quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

uma carta póstuma dum morto para um morto póstumo

uma carta póstuma dum morto para um morto póstumo
dois dias para um ano da tua morte continuo com a
sorte de sentir saudades eternas de me sentir forte para
poder chorar a culpa do meu azar de não ter ido no teu
lugar o que que quererei fazer aqui sem ti? o mundo
perdeu o significado não tenho mais lugar para olhar
gostava de mirar tua face tuas miragens tuas viagens
pelo universo teus devaneios de reminiscências tuas
reverberações vibrações redemoinhos agora vivo aos
volteios pelos cômodos do barracão pelas cômodas do
barraco na encosta do barranco que margeia a boca da
favela aperto a fivela aperto a arruela apago a vela de
sete dias fecho o botão sinto sopro no coração não é de
vida sinto tonturas não é de bebida sinto falta não é de
comida sinto falsidades sinto tudo que não eras mentiras
hipocrisias preconceitos defeitos tudo mudou sem ti
nada continua a mesma coisa sigo perdido sem agulha
bússola rosa dos ventos alavanca astrolábio sem ponto
de apoio defunto rejeitado cadáver em adiantado estado
de putrefação sem cova sem sepultura sem campa sem
tampa sem epitáfio pedra para repousar a cabeça não
tenho nem para posar em frente ao sepulcro ou para pousar
acocorado como um pássaro num galho tudo em mim
era o que eras a era não será a mesma até logo tenho que
ir logo pois não voltas mais logo nunca mais ai até logo

BH, 03001202024; Publicado: BH. 020102025. 

CLAIR - Gilbert O'Sullivan (Lyrics on screen)

escravocrata abres teus olhos comigo

escravocrata abres teus olhos comigo
sou perigoso para a escravidão pois não
esqueci meu martírio vou lembrar até
na imensidão sou negro escravo sou
preto fujão não sou nenhum pai joão
tenho enxada tenho pá tenho picareta
facão foice martelo bigorna marreta
mutreta comigo não bato o pé no chão
empaco burro velho pé de cabra mão
de pilão pá na cara pesada firme com
pé de pilão bate estaca coração tambor
tantã pandeiro batuque batuqueiro
madrugada batucada navalhada pernada
calcanhar na testa canelada no tornozelo
cotovelada nos olhos quebra queixo
espatifa mandíbula afunda pau de nariz
põe para dentro o pomo de adão não
mexas com meu papo de galo preto meu
saco de bócio é outro negócio sou negro
de papo firmado parece o que o galo
brigão tem quem vê não vem ninguém
deixei a senzala deixei a favela casa
grande engenho cafezal vim para a
capital sem capital a polícia me faz mal
a sociedade me escravizou de novo
corro feito jumento burguesia elite que
comem meu alimento desfrutam tudo que
produzo que gera riquezas aos intrusos

BH, 03001202024; Publicado: BH, 020102025.