sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Gostaria de escrever uma obra desprovida; BH, 0220202008; Publicado: BH, 0230902011.

Gostaria de escrever uma obra desprovida
De frio na barriga, diarreia e de disfunções mictórica e erétil;
Gostaria de escrever uma obra nua, crua, desprovida
De sentidos e de sentimentos, racional, sem paixões;
Porém, sou mortal, protótipo de homem instável e
Flexível; procuro letras para formar palavras, não as
Tenho; procuro palavras para formar pensamentos, não
As tenho; procuro pensamentos e o que encontro é
Só uma cabeça vazia, um cérebro inato e um
Crânio fraturado; sim, é o que gostaria, uma
Obra cognoscível, donde surgiria um homem livre,
Moderno, autônomo e independente e excelso; mas,
Busco com os olhos, perscruto, e volto ao nada; a
Caneta dá voltas no papel, forma espirais, redemoinhos,
Tornados e furacões; as letras caem, saltitam e
Fogem; as palavras ficam mudas, não cantam canções e
Passam sem melodias, arquiteturas ou engenhos; as
Frases não vêm, as sentenças morrem e os períodos
São efêmeros, quiméricos, faltos de conteúdo e
Elucubrações superiores; ficam as coisas rasteiras,
As baixarias e a falta de moderação, e vejo que
Tardiamente escreverei algo de útil para a humanidade;
Morrerei e ninguém sentirá falta, pois não acrescentarei
À história, à ciência ou à cultura, qualquer evidência
De minha inteligência; em cima de minha cabeça
Trovões se impõem, cada um quer registrar estrondo
Mais ensurdecedor do que o outro; raios disputam
Descargas, se lançam em todas as direções, a apostarem
Quem carregará o maior volume de descarga elétrica;
O vento lança a chuva para todos os lados, tempestade,
E no meio, a tentar captar para mim, um
Pouco dessa potencial universal, para transformá-la
Numa obra sem igual, superior, com a mesma força,
Com o mesmo teor; pigmeu, anão, tatu, toupeira,
Menor do que eu só o ralo, a vala negra; a sujeira do
Mundo já é outro horror; o erro do mundo, já não tem
Mais tamanho; nem chuva torrencial e nem tisunami
Providencial endireitarão a humanidade bestial; então,
Depois do caos, quando não houver mais mente e coração,
Apresentarei meus escritos em primeira-mão, revelarei
Minha obra, encontrarei dimensão, alicerce, estrutura,
Um castelo medieval, umas naus felizes no mar em que vago,
Uma súbita mão dalgum fantasma oculto e se chove pois,
Se nenhuma chuva cai e se te queres matar, porque não te
Queres matar, corro, morro, um dia chego lá.

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