidará que o que desprendeu-se da
Lua não é clássico erudito culto não
É fruto dum pensamento é sim um
Que veio além do sol encheu-se de
Energia solar ficou na lua em maturação
Quando pronto para nascer partiu
Em busca de pai ao encontro de mãe
Os acordados serão os seus leais
Transmissores por sorte estou bem
Acordado debaixo da lua a olhar de
Sede a mirar de fome com os reais
Utensílios para a colheita não posso
Nem piscar fechar a boca respirar
Tenho que permanecer como se morto
Estivesse em cinesia astronauta no
Espaço longe da gravidade darei à
Luz não tem outro parto amamentarei
Como manda o figurino a lua será a
Madrinha o sol o padrinho sou o
Compadre a testemunha o testamenteiro
Deste parto no firmamento no amanhecer
Irei ao cartório com a primeira cerveja
Do dia  brindar em ode à obra-prima
Que filha pródiga retornou como uma
Vida para o seu parturiente autor

Noturno Nº 14; BH, 0110702011; Publicado: BH, 0200802012.

Muitos dos que foram vítimas do total capitalismo
Imperialismo neoliberalismo do domínio norte-americano
Sonharam sonham sonharão com a falência dos USA
Imagino que não há no mundo infelizmente quem torça a
Favor dalguma coisa boa para a nação norte-americana
Milhares perderam a vida por culpa desse país que se
Diz dono do mundo gastou bilhões de dólares da produção
Do trabalho em guerras armamentos agora sofre com
O fantasma da moratória a falência enfim assombra a mais
Poderosa covarde nação do planeta por mais que
Queira mesmo que me prejudique que venha se refletir
Negativamente no meu país não posso desejar que
Saiam dessa fizeram fazem farão muito mal a outros
Povos se quebrarem foi o destino que escolheram
Destruíram nações dizimaram povos bloquearam
Comercialmente países espionaram conspiraram
Financiaram ditadores terroristas são vítimas do próprio
Veneno só pensam na ganância nos lucros nas guerras
A qualquer preço a custo altíssimo tudo tem um fim
Um resultado nem sempre a megalomania é a saída
Pés no chão humildade cabeça no lugar trabalhar para
Reverter a crise que assola a situação degradante que
Assombra vêm cobrar o quinhão delas de quem tudo
Fez de errado nunca gostou de ser cobrado o tempo
Agora é de cobrança é pagar para não quebrar penso
Peço para abrir os olhos tempos piores ruins virão
Para yankees go home infelizmente é o que plantaram

Noturno Nº 13; BH, 0110702011; Publicado: BH, 0200802012.

Nem tudo que pensamos queremos que
Aconteça conosco é o que almejamos
Mas penso que temos que entender que
O que acontece é por que tinha que
Acontecer nada é por acaso poucos
Têm o dom de fazer o próprio acaso
Nunca queremos catástrofes desastres
Incidentes acidentes nada mas tem
Dia quando menos esperamos a casa
Cai tudo vem abaixo nos achamos
Os mais infelizes da face da terra
Quando não é verdade se ficarmos
Alerta não sermos imprudentes bizarros
Estúpidos ignorantes talvez tenhamos
A chance de evitar muitas mazelas
Porém humano é humano não vira santo
Nem faz milagres por mais que um
Seja exceção passa a ser beatificado
Canonizado santificado tenha milagres
Atribuídos credita quem quiser fé para 
Mim independe disso fé para mim
É fazer o bem é ser bom é amar
Ao próximo respeitar entra também
A civilização a cultura a informação
Quando a raça humana amadurecer
Será uma beleza a humanidade evoluirá
Ficará curada consciente conscientizada
Tem que ir atrás da utopia tem
Que esquecer os sonhos mesquinhos abrir
Mão de privilégios individualismo
Colônia não é coletividade pão água
Para todos educação sem constrangimento
Porque ficar envergonhado em ser educado?
Vamos praticar boas maneiras convivência
Lucidez sobriedade vamos pensar

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Noturno Nº 12; BH, 0110702011; Publicado: BH, 0160802012.

A noite foi feita para escrever poemas
Observar fantasmas espíritos em cada
Canto recantos do pátio alguma alma
Se esconde nas frestas do tempo algo
Se move como se não se movesse a
Todo momento olho o que não vejo a
Noite foi feita para se sentir latejar os
Inconscientes olhos latentes atentos
Observam por detrás das pilastras uns
Correm brincam de esconder de pique
Outras travessuras o silêncio é total a
Lua lá do alto manda as suas reminiscências
É a noite foi feita para os poetas morrerem
Sangrarem passarem ao papel aos
Papiros do esconde-esconde aos
Pergaminhos esquecidos nas reentrâncias
Todos gritam ao mesmo tempo não
Ouve-se nada é um silêncio demasiado
Denso de furar tímpanos como se tudo fosse
Um sanatório para loucos abandonado
Ali está Arthur Bispo do Rosário os seus
Mantos reais adiante Febrônio em febre
Ainda Lucas Ivanovitch Furtado Medina
Saracoteia-se num redemoinho sem fim
Depois corre de costas choca-se
Contra os pilares bate as mãos nas
Paredes Lucas o que é isso rapaz?
Não me ouve no transe emite só
Um som indefectível segue
Noite adentro a se balançar sem
Um olhar sequer para mim Lucas
Espera-me vou contigo sou eu
Teu pai seja meu carrasco toma
A ponta desta corda arrasta-me
Cativo atrás de ti

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Nietzsche, Raríssima abstinência; BH, 0140802012.

É muitas vezes um sinal de humanidade,
Que não é sem importância,
Não querer julgar alguém
E recusar-se a pensar
Seja o que for a seu respeito.

Nietzsche, Como brilham os homens e os povos; BH, 0140802012.

Quantas ações essencialmente individuais ficam em
Suspenso somente porque antes de executá-las constatamos
Que seriam mal interpretadas ou receamos que o sejam
Realmente! - são as ações, portanto, que justamente têm um
Valor verdadeiro para o bem e para o mal.
Por conseguinte, quanto mais uma época, um povo, estimam
Os indivíduos, mais direito e preponderância lhes são
Concedidos, mais ações desse gênero ousaremos um dia
Fazer - e assim uma espécie de clarão de honestidade, de
Franqueza, no bem e no mal, acaba por se difundir, nas épocas, em
Povos inteiros, de modo que , como ocorreu com os gregos,
Continuam, semelhantes a certas estrelas, a projetar seus
Raios ainda, durante milhares de anos após seu desaparecimento.

Llewellyn Medina, A morte da casa da rua Barão de Jaguaripe; BH, 0140802012.

Tudo começou muitos anos antes
Quando construíram um prédio nos fundos
Vedando o descortínio do horizonte
E o cheiro de mar que batia perto.

Passados uns poucos anos mais
Alguém construiu um prédio á direita
E assim escondeu pra sempre
A vista dos hoje Pavão e Pavãozinho.

Pessoas moravam na casa
O que chamam de família
Pai, mãe, filhos,
Um cão vigilante
E um gato que excursionava pelos telhados.

Os pais viraram avós
E os filhos tiveram filhos
O cão sobreviveu no álbum de fotografias
E o gato ninguém se recorda de seu fim.

Mas a casa da rua Barão de Jaguaripe
Era amarela nas fachadas
Um jardim de inverno
Uma garagem que nunca abrigou carros
Uma varanda que nunca ouviu os silenciosos balanços
De uma cadeira austríaca
E como fossem dois pavimentos
O de cima parecia guardar
Inexpugnável privacidade.

Mas eis que outro prédio foi construído ao lado
E a casa emparedada
Quase não respirava
Foi condenada a viver sem horizonte
Sobrou apenas a frente para a rua
Que automóveis teimavam em obstruir.

Ainda assim a casa resistiu galhardamente
À investida de exércitos de empedernidos corretores
Todos oferecendo tantos mil dólares
Ou a segurança de uma cobertura no último andar
Tudo por uma casa que diziam condenada à morte.

Os pais e os filhos
Depois os avós e netos
E novamente filhos e pais
Não se deixaram embalar
Pelas mirabolantes propostas
Até que não havia mais
Filhos e netos
Mas apena avô e avó
E a fotografia amarelada do cão
Que teimava a tudo espreitar
Até mesmo os silenciosos passos do gato
Já não deslizavam nos velhos telhados esverdeados.

Um dia a casa cansou de resistir
O amarelo de suas paredes
Já se tornara uma indefinida cor
As plantas do jardim estiolaram-se
As janelas já não guardavam privacidade
E o avô e a avó
Sentiam saudades do cheiro do mar
Dos braços abertos do Corcovado
Da cor indescritível
Das águas enigmáticas da Lagoa.

A morte se aproximava melancolicamente
As escadas rangiam
Ao passo vagaroso do resistente mobiliário
E os filhos distantes
Diziam estar preocupados
Com a segurança dos "velhos"
Com a aspereza da casa
Com a horrível cor amarela das paredes descarnadas.

O desfecho foi previsível
Homens inclementes homens
Armaram-se de picaretas e martelos
E bateram com tal ferocidade
Que as paredes pareciam chorar
As lágrimas delas não caíam
Caíam tijolos vetustos
Pregos rangiam de dor
Quando retirados com indiferença
E o entulho que se acumulava
Escondia sob si os dias memoráveis
Da casa amarela
Da rua Barão de Jaguaripe.

Houve o momento em que
Janelas e portas foram retiradas
E vista assim a casa parecia
Um espectro fantasmagórico
Tentando esconder asquerosas entranhas.

E o som dos martelos
E o som das picaretas
Ouviram-se dias sem fim
Abafando o silencioso lamento
Da casa que ruía sem qualquer defesa
Até que não restou
Senão pedra sobre pedra.

Esta é a história da casa da rua Barão de Jaguaripe
Que o prédio construído sobre suas cinzas
Esconda pra sempre essas antigas lembranças.

Manuel Bandeira, Enquanto a chuva cai; BH, 0140802012.

A chuva cai.
O ar fica mole...
Indistinto... ambarino... gris...
E no monótono matiz
Da névoa enovelada bole
A folhagem como a bailar.

Torvelinhai, torrentes do ar!

Cantai, ó bátega chorosa,
As velhas árias funerais.
Minh'alma sofre e sonha e goza
À cantilena dos beirais.

Meu coração está sedento
De tão ardido pelo pranto.
Dai um brando acompanhamento
À canção do meu desencanto.

Volúpia dos abandonados...
Dos sós... - ouvir a água escorrer,
Lavando o tédio dos telhados
Que se sentem envelhecer...

Ó caro ruído embalador,
Terno como a canção das amas!
Canta as baladas que mais amas,
Para embalar a minha dor!

A chuva cai.
A chuva aumenta.
Cai, benfazeja, a bom cair!
Contenta as árvores!
Contenta
As sementes que vão abrir!

Eu te bendigo, água que inundas!
Ó água amiga das raízes,
Que na mudez das terras fundas
Às vezes são tão infelizes!

E eu te amo!
Quer quando fustigas
Ao sopro mau dos vendavais
As grandes árvores antigas,
Quer quando mansamente cais.

É que na tua voz selvagem,
Voz de cortante, álgida mágoa,
Aprendi na cidade a ouvir

Como um eco que vem na aragem
A estrugir, rugir e mugir,
O lamento das quedas d'água!

Casimiro de Abreu, A Valsa; BH, 0140802012.

Tu, ontem
Na dança
Que cansa,
Voavas
C'o as faces
Em rosas
Formosas
De vivo,
Lascivo
Carmim;
Na valsa
Tão falsa,
Corrias,
Fugias ,
Ardente,
Contente,
Tranquila,
Serena,
Sem pena
De mim!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas
 - Não negues,
Não mintas...
 - Eu vi!...

Valsavas.
 - Teus belos
Cabelos,
Já soltos,
Revoltos,
Saltavam,
Voavam,
Brincavam,
No colo
Que é meu;
E os olhos
Escuros
Tão puros,
Os olhos
Perjuros
Volvias;
Tremias;
Sorrias
P'ra outro,
Não eu!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
 - Não negues,
Não mintas...
 - Eu vi!...

Meu Deus!
Eras bela
Donzela,
Valsando,
Sorrindo,
Fugindo,
Qual silfo
Risonho,
Que em sonho
Nos vem!
Mas esse
Sorriso
Tão liso,
Que tinhas
Nos lábios
De rosa,
Formosa,
Tu davas,
Mandavas
A quem?
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
 - Não negues,
Não mintas...
 - Eu vi!...

Calado,
Sozinho,
Mesquinho,
Em zelos
Ardendo,
Eu vi-te
Correndo
Tão falsa
Na valsa
Veloz!
Eu triste
Vi tudo!
Mas mudo
Não tive
Nas galas
Das salas,
Nem falsas,
Nem cantos,
Nem prantos,
Nem voz!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
 - Não negues,
Não mintas...
 - Eu vi!...

Na valsa
Cansaste:
Ficaste
Pensavas,
Cismavas,
E estavas
Tão pálida então;
Qual pálida
Rosa
Mimosa ,
No vale
Do vento
Cruento
Batida,
Caída
Sem vida
No chão!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
 - Não negues,
Não mintas...
 - Eu vi!...

Mário Quintana, A nossa canção de roda; BH, 0140802012.

A nossa canção de roda
Tinha nada e tinha tudo
Como a voz dos passarinhos

 - Mas que será que dizia?

A nossa canção de roda
Era boba como a lua.
Mas a roda dispersou-se
Cada qual perdeu seu par...
Agora,
Nossos fantasmas meninos
Talvez a cantem na lua...

Talvez que junto a algum leito
A morte a esteja a cantar
Como que nana um filhinho...

A nossa canção de roda
Tinha nada e tinha tudo:
Era
Uma girândola de vozes
Chispando
Mais lindas do que as estrelas
Era uma fogueira acesa
Para enganar o medo, o grande medo
Que a Noite sentia
Da sua própria escuridão.

Nietzsche, Não se pode estimar; BH, 0140802012.

"Não se pode estimar
Verdadeiramente
Senão aquele que não
Se procura a si mesmo." -
Goethe ao conselheiro Schlosser.

Nietzsche, Os chineses têm; BH, 0140802012.

Os chineses têm um provérbio
Que as mães ensinam cedo a
Seus filhos:
Siao-sin -
"Torna pequeno teu coração!"
Aí está a verdadeira inclinação
Das civilizações adiantadas.
Tenho certeza de que um grego
Da antiguidade reconheceria
Antes de tudo em nós, europeus,
A tendência ao amesquinhamento -
Só por isso não seríamos de "seu gosto".

Nietzsche, O que é comum, afinal de contas? BH, 0140802012.

 - As palavras são sinais orais para designar conceitos;
Mas os conceitos são sinais imaginativos, correspondendo
Mais ou menos a sensações que retornam muitas vezes e ao
Mesmo tempo, a grupos de sensações.
Não basta, para se compreender mutuamente, usar as mesmas palavras.
É preciso também usar mesmas palavras para o mesmo gênero 
De acontecimentos interiores, é preciso enfim que as experiências do 
Indivíduo sejam comuns com aquelas de outros indivíduos.
É por isso que homens de um mesmo povo se compreendem melhor
Entre eles que as pessoas de diferentes povos, mesmo quando se 
Servem da mesma língua; mais ainda, quando homens colocados em
Mesmas condições (de clima, de solo, de perigos, de necessidades, 
De trabalho) viveram muito tempo juntos, forma-se alguma coisa 
"Que se compreende", isto é, um povo.
Em todas as almas, um número igual de fatos que se repetem
Muitas vezes leva a melhor sobre fatos que se repetem raramente: a
Seu respeito, as pessoas se entendem rapidamente, sempre mais rápido
 - A história da linguagem é a história de um processo de abreviação; - 
Esse entendimento rápido faz com que as pessoas se unam mais estreitamente.
Quanto maior for o perigo tanto maior é a necessidade de se entender rápida
E facilmente sobre aquilo do que se tem necessidade; não se expor a um mal
Entendido no perigo, essa é a condição indispensável para os homens em 
Suas relações recíprocas.
Percebe-se isso também em toda espécie de amizade e de amor: nenhum
Sentimento dessa ordem dura se, mesmo usando as mesmas palavras, um dos 
Dois sente, pensa, pressente, prova, deseja, teme de forma diferente que o outro.
(O temor do "eterno mal-entendido": esse é o gênio benévolo que impede tantas
Vezes as pessoas de sexos diferentes de contrair uniões precipitadas que os 
Sentidos e o coração aconselham - esse não é de modo algum um "gênio da 
Espécie" qualquer à Schopenhauer!)
Saber quais são, numa alma, ou grupos de sensações que despertam mais
Rapidamente, que tomam a palavra, dão ordens, é nisso que se decide a 
Hierarquia completa de seu valor, é isso, em última instância, que se fixa
Sua tabela de valores.
As avaliações de um homem revelam alguma coisa da estrutura de sua alma,
Revelam onde essa vê suas condições de existência e seus verdadeiros perigos.
Se for admitido, portanto, que desde sempre o perigo só se aproximou dos 
Homens que podiam designar, por meio de sinais semelhantes, necessidades
Semelhantes, acontecimentos semelhantes, resulta no conjunto que a facilidade
De comunicar no perigo, isto é, o fato de não viver senão dos acontecimentos
Médios e comuns, deve ter sido a força mais poderosa de todas aquelas que 
Dominaram o homem até agora.
Os homens que mais se assemelham, que são mais comuns, estiveram e estarão
Sempre em melhores condições; a elite, os homens refinados e raros, mais 
Difíceis de serem compreendidos, correm o risco de ficar sozinhos e por causa
De seu isolamento, sucumbem aos perigos e raramente se reproduzem.
É preciso invocar prodigiosas forças adversas para entravar esse natural,
Demasiado natural, progressus in simile, o desenvolvimento do homem, 
Medíocre, do rebanho - o comum!

Mário Quintana, O Anjo da Escada; BH, 0140802012.

Na volta da escada,
Na volta escura da escada.
O Anjo disse o meu nome.
E o meu nome varou de lado a lado o meu peito.
E vinha um rumor distante de vozes clamando clamando...
Deixa-me!
Que tenho a ver com as tuas naus perdidas?
Deixa-me sozinho com os meus pássaros...
Com os meus caminhos...
Com as minhas nuvens...

Tito Júlio Fedro, O asno e o velho pastor; BH, 0140802012.

Na mudança de governo dos cidadãos, além do nome do
(Seu) dominador, pra os pobres nada muda.
Esta breve fábula demonstra que isso é verdadeiro.
Tímido velho apascentava o (seu) burro no pasto.
O velho assustado com o súbito clamor de inimigos,
Aconselhou o animal a fugir a fim de não caírem nas mãos deles.
Aquele, calmo (diz):
"Posso (explicar-me).
Por venturas pensas que o vencedor vai pôr sobre mim duas
Selas ásperas?"
O velho negou.
"Então (prosseguiu o burro), a mim pouco importa a quem
Sirvo, posto que carrego minha sela!"

Joachim du Bellay, Ai! Onde agora está...; BH, 0140802012.

Ai! Onde agora está meu desdém da Fortuna?
E o peito vencedor de todo contratempo,
A honesta pretensão de uma glória imortal,
A inspiração ardente ao povo não comum?

Onde o ameno prazer que, nas sombras noturnas,
Das Musas recebia, enquanto em liberdade,
Num discreto jardim tapizado de relva,
Bailavam para mim, à doce luz da lua?

Mas, agora, a Fortuna é senhora de mim,
E o coração outrora foi senhor de si,
Escravo se tornou de queixas e tormentos.

Com as gerações que vêm não tenho mais cuidado,
Aquele ardor divino eu já não tenho mais,
E esquecidas de mim, as Musas me deixaram.

Tomás Antônio Gonzaga, Lira XXIV; BH, 0140802012.

Encheu, minha Marília, o grande Jove
De imenso animais de toda a espécie
As terras, mais os ares,
O grande espaço dos salobros rios,
Dos negros, fundos mares,
Para sua defesa,
A todos deu as armas, que convinha
A sábia natureza.

Deu as asas aos pássaros ligeiros,
Deu ao peixe escamoso as barbatanas;
Deu veneno à serpente,
Ao membrudo elefante a enorme tromba,
E ao javali o dente.
Coube ao leão a garra;
Com leve pé saltando o cervo foge;
E o bravo touro marra.

Ao homem deu as armas do discurso,
Que valem muito mais que as outras armas;
Deu-lhe dedos ligeiros,
Que podem converter em seu serviço
Os ferros e os madeiro;
Que tecem forte laços,
E forjam raios, com que aos brutos cortam
Os voos mais os passos.

Às tímidas donzelas pertenceram
Outras armas, que têm dobrada força,
Deu-lhes a Natureza
Além do entendimento, além dos braços
As armas da beleza.
Só ela ao Céu se atreve;
Só ela mudar pode o gelo em fogo,
Mudar o fogo em neve.

Eu vejo, eu vejo ser a formosura,
Quem arrancou da mão de Coriolano
A cortadora espada.
Vejo que foi de Helena o lindo rosto,
Quem pôs em campo armada
Toda a força da Grécia.
E quem tirou o cetro aos reis de Roma?
Só foi, só foi Lucrécia.

Se podem lindos rostos, mal suspiram,
O braço desarmar do mesmo Aquiles;
Se estes rostos irados
Podem soprar o fogo da discórdia
Em povos aliados;
És árbitra da terra:
Tu podes dar, Marília, a todo o mundo
A paz, e a dura guerra.

Babilak Bah, O que fazer; BH, 0140802012.

O que fazer com esta menina da costa do marfim?
Possui o veneno que me cura a falta de vergonha
Que me educa
Não tenho tempo
Perco a fala
Desdigo tudo
Humilho o olho
Desmancho planos
Atiro-me no mundo
Aprisiono-me na ilha
Pesco o peixe voador
Esqueço o canto
Rasgo poemas
Imito papagaio
Vou ou não vou para a avenida
O carnaval passa por min
A vida atravessa por você
O sorriso chora
O samba grita
Aflito espero o natal chegar

Álvaro de Campos/Fernando Pessoa, Sim, sou eu; BH, 0140802012.

Sim, sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
Espécie de acessório ou sobresselente próprio,
Arredores irregulares da minha emoção sincera,
Sou eu aqui em mim, sou eu.

Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.

E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconsequente,
Como de um sonho formado sobre realidades mista,
De me ter deixado a mim, num banco de carro elétrico,
Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ia sentar em cima.

E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua,
Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda,
Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa,
Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores,
De haver falhado tudo como tropeçar no capacho,
De have embrulhado tudo como a mala sem as escovas,
De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida.

Baste!
É a impressão um tanto ou quanto metafísica,
Como o sol pela última vez sobre a janela da casa a abandonar,
De que mais vale ser criança que querer compreender o mundo -
A impressão de pão com manteiga e brinquedos

De um grande sossego sem Jardins de Proserpina,
De uma boa vontade para com a vida encostada de testa à janela,
Num ver chover com som lá fora
E não as lágrimas mortas de custar a engolir.

Baste, sim, baste!
Sou eu mesmo, o trocado,
O emissário sem carta nem credenciais,
O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro,
A quem tinem as campainhas da cabeça
Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima.

Sou eu mesmo, a charada sincopada
Que ninguém da roda decifra nos porões de província.

Sou eu mesmo, que remédio!...

                                                                                                                   6/8/1931

domingo, 12 de agosto de 2012

Noturno Nº 11; BH, 0100702011; Publicado: BH, 0120802012.

Como vejo vultos pelos vidros pelos espelhos a se
Esconder atrás dos nadas assustam assombram
Depois vão embora somem antes da hora na aurora
Quando voltam tem alguém que chora de medo?
As silhuetas correm das sombras crescem vultosas
As penumbras vultuosas a gerar nas trevas gelos
Que causam calafrios nos cadáveres do cadafalso
O carrasco não conhece dó quer logo excitado
Disparar o dispositivo as flores balançam agitadas
Não chamam mais a atenção as cores apagadas não
São mais reparadas cortam-se troncos broncos
Num ato hediondo amanhã seremos todos névoas
Fantasmas almas a querer corpos corpos secos
Desprezados por coveiros acabou-se o dinheiro
Não posso mais assisti-lo o plano não cobre é
Teu seguro venceu o limite de crédito agora
Estourou o que foi mandado para fora ilegal
Não poderá ser repatriado vejo os seres torpes
Das vidraças querem comunicação atenção
Fazem manifestação dizem que não vão nunca
Deixar passar um poema em vão tudo será bem
Formalizado em poesia normatizado uma forma
Atrás doutra como formação de filas em
Batalhões de quartéis raias de corridas ou de
Piscinas olímpicas quando morto mostro
Os resultados os mudos dizem escreves muito
Rápido pareces um saci a pular por isso não sai
Nada que presta mas não sou o que estou em mim
A escrever sou só um instrumento a ferramenta
Um bronze para moldar um diamante bruto raro
Para lapidar uma massa de modular de brincar
Nas mãos das crianças que querem brincadeiras
Que boa oportunidade surgiu era de noite alta
Depois madrugada escura passaste à direita
Moveste como um transparente meu ali percebi

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Noturno Nº 10; BH, 0100702011; Publicado: BH, 0100802012.

Ainda sinto o cheiro das flores o perfume
A fragrância da defunta no caixão
Nunca sei o que digo quando abro
A boca sempre corro perigo as palavras
São me estranhas não as escrevo não
As pronuncio sufocam o meu viver
Entristeço assim mesmo por não
Descrever a tristeza finjo alegria
Viver existir penso que seja então
Necessário que alguém seja como
Sou a natureza depende dos meus
Adubos os restos as sobras as esmolas
Não existiriam sem mim o que seriam
Das sombras das ruas de canto das valetas
Vielas se não fosse o que sou para justificá-las?
Quando me procuro de verdade só me
Encontro nas mentiras sem pundonor
As propago com todo respaldo que encontro
Nos ouvidos nos olhares nas bocas as faces
São as mesmas pré-históricas medievais
Faces de políticos cleptomaníacos a
Quem temos de tratar por senhores
Doutores excelências a vela agora
Apagou o toco de vela deu a derradeira
Fumegada espalhou pelo ambiente
Um réstio de cera queimada uma
Réstia de vento avivou as vestes da
Defunta todos entreolharam-se tudo
Serenou novamente a defunta não
Era cinética reinou a calma na
Noite na capela do cemitério não
Havia choro esqueceram de contratar
Carpideiras sem licitação superfaturaram
O enterro desviaram as verbas do poder
Não abrem mão donde apertam 
O pescoço da nação

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Noturno Nº 9; BH, 0100702011; Publicado: BH, 080802012.

Quem bate nesta porta como um corpo
Que debate nos últimos espasmos da
Agonia entre a vida a morte? quem
Esmurra assim este muro de marfim?
Saia detrás desta escada que não
Leva ao céu vai até ali o derradeiro
Vão é justamente o cão se caíres
Não encontrarás o chão espera que
Tentarei abrir a porta tens a chave?
Não não tenho a chave não sei
Pensar captar a percepção tentarei
Voar se cair seguras minha mão
Espera a vida está ali a noite é
Longa o amanhã amanhecerá
Estarás vivo para cantar não sou
Fonte cachoeira cascata nascentes
Regato a cantar riacho arroio se
Quiseres saberás aprender com eles
Quem és tu que me intimas? não
Desço de ribanceiras nem encostas
Não descendo de veredas sendas recantos
Mas não faz mal a chuva quando cai
Canta o vento dança bale faz
Festança baila nos coqueirais tu
És teimoso ancião viveste tanto
Não aprendeste nada tenho pedras
Na alma cavernas obscuras o que faço
É esconder-me dentro de mim
Não liberto meus suspiros meus pios
São de corujas de gralhas urubus amém
Até o ano que vem não contas para
Ninguém que cantaste para mim
Agradeço aos meus ávidos auspícios
Por ter acolhido-te fizeste minh'alma
De musa agora com muita calma
Durma é hora já raiou a aurora

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Noturno Nº 8; BH, 090702011; Publicado: BH, 020802012.

Os únicos espíritos que me sondam
São os espíritos malditos dos poetas
Malditos com suas poesias malditas
Mas não me possuem não me deixam
Possesso não tenho competência
Depois de morto não entrarei
Em tão alta tão fechada confraria
Não comporei academia mais terrível
Para topar duma hora para outra
Com um dos seus temidos componentes
Lá continuarei o mesmo poeta morto
Sou o que estou a dizer pois
Não dizem somos poetas não se
Rotulam para eles nada
Interessa a não ser a essência da
Poesia; servir só a essa musa é quem
Querem engrandecer no intento
Dilaceram-se torturam-se mutilam-se
Tatuam-se flagelam-se cicatrizam-se
Depuram-se expelem a mais bela
Pérola maldita sem dor não
Purificam-se sem pecados não
Salvam-se abrem mão da própria
Salvação abominam a religião
Quando os sondo não os conheço
Não falo nem da minha sorte
Nem do meu azar percebem que quero
Misturar-me para me safar uso de 
Ardil para não ser expulso copio
Compilo o canto dos pássaros os
Piados das aves refugio-me nas
Estrelas construo meu castelo da
Rocha dos milenares vulcões invoco-lhes
Mestres das inspirações poéticas bacharéis
Do limbo disponhais desta mão decepada
Desta pobre cabeça decapitada

Noturno Nº 7; BH, 090702011; Publicado: BH, 020802012.

Minha mente é sobrenatural povoada com
Pensamentos maus adeptos do ocultismo
Total quando olho num espelho vejo um
Pajé um Zé do caixão o reflexo dum
Xamã a agulha dum vodu o cutelo dum
Sacerdote preste a abater a vítima do
Sacrifício de chás de raízes de pós de
Sementes de cipós folhas cascas de
Troncos de frutos de ramos de ramas
De caules de flores de pétalas
São as beberagens que alucinam o
Inconsciente levam aos lapsos de razão
De lucidez de peles de ossos são os
Patuás que protegem contra as sombras das
Florestas as trevas das matas as armadilhas das
Clareiras capoeiras arapucas os índios conhecem
Muito bem o que desconhecemos o que
Conhecemos muito bem desconhecem
É o que será o nosso extermínio amanhã
Lamentaremos não termos sido índios
Lamentaremos não conhecermos as mandingas
Os feitiços as feitiçarias dos pajés
Reclamaremos por não cantarmos os cantos
Das terras indígenas por não dançarmos as
Danças dos espíritos as adorações os
Cultos à natureza tudo que põe à disposição
De nossa sobrevivência destruímos quando
O dia clarear será noite a madrugada
Não será aquela que não vivemos sem ela
Será a madrugada que não amanhecerá
Não acordaremos não levantaremos do chão
Estaremos a levitar a querer a nós mesmos
Não nos encontraremos em nossos locais
De raízes terras férteis nascentes