sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Gonçalves Dias, I Juca Pirama; BH, 0300902011.

I

No meio das tabas de amenos verdores,                                                                                                                                                 
Cercadas de troncos - cobertos de flôres
Alteiam-se os tetos d'altiva nação;
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,
Terríveis na guerra, que em densas coortes
Assombram das matas a imensa extensão.

São urdos, severos, sedentos de glória,
Já prélios incitam, Já cantam vitória,
Já meigos atendem à voz do cantor:
São todos Timbiras, guerreiros valentes!
Seu nome lá voa na bôca das gentes,
Condão de prodígios de glória e terror!

As tribos vizinhas, sem fôrças, sem brio,
As armas quebrando, lançando-as ao rio,
O incenso aspiraram dos seus maracás:
Medrosos das guerras que os fortes acendem,
Custosos tributos ignavos lá rendem,
Aos duros guerreiros sujeitos na paz.

No centro da taba se estende um terreiro,
Onde ora se aduna o concílio guerreiro
Da tribo senhora, das tribos servis:
Os velhos sentados praticam d'outrora,
E os moços inquietos, que a festa enamora,
Derramam-se em tôrno dum índio infeliz.

Quem é? - ninguém sabe: seu nome é ignoto,
Sua tribo não diz: - de um povo remoto
Descende por certo - dum povo gentil;
Assim lá na Grécia ao ecravo insulano
Tornavam distinto do vil muçulmano
As linhas corretas do nobre perfil.

Por casos de guerra caiu prisioneiro
Nas mão dos Timbiras: - no extenso terreiro
Assola-se o teto, que teve em prisão;
Convidam-se as tribos dos seus arredores,
Cuidosos se incumbem do vaso das côres,
Dos vários aprestos de honrosa função.

Acerva-se a lenha da vasta fogueira
Entesa-se a corda da embira ligeira,
Adorna-se a maça com penas gentis:
A custo, entre as vagas do povo da aldeia
Caminha o Timbira, que a turba rodeia,
Garboso nas plumas de vário matiz.

Em tanto as mulheres com lêda trigança,
Afeitas ao rito da bárbara usança,
O índio já querem cativo acabar:
A coma lhe cortam, os membros lhe tingem,
Brilhante enduape no corpo lhe cingem,
Sombreia-lhe a fronte gentil canitar.

II

Em fundos vasos d'alvacenta argila ferve o cauim;
Enchem-se as copas, o prazer começa, reina o festim.

O prisioneiro, cuja morte anseiam, sentado está,
O prisioneiro, que outro sol no ocaso jamais verá!

A dura corda, que lhe enlaça o colo, mostra-lhe o fim
Da vida escura, que será mais breve do que o festim!

Contudo os olhos d'ignóbil pranto secos estão;
Mudos os lábios não desceram queixas do coração.

Mas um martírio, que encobrir não pode, em rugas faz
A mentirosa placidez do rosto na fronte audaz!

Que tens, guerreiro? Que temor te assalta no passo horrendo?
Honra das tabas que nascer te viram, folga morrendo.

Folga morrendo; porque além dos Andes revive o forte,
Que soube ufano contrastar os mêdos da fria morte.

Rasteira grama, exposta ao sol, a chuva, lá murcha e pende:
Somente ao tronco, que devassa os ares, o raio ofende!

Que foi? Tupã mandou que êle caísse, como viveu;
E o caçador que o avistou prostrado esmoreceu!

Que temes, ó guerreiro? Além dos Andes revive o forte,
Que soube fano contrastar os mêdos da fria morte.

III

Em larga roda de novéis guerreiros
Ledo caminha o festival Timbira.
A quem do sacrifício cabe as honras.
Na fronte o canitar sacode em ondas,
O enduape na cinta se embalança,
Na destra mão sopesa a iverapeme,
Orgulhoso e pujante. - Ao menor passo
Colar d'alvo marfim, insígnia d'honra,
Que lhe orna o colo e o peito, ruge e freme,
Como que por feitiço não sabido
Encantadas ali as almas grandes
Dos vencidos Tapuias, inda chorem
Serem glória e brasão d'imigos feros.

"Eis-me aqui", diz ao índio prisioneiro;
"Pois que fraco, e sem tribo, e sem família,
"As nossas matas devassaste ousado,
"Morrerás morte vil da mão de um forte."

Vem a terreiro o mísero contrário;
Do colo à cinta a muçurana desce:
"Diz-nos quem és, teus feitos canta,
"Ou se mais te apraz, defende-te". Começa
O índio que ao redor derrama os olhos,
Com triste voz que os ânimos comove.

IV

Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo Tupi.

Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.

Já vi cruas brigas,
De tribos imigas,
E as duras fadigas
Da guerra provei:
Nas ondas mendaces
Senti pelas faces
Os silvos fugaces
Dos ventos que amei.

Andei longas terras
Lidei cruas guerras,
Vaguei pelas serras
Dos vis Aimorés;
Vi lutas de bravos,
Vi fortes - escravos!
De estranhos ignavos
Calcados aos pés.

E os campos talados,
E os arcos quebrados,
E os piagas coitados
Já sem maracás;
E os meigos cantores,
Servindo a senhores,
Que vinham traidores,
Com mostras de paz.

Aos golpes do imigo
Meu último amigo,
Sem lar, sem abigo
Caiu junto a mi!
Com plácido rosto,
Sereno e composto,
O acerbo desgôsto
Comigo sofri.

Meu pai a meu lado
Já cego e quebrado,
De penas ralado,
Firmava-se em mi:
Nós ambos, mesquinhos,
Por ínios caminhos,
Cobertos d'espinhos
Chegamos aqui!

O velho no entanto
Sofrendo já tanto
De fome e quebranto
Só qu'ria morrer!
Não mais me contenho,
Nas matas me embrenho
Das frechas que tenho
Me quero valer.

Então, forasteiro,
Caí prisioneiro
De um trôço guerreiro
Com que me encontrei:
O cru dessossêgo
Do pai fraco e cego,
Qual seja, -  dizei!

Eu era o seu guia
Na noite sombria,
A só alegria
Que Deus lhe deixou:
Em mim se apoiava,
Em mim se firmava,
Em mim descansava,
Que filho lhe sou.

Ao velho coitado
De penas ralado,
Já cego e quebrado,
Que resta? - Morrer.
Enquanto descreve
O giro tão breve
Da vida que teve,
Deixai-me viver!

Não vil, não ignavo,
Mas forte, mas bravo,
Serei vosso escravo:
Aqui virei ter.
Guerreiros, não coro
Do pranto que choro;
Se a vida deploro,
Também sei morrer.

V

Soltai-o! - diz o chefe. Pasma a turba;
Os guerreiros murmuram: mal ouviram,
Nem pôde nunca um chefe dar tal òrdem!
Brada segunda vez com voz mais alta,
Afrouxam-se as prisões, a embira cede,
A custo, sim; mas cede: o estranho é salvo.

- Timbira, diz o índio enternecido,
Sôlto apenas dos nós que o seguravam:
És um guerreiro  ilustre, um grande chefe,
Tu que assim do meu mal te comoveste,
Nem sofres que, transposta a natureza,
Com olhos onde a luz já não cintila,
Chore a morte do filho o pai cansado,
Que sómente por seu na voz conhece.
- És livre, parte. - E voltarei. - Debalde.
- Sim, voltarei, morto meu pai. - Não voltes!
É bem feliz, se existe, em que não veja,
Que filho tem, qual chora: és livre; parte!
- Acaso tu supões que me acobardo,
Que receio morrer! - És livre; parte!
- Ora não partirei; quero provar-te
Que um filho dos Tupis vive com honra,
E com honra maior, se acaso o vencem,
Da morte o passo glorioso afronta.

- Mentiste, que um Tupi não chora nunca,
E tu choraste!... parte; não queremos
Com carne vil enfraquecer os fortes.

Sobresteve o Tupi: - arfando em ondas
O rebater do coração se ouvia
Precípite. - Do rosto afogueado
Gélidas bagas de suor corriam:
Talvez que o assaltava um pensamento...
Já não... que na enlutada fantasia,
Um pesar, um martírio ao mesmo tempo,
Do velho pai a moribunda imagem
Quase bradar-lhe ouvia: - Ingrato ingrato!
Curvado o colo, taciturno e frio.
Espectro d'homem, penetrou no bosque!

Gonçalves Dias, I Juca Pirama; BH, 0300902011.

VI

- Filho meu, onde estás? - Ao vosso lado;
Aqui trago provisões; tomai-as,
As vossas fôrças restaurai perdidas,
E a caminho, e já! - Tardaste muito!
Não era nado o sol, quando partiste,
E frouxo o seu calor já sinto agora!
- Sim demorei-me a divagar sem rumo,
Perdi-me nestas matas intrincadas,
Reaviei-me e tornei; mas urge o tempo;
Convém partir, e já! - Que novos males
Nos resta de sofrer? - que novas dores,
Que outro fado pior Tupã nos guarda?
- As setas da aflição já se esgotaram,
Nem para nòvo golpe espaço intacto
Em nossos corpos resta. - Mas tu tremes!
- Talvez do afã da caça... - Oh filho caro!
Um quê misterioso aqui me fala,
Aqui no coração; piedosa fraude
Será por certo, que não mentes nunca!
Não conheces temor, e agora temes?
Vejo e sei: é Tupã que nos aflige,
E contra o seu querer não valem brios.
Partamos!... - E com mão trêmula, incerta
Procura o filho, tacteando as trevas
De sua noite lúgubre e medonha.
Sentindo o acre odor das frescas tintas,
Uma idéia fatal correu-lhe à mente...
Do filho os membros gélidos apalpa,
E a dolorosa maciez das plumas
Conhece estremecendo: - foge, volta,
Encontra sob as mãos o duro crânio,
Despido então do natural ornato...
Recua aflito e pávido, cobrindo
Às mãos ambas os olhos fulminados,
Como que teme ainda o triste velho
De ver, não mais cruel, porém mais clara,
Daquele exício grande a imagem viva
Ante os olhos do corpo afigurada.
Não era que a verdade conhecesse
Inteira e tão cruel qual tinha sido;
Mas que funesto azar ocorrera o filho,
Êle o via; êle o tinha ali presente;
E era de repetir-se a cada instante.
A dor passada, a previsão futura
E o presente tão negro, ali os tinha;
Ali no coração se concentrava,
Era num ponto só, mas era a morte!

- Tu prisioneiro, tu? - Vós o dissestes.
- Dos índios? - Sim, - De que nação? - Timbiras.
- E a muçurana funeral rompeste,
Dos falsos manitôs quebraste a maça...
- Nada fiz... aqui estou. - Nada! -  Emudecem;
Curto instante depois prossegue o velho:
- Tu és valente, bem o sei; confessa,
Fizeste-o, certo, ou já não fôras vivo!
- Nada fiz; mas souberam da existência
De um pobre velho, que em mim só vivia...
- E depois?... - Eis-me aqui. - Fica essa taba?
- Na direção do sol, quando transmonta.
- Longe? - Não muito. - tens razão: partamos.
- E quereis ir?... - Na direção do ocaso.

VII

"Por amor de um triste velho,
Que ao têrmo fatal já chega,
Vós, guerreiros, concedestes
A vida a um prisioneiro.
Ação tão nobre vos honra,
Nem tão alta cortesia
Vi eu jamais praticada
Entre os Tupis, - e mas foram
Senhores em gentileza.

"Eu porém nunca vencido,
Nem nos combates por armas,
Nem por nobreza nos atos;
Aqui venho, e o filho trago.
Vós o dizeis prisioneiro,
Seja assim como dizeis;
Mandai vir a lenha, o fogo,
A maça do sacrifício
E a muçurana ligeira:
Em tudo o rito se cumpra!
E quando eu for só na terra,
Certo acharei entre os vossos,
Que tão gentis se revelam,
Alguém que meus passos guie;
Alguém, que vendo o meu peito
Coberto de cicatrizes,
Tomando a vez do meu filho,
De haver-me por pai se ufane!"
Mas o chefe dos Timbiras,
Os sobrolhos encrespando,
Ao velho Tupi guerreiro
Responde com tôrvo acento:

- Nada farei do que dizes:
É teu filho imbele e fraco!
Aviltaria o triunfo
Da mais guerreira das tribos
Derramar seu ignóbil sangue:
Êle chorou de cobarde;
Nós outros, fortes Timbiras,
Só de heróis fazemos pasto. -

Do velho Tupi guerreiro
A surda voz na garganta
Faz ouvir uns sons confusos,
Como os rugidos de um tigre,
Que pouco a pouco se assanha!

VIII

"Tu choraste na presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Sêres prêsa de vis Aimorés.

"Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontre amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz!

"Não encontres doçura no dia,
Nem as côres da aurora te ameiguem,
E entre as larvas da noite sombria
Nunca possas descanso gozar:
Não encontres um tronco, uma pedra,
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Padecendo os maiores tormentos,
Onde possas a fronte pousar.

"Que a teus passos a relva se torre;
Murchem prados, a flor desfaleça,
E o regato que límpido corre,
Mais te acenda o vosso furor;
Suas águas depressa se tornem,
Ao contato dos lábios sedentos,
Lago impuro de vermes nojentos,
Donde fujas com asco e terror!

"Sempre o céu, como um teto incendido,
Creste e punja teus membros malditos
E oceano de pó denegrido
Seja a terra ao ignavo tupi!
Miserável, faminto, sedento,
Manitôs lhe não falem nos sonhos,
E do horror os espectros medonhos
Traga sempre o cobarde após si.

"Um amigo não tenhas piedoso
Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d'argila cuidoso
Arco e frecha e tacape a teus pés!
Sê maldito e sòzinho na terra;
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és."

IX

Isto dizendo, o miserando velho,
A quem Tupã tamanha dor, tal fado
Já nos confins  da vida reservara,
Vai com trêmulo pé, com as mãos já frias
Da sua noite escura as densas trevas
Palpando. - Alarma! alarma! - O velho pára!
O grito que escutou é voz do filho,
Voz de guerra que ouviu já tantas vêzes
Noutra quadra melhor. - Alarma! alarma!
- Êsse momento só vale a pagar-lhe
Os tão compridos trances, as angústias,
Que o frio coração lhe atormentaram.
De guerreiro e de pai: - vale, e de sobra.
Êle que em tanta dor se contivera,
Tomado pelo súbito contraste,
Desfaz-se agora em pranto copioso,
Que o exaurido coração remoça.

A taba se alborota, os golpes descem,
Gritos, imprecações profundas soam,
Emaranhada a multidão braveja,
Revolve-se, enovela-se confusa,
E mais revôlta em mor furor se acende.
E os sons dos golpes que incessantes fervem,
Vozes, gemidos, estertor de morte
Vão longe pelas êrmas serranias
Da humana tempestade propagando
Quantas vagas do povo enfurecido
Contra um rochedo vivo se quebravam.

Era êle, o Tupi, nem fôra justo
Que a fama dos Tupis - o nome, a glória,
Aturado labor de tantos anos,
Derradeiro brasão da raça extinta,
De um jacto e por um só se aniquilasse.

- Basta! clama o chefe dos Timbiras,
- Basta, guerreiro ilustre! assaz lutaste,
E para o sacrifício é mister fôrças. -

O guerreiro parou, caiu nos braços
Do velho pai, que o cinge contra o peito,
Com lágrimas de júbilo bradando:
"Este, sim, que é meu filho muito amado!
"E pois que o acho enfim, qual sempre o tive,
"Corram livres as lágrimas que choro,
"Estas lágrimas, sim, que não desonram."

X

Um velho Timbira, coberto de glória,
Guardou a memória
Do môço guerreiro, do velho Tupi!
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
Do que êle contava,
Dizia prudente: - "Meninos, eu vi!
!Eu vi o brioso no largo terreiro
Cantar prisioneiro
Seu canto de morte, que nunca esqueci:
Valente, como era, chorou sem ter pejo;
Parece que o vejo,
Que o tenho nest'hora diante de mi:

"Eu disse comigo: que infâmia d'escravo!
Pois não, era um bravo;
Valente e brioso, como êle, não vi!
E à fé que vos digo: parece-me encanto
Que quem chorou tanto,
Tivesse a coragem que tinha o Tupi!"

Assim o Timbira, coberto de glória,
Guardava a memória
Do môço guerreiro, do velho Tupi,
E à noite nas tabas, se alguém duvidava
Do que êle contava,
Tornava prudente: "Meninos, eu vi!"

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Mostra-me tuas mãos; RJ, 020701981; Publicado: BH, 0290902011.

Mostra-me tuas mãos,
Teus pés e tuas pernas;
Mostra-me teu corpo,
Teu rosto, teu dorso;
Mostra-me tuas costas,
Tua bunda e teu umbigo;
Mostra-me tu, tudo, toda,
Teu corpo todo,
Teus olhos e cabelos,
Teus pelos e manchas;
Dança toda nua,
Na minha frente;
Mostra-me teus pentes,
Tuas lentes,
Teus dentes;
Segura e sinta
E vê se é bom;
Mostra-me teu sexo,
Teu amor e teu calor;
Suga-me e me arranha;
Abraça-me e me aperta;
Mostra-me tua manha,
Tua gana e tua tara;
Mostra-me tua liberdade,
Tua liberalidade,
Sua libertina;
Mostra-me tua safadeza,
Sua sacana,
De corpo e alma,
De físico e espírito,
Sentimento e pensamento;
Mostra-me teu talento,
Tua arte e tua glória;
Mostra-me o teu charme,
Tua beleza e tua feiura,
Tua danura e tua pressa;
Mostra-me tuas vestes,
Teus cheiros e teus odores;
Mostra-me tudo por favor.

Não tenho as sementes; BH, 01º0502000; Publicado: BH, 0290902011.

Não tenho as sementes,
Revestidas do pericarpo distinto;
Não sou angiospermo e me
Anglicizar é perda total de tempo,
Anglizar num comportamento
É me violentar; e não
Quero me submeter à influência
Inglesa; é de encher o saco os
Anglicismos dessa linguagem;
Não tenho inveja do que é ânglico,
Inglês ou anglo, nada vai me anglizar;
Dar-me feição inglesa, me tornar inglês;
Que me perdoeis Shakespeare,
Henry Fielding, Bertrand Russel,
D H Lawrence, mas não sinto anglofilia;
Não sinto amor a tudo que seja vossos;
Não sou anglófilo e nem amigo
A vossos costumes; penso que até
Sofro de anglofobia, ódio à Inglaterra;
Penso que sou anglófobo e sou
Favorável à independência da Irlanda;
Não quero passar por imitação
Exagerada e nem ter paixão desenfreada,
Como na anglomania da maioria;
Não sou anglomaníaco e nem o
Anglo-normando que se fundiu
Com saxão, e nem anglo-saxão;
Sai de mim anglo-saxônico;
A história mostrou muito bem
A Inglaterra na Índia, África,
Brasil, em Minas Gerais e em outros
Países mais; e a bem da verdade,
E estou mais para angolense
De Angola, o natural e habitante angolano;
Sou mais é uma angolinha,
Uma galinha d'angola ou
Uma planta forraginosa.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Quando tu me abandonaste; BH, 01º0502000; Publicado: BH, 0280902011.

Quando tu me abandonaste,
Aumentou em muito minha angialgia;
Senti tamanha dor num trajeto
Dum vaso sanguíneo, que nem
O angevino do Anju de França,
Foi capaz de diminuir a dor;
Era tanto o êxtase no meu estado
Angialgico, que me perdi num
Angical simples, dum bosque
De angico, que com tanta aflição,
Quase me matou a angiectasia:
Denominação genérica das
Dilatações patológicas dos vasos sanguíneos;
Volta enquanto é tempo
E acaba com meu quadro angiectásico;
Volta enquanto é tempo
E regulariza a situação angiectática;
Não suporto mais a angiectopia, a
Anomalia do meu vaso sanguíneo;
Sou todo uma angite só;
Venha me curar, não consigo respirar;
Estou asfixiante, anginoso;
Foi assim que tu me deixaste;
E assim queres me matar;
Queres secar meu angio, do grego aggeion,
Meu complexo linfático,
Como num câncer terminal;
Com todo o conhecimento angiográfico,
Com todo o mapa angiológico,
Adquirir um angioma maligno,
Tumor formado pela proliferação linfática,
Uma angiopatia fatal,
Que causa angiosclerose angiopática,
Ao passar pela angiose duma arteriosclerose,
Pela denominação genérica das doenças
Que têm a sua sede no sistema vascular e é
Acabar por morrer antes da tua volta
Ou antes de terminar meu depoimento.

Meu sangue; RJ/SD; Publicado,: BH, 0280902011.

Meu sangue
Já escorreu todo
De minhas veias;
Já perdi a fé,
A coragem
E a esperança;
Meu coração
Já parou
E não tenho mais nada,
Nem vida e
Nem paz
E nem amor;
Meu sangue coagulou,
No cimento da calçada;
Nem a mosca pousou;
Meu cadáver evaporou
E desapareci
Na poeira da noite
Sem luar
E sem estrelas,
Sem mim;
Segui sozinho,
Sem vela
E sem caminho.

Preciso urgentemente dum instrumento; BH, 01º0502000; Publicado: BH, 0280902011.

Preciso urgentemente dum instrumento,
Para medir os meus ângulos; pode ser
Um angulário de caráter e qualidade e com
Angularidade que conheça e que identifique
Os meus ângulos, que são menores do que
O angström, e medem menos que
A unidade de comprimento
Equivalente a um décimo-milésimo
Do micro ou seja 10-7mm, com homenagem
A A. J. Angström, 1814-1874, físico sueco;
E o meu rasto é de angüi, elemento
Latino de composição vocabular e
Designa cobra; e o meu sangue
É angüicida e tem a propriedade de
Matar cobras; minha alma é angüiforme,
Tem a forma de enguia, espécime dos
Anguiliformes, família de peixes
Malacopterígios, a que serve de
Tipo a enguia, que tem pés de dragão;
Pés tortuosos e anguípedes
E que se alimentam de angüiste,
Comida semelhante ao angu,
Ao angulado e anguifero,
Que cria ou tem cobras;
Meu espírito é angüicomado e
Minha mente anguícoma;
Sou coroado de serpentes,
Por fora uma medusa angelicó,
Trepadeira da família das Aristolóquiaceas,
Um angelim-amoroso, árvore da
Família das Leguminosas; um
Angelino, um ser angélico e
Por dentro e nem Deus sabe
A verdadeira composição.

Perdi a angelização; BH, 01º0502000; Publicado: BH, 0280902011.

Perdi a angelização,
Um modo de me angelizar,
De me tornar-me um angelo, ou
Um ente de composição,
De formação vocabular de origem grega
Com ideia de anjo na angeolatria;
Perdi a oportunidade de ser
Um angeolatra, uma pessoa que adora
Culto aos anjos na angeologia,
Tratado acerca e na crença
Da intervenção dos anjos na vida;
De angeolátrico angeológico,
Quem me dera um dia,
E nessa angelônia que é
Nome de diversas plantas
Medidinais e ornamentais
Da família das Escrofulariáceas;
E aproveito este raro momento
Dum lapso angelical para dar
Nota zero ao doutor
Jorge Amado Santos Medina,
Um irmão meu médico
Vereador, a quem entreguei
Um manifesto, oriundo duma
Viagem que fiz de trem,
Com a minha filha Yaznayah,
De Belo Horizonte à cidade de
São Tomé do Rio Doce, para que 
Publicasse num jornal de Teófilo Otoni;
E não leu o manifesto,
Não publicou, o perdeu e nem
Deu-me uma satisfação;
E até hoje eu choro e meu
Peito sangra pela perda desse
Manifesto, como se tivesse perdido
Um filho; portanto zero pela
Tamanha falta de respeito com o autor.

A lei é sobreviver; RJ; S/D; Publicado: BH, 0280902011.

A lei é sobreviver;
A realidade bruta
Manda sobreviver;
Viver não vivo,
Feliz não sou
E pago um preço,
Muito alto,
Pela culpa,
Que não tenho;
Pelo pecado que não cometi
E por tudo
Que não sou;
No peito e na raça,
E vou aguentar,
A tropeçar e a esbarrar,
A cair e a machucar,
Ao seguir a lei,
Na minha santa ignorância,
A fazer do meu suor
A minha sobrevivência;
É a norma da lei,
Do universo e do tempo;
Aguentar firme,
Não deixar cair o pano:
O próximo ato pode ser a vida.

Caetano Veloso, Força estranha; BH, 0280902011.


Eu vi um menino correndo, eu vi o tempo
Brincando ao redor
Do caminho daquele menino,
Eu pus os meus pés no riacho.
E acho que nunca os tirei.
O sol ainda brilha na estrada que eu nunca passei.
Eu vi a mulher preparando outra pessoa
O tempo parou pra eu olhar para aquela barriga.
A vida é amiga da arte
É a parte que o sol me ensinou.
O sol que atravessa essa estrada que nunca passou.
Por isso uma força me leva a cantar,
Por isso essa força estranha no ar.
Por isso é que eu canto, não posso parar.
Por isso essa voz tamanha.
Eu vi muitos cabelos brancos na fonte do artista
O tempo não pára no entanto ele nunca envelhece.
Aquele que conhece o jogo, o jogo das coisas que são.
É o sol, é o tempo, é a estrada, é o pé e é o chão.
Eu vi muitos homens brigando, ouvi seus gritos
Estive no fundo de cada vontade encoberta,
E a coisa mais certa de todas as coisas.
Não vale um caminho sob o sol.
E o sol sobre a estrada, é o sol sobre a estrada, é o sol.
Por isso uma força me leva a cantar,
Por isso essa força estranha no ar.
Por isso é que eu canto, não posso parar.
Por isso essa voz tamanha.

Caetano Veloso, Sampa; BH, 0280902011.

Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas
Ainda não havia para mim Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos mutantes
E foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vende outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso
Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva
Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
Mais possível novo quilombo de Zumbi
E os novos baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Na cabeça trago uma anguzada; BH, 01º0502000; Publicado: BH, 0270902011.

Na cabeça trago uma anguzada,
Uma mistura de coisas, confusão
De ideias e de ideais; uma mescla,
Vivo na intriga e no mexerico;
Na reunião desordenada de pessoas,
Que nada têm a ver comigo;
Meu espaço de locomoção é angusto,
Apertado devido à minha timidez
E estreito por ser tão mesquinho;
Meu bico é muito estreito e agudo,
Angustirrostro e minhas asas
Angustípenes e ninguém tem,
Nenhuma pena de mim: nem eu;
E como tudo em mim é angusti,
Do latim angustu, elemento de
Composição vocabular com
Ideia de estreiteza angustiada;
Nasci aflito e agoniado
E de coração atribulado;
Angustímano de mãos,
Angustifólio e angustifoliado de folhas
E angustidentado de dentes;
E nem sou suplementar, pois a
Minha soma não vale 180°;
E sem ser correspondente, por
Não ser formado por uma secante
E duas paralelas, e nem ser interno
E nem externo, do mesmo lado da
Secante, mas não adjacente;
E o espelho reflete o bico angulirrostro,
E o pescoço angulícolo
E o coração um angulete;
E dentro deste ângulo diminutivo,
Cavidade talhada em ângulo reto,
Porém escrevo da mesma maneira,
Que Dali pintava uma tela
E enxergo as frases da mesma maneira,
Que Dali enxergava uma paisagem.

Maria de Nazaré, Querido Ivan; S/D.

Mesmo depois de todo este tempo,
Sinto tua falta, quando não estás aqui;
Antes aqui estivesse, querido Ivan...
Nunca mais brigarei contigo;

Sim, eu sou teu anjo,
Darti-ei tudo,
O que esteja em meu poder mágico,
É só fazeres um pedido
E teu desejo será realizado.

E estou em paz; RJ; S/D; Publicado: BH, 0270902011.

E estou em paz,
Estou perfeitamente em paz;
Minh'alma está tranquila,
Serena e calma;
Minha consciência está consciente
E já posso sentir,
Amar e viver;
E estou feliz,
A transbordar de felicidade;
Meu rosto brilha,
Meu sorriso é leve,
Aberto e franco,
Meu sorriso é fácil,
Sincero e natural;
E sou real,
Sou profissional,
Amplo e total;
E estou seguro,
Sem medo
E sem remorso;
Tenho a esperança
Dum dia alcançar
A complementação do meu ser,
A minha perfeição espiritual.

Fui fruto dum amor; BH, 01º0502000; Publicado: BH, 0270902011.

Fui fruto dum amor
E não duma anfimixia,
Mais uma reprodução sexuada,
E com fusão de dois gametas;
Habitante de zona tórrida,
Das areias quentes dos desertos,
Sou um peixe anfíscio fóssil
E no meu mar de areias,
Os navios podem atracar,
Com as proas ou com as popas,
Mesmo sem serem anfídromos;
E aquela ansiedade da anforicidade,
A existência do sopro anfórico, morreram;
O ruído anfófico dos meus pulmões,
No meu peito, não me mata a angústia de
Amar; o som que se obtém ao soprar
Numa ânfora ou noutra vasilha
De colo estreito é o som da vida;
O som que se ouve na
Auscultação do peito,
É o som da morte,
Em caso de existência de
Cavernas tuberculosas,
Anfóricas ou pneumotóraxes;
Fui fruto dum amor,
Não sou de proveta,
Nem de tubo de ensaio,
Nem clonado e nem em in vitro;
Não fui cobaia de laboratório,
Um rato de experiência;
Fui fruto duma dor,
Causei dor e sou a dor,
A dor do parto do amor;
A dor humana e não humanoide,
A dor eterna suportável,
Que jorra as lágrimas de alegria,
Que jorra o sangue da hemorragia,
Que não fazemos questão de estancar.

A vida vai melhorar; RJ, 040601981; Publicado: BH, 0270902011.

A vida vai melhorar,
Não podemos nos desesperar,
Temos mais é que lutar,
Para poder nos libertar;
Não podemos nos entregar,
Desistir no meio do caminho;
Temos que pôr na cabeça,
Temos que nos conscientizar,
A vida vai melhorar;
É aumentar a esperança,
A fé e a paixão;
Encher de sabor a vida,
Amar ao nosso irmão;
Colocar paz em nosso olhar,
E amor no coração;
Construir um mundo harmonioso,
Tranquilo e sereno;
Uma humanidade humana,
Cheia de irmandade e calor;
A vida vai melhorar,
Sem a fome e a pobreza,
Sem a política e a ilusão,
Vai melhorar de verdade,
Vai chegar a felicidade;
Vamos sorrir e cantar,
Numa mesma língua,
Em um único mundo;
Não perca a cabeça,
Não perca a calma,
Chorar não adianta;
Sonhar não é necessário,
Necessário é viver intensamente
E procurar uma maneira,
De melhorar nossa vida,
Abrir a voz e dizer sem pensar
A vida vai melhorar.

Quem não tem espiritualidade; BH, 0280602000; Publicado: BH, 0270902011.

Quem não tem espiritualidade,
Quem não tem grandeza de espírito,
Retidão de pensamento, escreve,
Assim, da maneira que escrevo:
Como um ardeídeo, espécime dos Ardeídeos,
Família de aves ciconiformes, de corpo alongado,
Pescoço comprido, bico longo e forte,
Patas e dedos longos, do tipo da garça;
Ao andar como um corcunda,
Com o peso arcual e a costa
Que tem forma de arco;
O escritor audacioso e brilhante,
Tem o pensamento mais elevado
Do que o Arcturo, a estrela principal
Da constelação de Boieiro;
O poeta maior tem a poesia,
Maior do que o Arctor, a Ursa Maior
Ou maior do que as duas Ursas juntamente;
Quem não tem sabedoria na escrita,
Faz como eu e a arctação,
A estenose do orifício dum meato
Ou canal no organismo; e então,
Um dia espero atingir o perfil
De escritor e de poeta, firme
Como um arcobotante, um pilar terminado
Em meio arco e que ampara
Exteriormente parede ou abóbada;
Um pegão, grande pilar ou suporte,
O maciço em que se apoiam
Os arcos das pontes; devastador,
Como um grande pé de vento;
Quem escreve é como um estribo,
A peça de metal ou madeira,
Em que o cavaleiro firma o pé;
A pequena plataforma, à maneira
Dum degrau nos veículos para
Facilitar o embarque e desembarque
Dos passageiros mentais.

Não tenho e nem quero; BH, 280602000; Publicado: BH, 0270902011.

Não tenho e nem quero,
Nenhuma relação com o clero:
Nem arciprestal e nem arciprestada,
A tal dignidade e jurisdição do arci
De arcipreste, aqui atenção,
Ligação com a igreja,
Graças a Deus, não quero nenhuma;
O homem nunca precisou
Da igreja para a sua salvação;
A igreja é que precisa
Do dinheiro do homem,
Para a sua sustentação;
E a única manifestação arciforme,
Que tem forma de arco e que
Sem dúvida, me comove,
É o arco-íris colorido arcífero;
Que não é arcifino e nem tem
Limite geográfico natural;
Só armado o arco no firmamento,
Que some quando chega a archotada,
Acompanhada do cortejo noturno de estrelas,
Que parece iluminado com archotes,
Numa marcha de constelações celestiais;
E toda a minha imaginação,
Cabe no ornato da pequena arca,
O archete que sustenta meu coração;
Sei que sou um archeiro errado,
Um alabardeiro que nunca acerta o alvo,
Um guarda de paços, desempregado,
Que usava o arco e a flecha
E também a conhecida archa,
Armas antigas que eram usadas pelos archeiros
Para acabar com os arcediagados da inquisição.

Odeio; RJ, 080601981; Publicado: BH, 0370902011.

Odeio:
O que trago nas veias
É o ódio;
No peito não tenho coração,
Tem ódio,
Raiva e rancor,
Cólera;
Odeio,
Odeio a todos,
Odeio tudo e
Só conheço o ódio,
Só conheço esta doença,
O nervosismo,
O medo e a insegurança;
Odeio,
Odeio-me,
Odeio o mundo,
A humanidade,
E a sociedade;
Odeio o capitalismo,
O comunismo
E o socialismo;
Odeio a política,
Os políticos e os militares;
Odeio as armas,
Odeio a guerra,
O desamor e o terror;
Odeio os covardes,
Os assassinos e destruidores
Da paz e do lar,
Do amor e das crianças.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Minha ignorância é uma pedra; BH, 0280602000; Publicado: BH, 0260902011.

Minha ignorância é uma pedra,
Tão bruta e dura, que nem com
O arcete, conseguirei abrir,
Uma porta no meu ser apedeuta;
Nem a serra especial para cortar
Pedras, conseguirá abrir uma fenda,
Na hipocrisia da minha obtusidade;
Os gavetões do meu arcaz estão
Lacrados com grandes rochas; e
Até o arcebispo já me fez
Uma reza arcebispal, para ver
Se conseguia me iluminar,
Abrilhantar-me e engrandecer-me;
Todas as formas alteradas foram usadas:
De arce e de aque e de arqui
E nada consegui de urgir;
Minha arcatura era uma arcaria
Fingida, que serve de ornato
Às fachadas e é comum em
Certos estilos arquitetônicos;
Meu perfil arcangélico era
Uma pequena cobertura
Que encobria os recifes,
Que formavam o meu rosto;
A arcal, planta rosácea, espécie
De esteva, que se cria nas turfeiras
Da minha face, servia
Para encobrir a minha dor;
A dor que me faz arcaizar,
Tornar-me um arcaico de vergonha,
De feição arcaica e jeito arcaísta
E todo o meu arcaísmo é para
Esconder-me, inibir-me e aumentar a arcadura,
A curvatura das trevas e das sombras
Que carrego em minhas costas.

Ai quem me dera se; BH, 0280602000; Publicado: BH, 0260902011.

Ai quem me dera se,
Fosse um arcador honrado,
Um operário honesto que,
Nas fábricas de chapéus, seleciona
O pelo, a prepará-lo para a fula;
Porém, não passo dum arcado,
Arqueado no peso da ignorância e
Curvado pelo peso da obscuridade;
Não conheci o clacisscismo do arcadismo,
A influência literária das arcádias
E o que há de acádico em mim,
São só os meus erros eternos;
Minhas falhas infinitas,
Que se tivesse de contá-las,
Contaria e contaria, sem
Jamais chegar ao fim;
Melhor teria sido se,
Recebesse uma arcabuzaria na cabeça;
Uma troca armada de arcabuzeiro,
Para esfacelar meu cérebro derradeiro;
Uma descarga de arcabuzes, fuzilaria
E nada sobraria desta cabeça sombria;
Chama o melhor arcabuzeiro fabricante ou
O indivíduo armado de arcabuz;
Chama o batalhão, a manga,
Todo o regimento para me arcabuzar,
Matar-me a tiros, acabar comigo,
Fuzilar-me; e espingardear
Com tanta ignorância e imbecilidade,
Só um arcabuzamento inevitável,
Uma arcabuzada sem fim;
Ai de mim, malgrado meu,
Não mereço continuar a viver,
Sem romper a condição
De ser arbustivo e de ser
Este arbustiforme rupestre.

João Cabral de Melo Neto, O Rio; BH, 0260902011.

Sempre pensara em ir
Caminho do mar.
Para alguns bichos e rios
Nascer já é caminhar.
Eu não sei o que os rios
Têm de homem do mar;
Sei que sente o mesmo
E exigente chamar.
Eu já nasci descendo
A serra que se diz do Jacarará,
Entre caraibeiras
De que só sei por ouvir contar
(Pois, também como gente,
Não consigo me lembrar
Dessas primeiras léguas
De meu caminhar).
Desde tudo que me lembro,
Lembro-me bem de que baixava
Entre terras de sede
Que das margens me vigiavam.
Rio menino, eu temia
Aquela grande sede de palha,
Grande sede sem fundo
Que águas meninas cobiçava.
Por isso é que ao descer
Caminho de pedras eu buscava,
Que não leito de areia
Com suas bocas multiplicadas.
Leito de pedra abaixo
Rio menino eu saltava.
Saltei até encontrar
As terras fêmeas da Mata.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Beth Carvalho de Nelson Sargento, Agoniza mas não morre; BH, 02501202010.

 

Samba, agoniza mas não morre
Alguém sempre te socorre
Antes do suspiro derradeiro
Samba, negro forte destemido
Foi duramente perseguido
Na esquina, no botequim, no terreiro
Samba, inocente pé no chão
A fidalguia do salão
Te abraçou, te envolveu
Mudaram toda a sua estrutura
Te impuseram outra cultura
E você não percebeu.

Álvaro de Campos/Fernando Pessoa, Apostila; BH, 040202011.

Aproveitar o tempo!
Mas o que é o tempo, para que eu o aproveite?
Aproveitar o tempo!
Nenhum dia sem linha...
O trabalho honesto e superior...
O trabalho à Virgílio, à Milton...
Mas é tão difícil ser honesto ou ser superior!
É tão pouco provável ser Milton ou ser Virgílio!

Aproveitar o tempo!
Tirar da alma os bocados precisos - nem mais nem menos -
Para com eles juntar os cubos ajustados
Que fazem gravuras certas na história
(E estão certas também do lado de baixo, que não se vê)...
Pôr as sensações em castelo de cartas, pobre China dos serões,
E os pensamentos em dominó, igual contra igual,
E a vontade em carambola difícil...
Imagens de jogos ou de paciências ou de passatempos-
Imagens da vida, imagens das vidas, Imagem da Vida...

Verbalismo...
Sim, verbalismo...
Aproveitar o tempo!
Não ter um minuto que o exame da consciência desconheça...
Não ter um ato indefinido nem factício...
Não ter um movimento desconforme com propósitos...
Boas-maneiras da alma...
Elegância de persistir...
Aproveitar o tempo!

Meu coração está cansado como um mendigo verdadeiro
Meu cérebro está pronto como um fardo posto no canto
Meu canto (verbalismo!) está tal como está e é triste.
Aproveitar o tempo!
Desde que comecei a escrever passaram cinco minutos.
Aproveitei-os ou não?
Se não sei se os aproveitei, que saberei de outros minutos?

(Passageira que viajava tantas vezes no mesmo compartimento comigo
No comboio suburbano,
Chegaste a interessar-te por mim?
Aproveitei o tempo olhando para ti?
Qual foi o ritmo do nosso sossego no comboio andante?
Qual foi o entendimento que não chegamos a ter?
Qual foi a vida que houve nisto? Que foi isto à vida?)

Aproveitar o tempo!...
Ah, deixem-me não aproveitar nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!
Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisas,
A poeira de uma estrada, involuntária e sozinha,
O regato casual das chuvas que vão acabando,
O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras,
O pião do garoto que vai a parar,
E oscila, no mesmo movimento que o da terra,
E estremece, no mesmo movimento que o da alma,
E cai, como caem os deuses no chão do Destino

WikiLeaks; BH, 01001202010; Publicado: BH, 0230902011.

Penso que Julian Paul Assange, seja um heroi;
Deveríamos agradecê-lo, por trazer
À tona, falcatruas dos governos do
Mundo, até do que sempre jogou
Mais sujo e rasteiro, o norte-americano;
Quantas sujeiras não estão escondidas
Nos subterrâneos desses governos? Julian
Paul Assange, prestou um serviço imenso
À humanidade; mostrou que plenipotenciários,
Quando querem mais poder, não medem
O tamanho da falta de escrúpulo, ética
E moral; tanto as multinacionais notórias,
Petrolíferas, laboratórios que usaram
Cobaias humanas, Julian Paul Assange expôs o que
Nós pedimos a Deus para conhecer todos os dias
E não conhecemos; aí, aparece a demagogia,
Aparece a hipocrisia e o homem é preso;
Falam em liberdade de tudo, falam em
Democracia, em igualdade, e fazem
As coisas mais sujas, e as relatam
Em documentos secretos, em correspondências
Confidenciais; não me conformo
Com o que fizeram com ele; Julian Assange é
Tipo um profeta que nos revela a
Luz; jamais imaginávamos que
Corríamos tantos riscos e que governos
Eram capazes de fazer o que os documentos
E vídeos mostraram; muito obrigado Julian,
Por expor essas entranhas, esses
Organismos, que se apresentam
Como assépticos e que no fundo
Fedem igual latrina mal lavada.

Nietzsche, Fazer brilhar sua própria felicidade; BH, 0120202011.

Do mesmo modo que os pintores que de maneira alguma
Podem atingir o tom profundo e luminoso do céu, tal como existe
Na natureza, são obrigados a tomar todas as cores de que têm
Necessidade para sua paisagem, alguns tons mais baixos que aqueles
Que a natureza lhes mostra: do mesmo modo que conseguem
Atingir por esse artifício uma semelhança na luminosidade e uma
Harmonia de tons que corresponde à natureza: assim também é
Necessário que os poetas e os filósofos, aos quais o brilho luminoso
Da felicidade é inacessível, saibam usar de expedientes.
Conferindo a todas as coisas um colorido de alguns tons mais sombrios que
Os reais, a luz que conhecem dá um efeito quase ensolarada e se
Assemelha à luz da plena felicidade.
 - O pessimista, que confere a todas as coisas as cores mais negras e mais sombrias,
Usa apenas chamas e clarões, glórias celestes e tudo o que possui uma força
Luminosa muito viva e que torna os olhos hesitantes; nele a claridade
Existe simplesmente para aumentar o temor e deixar pressentir nas
Coisas mais terror do que elas contêm na realidade.

Nietzsche, Máximas e Interlúdios; BH, 010202011.




160

"Não se ama suficientemente o própio conhecimento logo que o

Comunica a outros."


161

"Os poetas não têm pudor para com suas aventuras - eles as exploraram."


162

""Nosso próximo não é nosso vizinho, mas o vizinho deste" - assim

Pensam todos os povos."


163

"O amor revela as qualidades sublimes e secretas daquele que ama - o

Que ele possui de raro, de excepcional.

É por isso que o amante engana

Facilmente naquilo que nele é regra."


164

"Jesus disse a seus judeus:

"A lei foi feita para os escrevos - amem a Deus como

Eu o amo, como seu filho!

Que importa a moral, para nós, filhos de Deus!""


   165

"Aviso a todos os partidos.

 - Um pastor sempre tem necessidade

De um carneiro condutor - de outro modo é obrigado a fazer-se ele

Próprio de carneiro."


166

"É realmente com a boca que se proferem mentiras: mas com os trejeitos

Que se fazem ao mesmo tempo, a verdade é dita da mesma forma."


167

"Nos homens rudes, a intimidade é objeto de pudor - e é também algo de precioso."


168

"O cristianismo deu veneno a Eros para beber - ele não morreu, mas ficou viciado."


169

"Falar muito de si pode ser também um meio como outro para se esconder."


170

"No elogio há muito maior indiscrição que na recriminação."


171

"A compaixão causa um efeito risível no homem que busca o

Conhecimento, com mãos delicadas no ciclope."


172

"Por amor dos homens, abraçamos o primeiro que chega (porque não

Podemos abraçar a todos): mas é precisamente o que não se deve dizer a ele."


173

"Não se odeia tanto quanto se despreza.

Não se odeia senão seu igual ou seu superior."


174

"Ó utilitaristas, vocês também não gostam do útil a não ser como veículo

De suas inclinações - vocês também acham o ruído das rodas desse veículo insuportável?"


175

"Amamos em definitivo, somente nossas inclinações e não aquilo a que nos inclinamos."


176

"A vaidade dos outros só fere nosso gosto quando fere nossa vaidade."


177

"A respeito da "veracidade", ninguém até agora foi talvez realmente verídico."


178

"Não se acredita nas tolices das pessoas sensatas - que perda para os direitos do homem!"


179

"As consequências de nossas ações nos agarram pelos cabelos; para elas

É diferente que, no intervalo, nos tenhamos tornado melhores."


180

"Há uma ingenuidade na mentira que é indício de boa-fé."


181

É desumano bendizer aquele que nos amaldiçoa."


182

"As familiaridades de um homem superior irritam, porque não podemos retribuí-las."


183

"Fiquei desnorteado, não pelo fato de que tenha mentido, mas pelo

Fato de que não posso mais acreditar em ti."


184

"Há uma exuberância na bondade que parece ser maldade."


185

""Ele não me agrada."
- Por quê? -
"Não me sinto à sua altura."
 - Algum homem já respondeu de tal forma?"

Nietzsche, Máximas e Interlúdios; BH, 0110202011.

130

"Começa-se a adivinhar quem é alguém quando seu talento declina

 - Quando deixa de mostrar o que pode.

O talento pode ser um ornamento e o ornamento um esconderijo."



131

"Os sexos se enganam mutuamente: isso demonstram que não amam e

Não estimam no fundo senão a si mesmos (ou seu próprio ideal, para me

Exprimir de maneira mais gentil).

Assim, o homem deseja a mulheer pacífica

 - Mas a mulher é essencialmente batalhadora, da mesma forma que o gato,

Por mais que tenha a habilidade de manter as aparências de paz."


132

"É por suas virtudes que alguém é punido melhor."


133

"Aquele que não sabe encontrar o caminho que conduz a seu ideal vive

De maneira mais frívola, mas insolente que o homem sem ideal"


134

"São os sentidos que tornan as coisas dignas de fé, lhes conferem boa

Consciência e aparência de verdade."


135

"O farisaísmo não é uma corrupção do homem bom.

É, pelo contrário, em grande parte, condição necessária para ser bom."


136

"Um procura um auxiliar para desenvolver suas ideias, outro procura a

Quem possa ajudar: é assim que organiza um bom entretenimento."


137

"Quando uma mulher tem gosto pelas ciências, há geralmente em

Sua sexualidade alguma coisa que não está em ordem.

A esterilidade já predispõe a uma certa masculinidade de gosto; com efeito o homem é,

Com sua permissão, o "animal estéril"."


138

"Fazemos quando despertos o que fazemos em sonho: começamos por

Inventar e imaginar o ser que frequentamos - e isso, nós o esquecemos logo."

139

"Na vingança como no amor, a mulher é mais bárbara que o homem."


140

"Conselho em forma de adivinha: "se não quiseres que o laço se parta, é

Preciso segurá-lo com os dentes"."


141

"É seu baixo ventre que impede o homem de se considerar tão facilmente

Um deus."


142

"A frase mais casta que já ouvi: "no verdadeiro amor, é a alma que

Envolve o corpo"."


143

"O que melhor fazemos, nossa vaidade gostaria que passase a ser

Considerada a mais difícil.

Isso para explicar a origem de muitas morais."


144

"Nas relações com sábios e artistas, nos enganamos facilmente em

Sentido oposto: atrás de um sábio notável encontramos muitas vezes um

Homem medíocre e, atrás de um artista medíocre, um homem notável."


145

"Comparando, em seu conjunto, o homem e a mulher, pode-se dizer: a

Mulher não possuirá o talento de se adornar se não soubesse, por instinto,

Que ela desempenha o papel secundário."


146

"Aquele que luta contra os monstros deve vigiar para não se tornar um deles.

Ora, quando seu olhar se fixa muito tempo no fundo de um

Abismo, o próprio abismo penetra em ti."


147

"Extraído de uma antiga novela florentina - coisa vivida: buona femmina

E mala femmina vuol bastone (Saccheti, novela 86).

(Boa mulher e má mulher requer bordoada) (N.do T,)"


148

"Induza insidiosamente nosso próximo a ter boa opnião de nós e, de

Repente, acreditar firmemente que essa é a opinião de outro: quem, pois,

Nessa coisa toda saberia imitar as mulheres?"


149

"Aquilo que numa época é considerado mau, é geralmente um eco

Inatual daquilo que outrora foi considerado bom - o atavismo de um ideal

Envelhecido."


150

"Em torno de um heroi, tudo se torna tragédia; - em torno de um

Semideus, tudo se torna drama satírico; - em torno de Deus, tudo se torna

 - Em quê?

Talvez "mundo"."

151

"Não basta ter talento: é preciso também ter permissão de tê-lo - o quê!

Meus amigos?"


152

""Onde se encontra a árvore do conhecimento se encontra também o paraíso".

Assim falam as mais velhas e mais jovens serpentes."


153

"O que se faz por amor sempre se faz além do bem e do mal."


154

"A objeção, o distanciamento, a desconfiança alegre, a ironia, são sinais

De saúde; tudo o que é absoluto pertence aos domínios da patologia."


155

"O sentido do trágico aumente e diminui
com a sensualidade."


156

"A loucura, no indivíduo, é coisa rara - nos grupos, nos partidos, nos

Povos, nas épocas, é a regra."


157

"A ideia do suicídio é um poderoso consolo: ela ajuda a passar mais de

Uma noite ruim."


158

"Não é somente nossa razão, mas também nossa consciência, que se

Submete a nosso instinto mais forte, àquele que é o tirano em nós."


159

"Deve-se atribuir o bem e o mal.

Mas por que teria de ser justamente

Para a pessoa que nos fez o bem e o mal?


160

"Não se ama suficientemente o próprio conhecimento logo que se o

Comunica a outros."

Nietzsche, Máximas e Interlúdios; BH, 010202011.

63
"Aquele que é fundamentalmente mestre só leva a sério as coisas por
Causa de seus alunos - inclusive ele próprio."

64
"O conhecimento pelo conhecimento" - eis a última armadilha
Tramada pela moral: é assim que se acaba por envolver-se nele de novo
Completamente."

65
"O encanto do conhecimento seria diminuto se, para atingi-lo, não
Houvesse tanto pudor a vencer."

65 a
"É com relação a Deus que demonstramos menos probidade: não lhe
Concedemos o direito de pecar."

66
"A tendência a humilhar-se, a deixar-se roubar, a enganar e explorar,
Essa tendência não poderia ser o pudor de um deus entre os homens?"

67
"O amor de um só é uma barbárie, pois se exerce em detrimento de todos
Os outros.
Mesmo o amor de Deus"

68
"Eu fiz isso", diz minha memória.
"Não pude fazer aquilo" - diz minha
Altivez, que permanece inflexível.
E finalmente é a memória que cede."

69
"Observou-se mal a vida, se ainda não se descobriu a mão que mata com
Luvas de veludo."

70
"Quando se tem caráter, tem-se na vida uma aventura típica que sempre se renova."

71
"O sábio como astrônomo -
Enquanto considerares as estrelas como
Algo que está "acima de ti", falta-te o olhar do conhecedor."

72
"Não é a força dos grandes sentimentos que faz os homens superiores,
Mas sua duração."

73
"Aquele que atinge o seu ideal, por isso mesmo o ultrapassa."

73 a
Certo pavão esconde sua cauda aos olhos de todos - e a chama seu
Orgulho."

74
"Um homem dotado de gênio é insuportável se, além disso, não possuir
Pelo menos duas outras qualidades: a gratidão e a cortesia."

75
"O grau e a espécie de sexualidade no homem atingem até o cume mais
Elevado de seu espírito."

76
"Em tempo de paz o homem belicoso se ataca a si mesmo."

77
"Com nossos princípios gostaríamos de tiranizar nossos hábitos ou
Justificá-los ou honrá-los ou maldizê-los ou escondê-los - dois homens
Com princípios iguais querem com isso alcançar algo fundamentalmente
Diferente."

78
"Quem despreza a si mesmo, se honra pelo menos como desprezador."

80
"Uma coisa que se explica deixa de interessar. -
O que queria dizer esse deus que aconselhava:
"Conhece-te a ti mesmo?"
Talvez quisesse dizer:
"Deixa de interessar-te por ti mesmo!
Torna-te objetivo!"
 - E Sócrates?
E o "homem científico"?"

81
"É terrível morrer de sede no mar.
Deve-se, portanto, salgar a verdade,
De modo que não estanque nunca mais a sede!"

82
"Piedade para todos" - isso seria crueldade e tirania para ti, senhor meu
Vizinho!"

83
"O instinto - quando a casa está em chamas, esquece-se até de comer.
Mas depois se come sobre as cinzas."

84
"A mulher aprende a odiar à medida que desaprende a fascinar."

85
"As mesmas paixões têm um ritmo diferente no homem e na mulher: é
Por isso que o homem e a mulher jamais deixam de se desentender,"

86
"Mesmo as mulheres, no fundo de sua vaidade pessoal, têm sempre
Desprezo impessoal - pela "mulher."

87
"Coração acorrentado, espírito livre - quando se acorrenta fortemente
O coração e se o mantém preso, pode-se conceder muitas liberdades ao
Espírito.
Já o disse uma vez.
Mas ninguém quer acreditar em mim - é de se
Supor que já o sabia."

88
"Começa-se a desconfiar das pessoas muito sensatas, quando se mostram
Embaraçadas."

89
"As aventuras terríveis levam a pensar se aquele a quem lhe acontecem
Não é ele próprio alguém terrível."

90
"Os homens pesados, melancólicos se tornam mais leves por aquilo que
Torna os outros mais pesados, pelo ódio e pelo amor.
E desse modo sobem às vezes até à superfície."

91
"Tão frio, tão gelado que queima os dedos!
A mão que toca o recua de pavor!
 - E é poe isso que alguns o acham ardente!"

92
"Quem ainda não se sacrificou pelo menos uma vez por sua boa reputação?"

93
"Na afabilidade não há misantropia, mas é por isso que se encontra tanto
Desprezo pelos homens."

94
"A maturidade do homem consiste em ter reencontrado a seriedade que
Tinha nos brinquedos quando era criança."

95
"Ter vergonha de sua moralidade é um degrau da escada em cujo topo
Se tem vergonha de sua moralidade."

96
"É preciso despedir-se da vida como Ulisses de Nausica - bendizendo-a
Mais que mostrar-se enamorado dela."

97
"Como!
Um grande homem?
Não consigo ver nele mais do que o comediante
De seu próprio ideal."

98
"Quando alguém quer amestrar a própria consciência, ela o abraça, mas
Mordendo."

99
"O desiludido fala -
"Espero um eco, mas só ouvi elogios.""

100
"Diante de nós mesmos fingimos todos ser mais simples do que realmente
Somos: assim não nos repousamos de nossos semelhantes."

101
"Hoje, um homem que busca o conhecimento poderia facilmente
Acreditar-se um deus que se torna animal."

102
"Descobrir que é correspondido no amor deveria abrir os olhos a
Respeito do fato de ser amado.
 - "Como?
Seria coisa bastante modesta te
Amar?
Ou bastante tola?
 - Ou ainda - ou ainda...""

103
"O perigo na felicidade - "agora, tudo vai bem; gosto de toda espécie de
Destino - quem tem vontade de ser meu destino?""

104
"Não é seu amor pela humanidade, mas a importância de seu amor pela
Humanidade que impede os cristãos de hoje - de nos jogar na fogueira."

105
"Por meio da música as paixões desfrutam de si próprias."

106
"Para o espírito livre, para aquele que possui a "religião do conhecimento"
 - Pia fraus (piedosa fraude: (N. do T.) é mais contrária a seu gosto (à sua religiosidade)
Que a impia fraus. (impiedosa fraude (N. do T.)
Disso decorre sua profunda incompreensão da Igreja - como a
Própria sujeição do tipo "espírito livre"".

107
"Quando se toma uma decisão, é preciso tapar os ouvidos mesmo
Com melhores argumentos contrários.
É o indício de um caráter forte.
Quando oportuno, deve-se, portanto, fazer triunfar a própria vontade até
A estupidez."

108
"Não existem fenômenos morais, mas interpretações morais dos
Fenômenos."

109
O criminoso não está muitas vezes à altura do seu ato: ele o
Amesquinha e o calunia."

110
"Os advogados de um criminoso são raramente bastante artistas para
Utilizar, em proveito do culpado, a beleza terrível do seu ato."

111
"É quando nosso orgulho acaba de ser ferido que é mais difícil ferir
Nossa vaidade."

112
"Aquele que se sente predestinado à contemplação e não à fé, acha todos
Os crentes ardentes e inoportunos: procura evitá-los."

113
"Queres dispor alguém em teu favor?
Finge-te embaraçado diante dele."

114
"A enorme expectativa no amor sexual e a vergonha dessa expectativa
Estraga de uma só vez na mulher todas as perspectivas."

115
"Quando o amor e o ódio não estão em jogo, a mulher joga de
Maneira medíocre".

116
"As grandes épocas de nossa vida são aquelas em que temos a coragem
De considerar o que é mau em nós como aquilo que temos de melhor."

117
"A vontade de superar uma paixão não é, em definitivo, senão a vontade
De outra ou de muitas outras paixões."

118
"Existe uma ingenuidade na admiração.
É aquela do homem que não
Considera a possibilidade de ele também poder ser admirado um dia."

119
"O nojo da sujeira pode ser tão grande que impede de nos purificar - de
Nos "justificar"."

120
"A sensualidade muitas vezes ultrapassa o crescimento do amor, de tal
Forma que a raiz permanece fraca e fácil de arrancar."

121
"Há em Deus uma questão delicada por ter aprendido grego quando quis
Ser escritor - a de não tê-lo aprendido melhor."

122
"Regozijar-se por um elogio não passa muitas vezes de uma cortesia do
Coração - e o contrário de uma vaidade do espírito."

123
"Também o concubinato foi corrompido - pelo matrimônio."

124
"Aquele que se regozija ainda na fogueira, não triunfa da dor, mas do
Fato de não sentir a dor onde esperava.
Um símbolo."

125
"Quando somos obrigados a mudar de opinião a respeito de alguém,
Fazemos com que pague caro o embaraço que nos causa."

126
"Um povo é o desvio da natureza para chegar a seis ou sete grandes
Homens.
 - Sim, e em seguida deixá-los de lado,"

127
"Para as verdadeiras mulheres, a ciência é despudorada.
Elas têm a impressão de que são olhadas por debaixo da pele
 - Pior ainda! por baixo das roupas."

128
"Quanto mais abstrata a verdade que queres ensinar, mais deverás seduzir
Os sentidos."

129
"O diabo tem as mais amplas perspectivas com relação a Deus, por isso
Se mantém tão distante dele.
 - O diabo, isto é, o mais antigo amigo do
Conhecimento."