quarta-feira, 9 de maio de 2018

LEWELLYN MEDINA, Como se fosse o salmo 23

Como se fosse o salmo 23

Quando jovem tive o Senhor por pastor
e então nada me faltava
caminhava galhardamente pelas ruas da acrópole
e meus pés eram ligeiros como os de um antílope
e não havia malefício que me inquietasse

primeiro alimentou-me o amor materno
suas palavras sábias tornaram-me nobre                               
e de elevados propósitos
havia então pureza de espírito em mim
e generosidade em minhas ações

depois tive braços carinhosos e tenros
que me cingiram com enlevo
e mãos sábias e prenhes de amor
que me fizeram descobrir os encantos do universo
que habitava em mim

minha jovem alma era leve e lampeira
podia seguir ligeira
pois a senda era ladeada por campos de girassóis
e cantos de regozijo  ecoavam à minha volta
como se fosse o melhor de Mahler
pois o Senhor estava comigo

alimentava-me de mel e leite com fartura tal
que transbordava de meu cálice
havia bondade misericórdia e alegria de viver
no mundo de então
e amparo e aconchego para minhas costas
e nem os inimigos me invejavam
e cria que o mundo haveria de ser lugar propício para habitar
pois o Senhor estava comigo

minha jornada continua ainda
os pés sangram-me da aspereza do caminho
que já se anuncia apocalíptico
pois não sei para aonde me levará ao fim

os inimigos babam raivosamente em minha cerviz
sinto seu hálito pegajoso e doentio
já não há esperança para meu espírito cansado

braços e abraços esmaeceram na lembrança
que também foge pelo orifício da ampulheta

resta-me apenas a certeza do fim
que acolherá o que sobejar de mim
não sei se haverá sossego para esses dias
nem por aonde andará o Senhor
que um dia foi o meu pastor

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