sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Que vergonha mais descarada; BH, 0250102014; Publicado: BH, 0310102014.

Que vergonha mais descarada,
Velho decrépito, senil, a querer
Fazer poesias; caquético, velho
De fraldão e não de fardão, a
Querer com mãos trêmulas, de
Bêbado, rabiscar poemas no
Papel; que vergonha mais 
Sem-vergonha, velho sem pudibundo,
Caduco, que teve a vida toda
Para emplacar como poeta e
Teve a adolescência e a juventude,
A liberdade e a independência; e
Teve a fase adulta e como
Pária, uma parasita inveterada,
Não produziu nada; vagabundo,
A depender de todos para ouvir
E enxergar; a depender de tudo,
Quer teimar no pesadelo de
Poeta, as poesias são para a
Genialidade dos jovens; os poemas
São companheiros das mocidades e
Não aos velhos, aos anciãos, aos idosos,
Que inda têm a esperança nas
Poesias, nos poemas, os cantos;
Não os cantos dos cânticos, os cantos
Dos asilos, dos albergues, dos quartos
De fundo das igrejas; os cantos dos
Corredores dos esquecimentos, longe
Das memórias e dos deslumbramentos;
E acabar essa vergonha de velhos
Poetas caducos, a teimar em querer
Louros, em querer laurear nas trevas,
Uma rima impossível, cisma de loucos.

Não há mais a voz das coisas; BH, 0260102014; Publicado: BH, 0310102014.

Não há mais a voz das coisas, 
Ou ficou a surdez, ou as coisas emudeceram,
Pois, não existe mais a voz das coisas;
O farfalhar das folhagens, o vento a
Arrastar os ciscos nos terreiros, a
Chuva a cair na relva dos canteiros, os
Passarinhos a voar nos quintais;
Não são mais ouvidos sons da natureza,
Será que fecharam as cachoeiras? ou
Desviaram os rios? prenderam as
Ondas do mar? não há mais aquela
Música ao longe, a criança a cantar, a
Preta lavadeira a ensaboar as roupas;
O que aconteceu com as coisas?
O universo mudou de lugar?
Será que é a surdez de tudo? tudo
Parou e era para tudo se movimentar,
Era para tudo estar a balançar
E não parado assim, como se o
Mundo fosse acabar; precisa-se
Ouvir a Nona Sinfonia de Beethoven,
Precisa-se ouvir qualquer coisa,
Qualquer música, este silêncio
Passa a impressão de que está-se
Morto, de que o enterro é coletivo;
Este silêncio de marcha fúnebre, de
Réquiem, deixa desnorteado;
Faça um barulho aí, vizinho, pode
Ser um funk, pode ser um sertanejo,
Uma salva de palmas, algo mais
Brega, é que precisa-se perceber,
Se inda há vida nas coisas; estão
Sem impressão, estão sem expressão,
Estão sem estar; abra as torneiras,
Deixa a do tanque a pingar, o ralo
Da pia a escorrer; não há mais a voz
Das coisas, ou é surdez do Juca mineiro.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Llewellyn Medina, O dia em que todos os sopranos foram mortos.

O dia em que todos os sopranos foram mortos

Era um república da Conchichina
reverenciava a cultura
cultivava Mozart de sorte tal
que a maior companhia mozarteana
foi convidada para dar um concerto



entre a contratação e a exibição
uma revolução irrompeu
o ditador não era surdo
e talvez fosse a razão
por não gostar de Mozart
e de ter mandado matar
todos os sopranos



não havia como cumprir o contrato
quem ia cantar a  “Rainha da Noite?”
e à falta
será que Mozart também Morreu?

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

E vou dormir barata e acordar gente; BH, 0290402000; Publicado: BH, 0230102014.

E vou dormir barata e acordar gente,
Acordar homem, ser e humano;
Acordar vivo, desperto, liberto, livre e
Em liberdade, pronto para exercer,
Para fazer, para acontecer e entender;
Pronto para compreender as teorias,
As teses, os mestrados e princípios;
E não cobrarei mais de mim evolução,
Não cobrarei mais o fim dos complexos,
Fim dos medos e das covardias;
Não cobrarei mais revolução, solução,
Transformação, reforma e mudança;
Acordarei eu outro, já mudado,
Já transposto a outro plano, a
Outro organismo que até pensarei,
Que estarei vivo e que a morte, é
Apenas um detalhe que não me pegou
Desprevenido, um mero descuidado; e
Que já estava alerta, despido,
Pronto e preparado e não fui apanhado;
Fui na hora e no momento certos,
Sentir um ufanismo de mim, sentir
Frenesi revolver minhas carnes;
Um calafrio na minha pele,
Com uma erupção dos meus pelos;
E penso que não devo me
Regozijar assim, parece pieguice,
Parece fruto simplório que envergonha;
A mesquinhez é maior, não diminui,
O obstáculo cresce, a treva aumenta,
A penumbra vira precipício, vira abismo;
E não há fuga de luz pelos wormholes,
Os buracos de minhocas espaciais,
Os atalhos por onde as almas desviam-se,
Do fogo das profundezas dos infernos;
E os espíritos inteligentes não querem
Ficar perdidos no limbo e nem
A perambular pelas Vias-Lácteas e
Outras vias a trilhões de anos-luz;
O que é até relativamente perto,
A considerar-se a imensidão do infinito,
O tamanho e a emoção despendida;
Chega de peso nas entranhas,
Agonia e angústia terminais,
Fatais e letais, que destroem
Em segundos o mais equilibrado
Dos mundos, dos extremos e das
Extremidades, dos pólos e dos pontos;
E depois de toda essa volta, cheguei
À estaca zero, para dizer que se
Soubesse escrever algo, que
Emocionasse-me, que fosse emocionante,
Tal um artista gênio das letras,
Mestre das palavras, rei das frases,
Um papa dos versos e das estrofes,
O vernáculo teria mais enriquecimento;
A verborrágica teria mais tesouros,
Os vocábulos mais valores preciosos;
Porém, estou determinado a ser este
Mendigo repleto de andrajos, coberto
De chagas, com uma pedra por cima
Da inteligência e não é uma pedra
Filosofal; não é uma pedra fundamental,
É uma pedra brutal, rústica, fóssil e
Pré-histórica, feita de lava de vulcão;
E por cima da pedra, fezes, muitas fezes,
Onde, para remover a pedra,
Terei que meter a mão, mas, não
Importa, vou meter a mão, é
Necessário que remova as fezes,
Para tirar a pedra e libertar do
Peso da consciência; e para limpar,
Terei que sujar, sangrar e aí, então,
Deixar badalar a química pura,
Deixar escapar os raios de energia,
Ressurgir das cinzas desta elegia.

E se escrevesse algo emocionante; BH, 0290402000; Publicado: BH, 0230102014.

E se escrevesse algo emocionante, 
E que emocionasse as pessoas e que tocasse
No coração, no fígado e nos rins;
Pâncreas, baço, estômago e acelerasse a
Produção de adrenalina no organismo;
Provocasse na mente a sensação dum
Filme de Alfred Hitchcock e nos olhos o quadro,
Duma fotografia da lente de Sebastião Salgado,
Ou duma tinta de Pablo Picasso, ou 
Duma tela de Salvador Dali; seria um poeta feliz,
Não seria maldito, malvisto, menor;
Seria um poeta do tamanho do meu poeta
Pantaneiro Manoel de Barros;
Porém, nada sei fazer para me emocionar,
Emocionar as pessoas, chocá-las de vez;
Já tenho a minha Etiópia, já tenho a minha
África inteira dentro do meu peito;
Já tenho as minhas guerras, as minhas
Fomes e as minhas misérias, desgraças;
E já tenho os meus índios e os meus
Negros; os homossexuais e as prostitutas; e
Carrego já comigo os meus marginais,
Meu lado podre da vida e de mim;
Já sou o meu submundo e canto
Tanto quanto Lou Reed, o negror da sociedade,
O fel da burguesia e o amargor da elite;
Não carrego a genialidade de Andy Warhol e
Sei que não terei os meus quinze
Minutos de fama e penso que
Chegarei ao ápice da mediocridade,
Ao fundo da ignorância, ao máximo
Da incompetência e ao infinito da hipocrisia eterna;
E o que é que posso fazer, se não tenho nem
A visão e nem o ponto de vista e a opinião
Dum visionário loquaz e sagaz?
Já nasci cego e fui degolado pelo
Meu cordão umbilical; nasci mudo e
Cortaram a minha língua; nasci surdo e
Inda furaram meus tímpanos, com uma acha de
Lenha em brasa, tal fizeram com o olho do
Ciclope da Odisseia de Homero; um morto
Conhecido, pode até emocionar alguém,
Porém, um morto anônimo, um morto
Desconhecido, um morto indigente,
Solitário, abandonado e traste triste, esquecido
No fundo duma gaveta dum IML, não tem
Como e nem pode querer emocionar o
Mundo, como se fosse um Prêmio Nobel;
Como se fosse um ser iluminado llluminati,
Consagrado e angariado de simpatias
Pelos seres da humanidade; sei que nunca
Deixarei de ser amaldiçoado, nunca deixarei
De ser um mal assombrado, um fantasma
Bonifrate e sem salvação; e a minha única
Ilusão, é a tentativa da verdade na ficção, a
Tentativa de superar a mentira na sofreguidão
Da poesia oblíqua, da poesia ambígua e
Tentar um dia um reconhecimento falso e
Crítico daquilo que não soube ter sido;
E espero chegar um dia à eficiência, à essência
E ao classicismo dum cavalo andaluz e ser
Útil para alguma coisa e servir sem ser fútil
E sem ser servil; e a minha vida terá emoção
E a minha vida terá sentido e direção
E será uma vida de satisfação, tão cheia de
Satisfeita; e pronta para levar às outras pessoas, a
Experiência da metamorfose, não a de Franz Kafka.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Devolvam a Irlanda para os irlandeses e por que não? BH, 01501601002000; Publicado: BH, 0220102014.

Devolvam a Irlanda para os irlandeses e por que não?
E para a Pátria Basca e Liberdade, a liberdade para a Pátria Basca, por que não?
Devolvam as terras para os palestinos, por que só Israel?
Desocupem os territórios ocupados, saiam já e agora;
Deem a independência de Cashemira, chega de mira;
E o Tibete, desocupem o Tibete, voltem para suas casas;
Acabem com o bloqueio econômico a Cuba, covardia
Que já dura por mais de trinta longos anos;
Deixem em paz o Timor, deixem em paz a liberdade,
Os interesses, por maiores que sejam, não podem ser
Maiores do que a liberdade e a paz; aprendam,
Ponham fim aos campos de refugiados, às perseguições
Étnicas, ao racismo, à fome e à pobreza e à miséria;
Falamos em direitos do homem, é bonito e não os
Exercemos; falamos nos direitos das crianças e as matamos;
Falamos em liberdade, fraternidade e igualdade
E discriminamos, exterminamos, destruímos e
Dominamos, de todas as maneiras e métodos, impunemente;
Devolvam as terras dos índios, parem com a ocupação e
Com as queimadas criminosas; parem com as vítimas
Do progresso, da globalização, do neoliberalismo e do
Enriquecimento ilícito, a qualquer custo injusto:
Desemprego, analfabetismo, falta de moradia e terra;
Eternos problemas que o egoísmo, a ambição, a corrida eterna
Atrás dos lucros fáceis, não nos deixam parar, para tentarmos
Resolver, sanar, solucionar e por um fim ao sofrimento de
Milhões pelo mundo à fora; ainda há tempo de nos
Salvarmos uns aos outros, é só querer ajudarmos-nos e mutuamente;
Para que construir tantas prisões? ponhamos fim a todo
Tipo de armamento e assim virá também o fim da
Pena de morte; escolas, abramos escolas, quanto mais,
Melhor e de qualidade; educação, levemos educação
Uns aos outros, muita educação; cultura, muita
Cultura também; e assim virá a pique, todas as
Hostilidades entre os países, entre os povos e as
Nações do mundo; e assim as divergências virarão
Convergências, sem mal-avenças e com ideais sinceros,
Ideias de preservação, convivência, irmandade frutífera;
Hoje o homem é um ser disforme, sofre metamorfoses piores
Do que a kafkaniana; pratica traições piores do que a do
Judas Iscariotes; assina pactos piores do que Menphisto e só
Não vende mais vezes a alma, por que só tem uma; o homem
Moderno, não se preocupa mais com a valorização humana;
O que vale para o homem é o que a mídia oferece, é a
Valorização da superficialidade; a valorização dos bens,
Do ter antes do existir; esse é o buraco que move
O mundo hoje para o buraco, é a oficialização da mentira,
A máquina da falsidade, da ilusão, da propaganda enganosa;
Devolvam à África, tudo que já foi roubado, todas as vidas
Que foram ceifadas, todos os diamantes contrabandeados;
É hora de melhorar a categoria do mundo, formar uma justiça
Competente, uma humanidade excelente e que tem classe
Perfeita, tais os aspectos gramaticais que a língua considera,
Ao representar em suas formas o mundo objetivo e a posição
Social totalmente equilibrada; com gradação em hierarquia,
A aumentar cada vez mais o respeito mútuo; a unir o grupo,
A série, em cada setor em que se dividem as ideias e os termos;
E os povos cada vez mais irmanados, integralizados e
Soberanos por iguais e depois que todas as reivindicações
Forem atendidas, o IRA deporá as suas armas; o ETA porá fim
Aos atos terroristas; a FATAH, as FARCS, o RISBOLÁ, e todo órgão que
Luta por uma causa, chegará a um consenso, e assinará
A paz; respeitará o acordo com o consentimento de todos e
O sangue, por mais sagrado que seja, não será mais
Derramado; todas as pedras serão colocadas nos seus
Devidos lugares; todos os pingos nos is, e com as
Arestas aparadas e o final feliz, como uma ária de Verdi,
Gozaremos todas as felicidades sem as preocupações do medo.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Carlos Imperial, A Praça.

Hoje eu acordei
Com saudades de você
Beijei aquela foto
Que você me ofertou
Sentei naquele banco
Da pracinha só porque
Foi lá que começou
O nosso amor...
Senti que os passarinhos
Todos me reconheceram
E eles entenderam
Toda minha solidão
Ficaram tão tristonhos
E até emudeceram
Aí então eu fiz esta canção...
A mesma praça, o mesmo banco
As mesmas flores, o mesmo jardim
Tudo é igual, mas estou triste
Porque não tenho você
Perto de mim...
Beijei aquela árvore
Tão linda onde eu
Com o meu canivete
Um coração eu desenhei
Escrevi no coração
Meu nome junto ao seu
Ser seu grande amor
Então jurei...
O guarda ainda é o mesmo
Que um dia me pegou
Roubando uma rosa amarela
Prá você
Ainda tem balanço
Tem gangorra meu amor
Crianças que não param
De correr...
A mesma praça, o mesmo banco
As mesmas flores, o mesmo jardim
Tudo é igual, mas estou triste
Porque não tenho você
Perto de mim...
Aquele bom velhinho
Pipoqueiro foi quem viu
Quando envergonhado
De namoro eu lhe falei
Ainda é o mesmo sorveteiro
Que assistiu
Ao primeiro beijo
Que eu lhe dei...
A gente vai crescendo
Vai crescendo
E o tempo passa
E nunca esquece a felicidade
Que encontrou
Sempre eu vou lembrar
Do nosso banco lá da praça
Foi lá que começou
O nosso amor...
A mesma praça, o mesmo banco
As mesmas flores, o mesmo jardim
Tudo é igual, mas estou triste
Porque não tenho você
Perto de mim...(2x)

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Vinicius de Moraes: Os 10 melhores poemas, Revista Bula.

Vinicius de Moraes
Pedimos aos leitores, colaboradores, seguidores do Twitter e Facebook — escritores, jornalistas, publicitários, professores — que apontassem os poemas mais significativos de Vinicius de Moraes. Considerado um dos mais importantes nomes da poesia e da música nacionais, Vinicius de Moraes deixou uma obra vasta, passando pela literatura, teatro, cinema e música. No gênero musical, Vinicius teve como principais parceiros um seletíssimo grupo, que incluía entre outros, Tom Jobim, Toquinho, Baden Powell, João Gilberto, Chico Buarque e Carlos Lyra.
Do encontro entre Vinicius e Jobim nasceu uma das mais fecundas parcerias da história da música mundial, marcada por clássicos como “Se Todos Fossem Iguais a Você”, “A Felicidade”, “Chega de Saudade”, “Eu Sei que Vou te Amar”, “Garota de Ipanema” e “Insensatez”.
Na literatura e no teatro Vinicius de Moraes deixou obras-primas, com destaque para a peça teatral “Orfeu da Conceição”, escrita em 1954, baseada no drama da mitologia grega Orfeu e Eurídice. A peça foi transformada no filme “Orfeu Negro”, em 1959, pelo diretor francês Marcel Camus, alcançando repercussão mundial e conquistando a Palma de Ouro no Festival Cannes e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Na literatura, foram mais de 10 livros, com destaque para “Forma e Exegese”, “Cinco Elegias” e “Poemas, Sonetos e Baladas”, também conhecido como “O Encontro do Cotidiano”, publicado em 1946, que traz o poema “Soneto de Fidelidade”, que posteriormente seria declamado junto com a música “Eu Sei que Vou Te Amar”.
Sobre o poeta Vinicius de Moraes escreveu Carlos Drummond de Andrade: “Vinicius é o único poeta brasileiro que ousou viver sob o signo da paixão. Quer dizer, da poesia em estado natural. Eu queria ter sido Vinicius de Moraes”.
Vinicius de Moraes nasceu no Rio de Janeiro em 19 de outubro de 1913, e morreu na madrugada de 9 de julho de 1980, aos 67 anos, devido a problemas decorrentes de uma isquemia cerebral.
Os poemas selecionados foram publicados nos livros “Cinco Elegias”, “Poemas, Sonetos e Baladas”, “Novos Poemas”, “Novos Poemas (II)” “Pátria Minha”, Livro de Sonetos” e “Antologia Poética”.

Soneto de Fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Pátria Minha

A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.
Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.
Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos…
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!
Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!
Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.
Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu…
Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda…
Não tardo!
Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.
Pátria minha… A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.
Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
“Liberta que serás também”
E repito!
Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão…
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.
Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.
Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
“Pátria minha, saudades de quem te ama…
Vinicius de Moraes.”

Poema de Natal

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos…
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Soneto de Contrição

Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.
Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.
Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma…
E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.

Não Comerei da Alface a Verde Pétala

Não comerei da alface a verde pétala
Nem da cenoura as hóstias desbotadas
Deixarei as pastagens às manadas
E a quem maior aprouver fazer dieta.
Cajus hei de chupar, mangas-espadas
Talvez pouco elegantes para um poeta
Mas peras e maçãs, deixo-as ao esteta
Que acredita no cromo das saladas.
Não nasci ruminante como os bois
Nem como os coelhos, roedor; nasci
Omnívoro: deem-me feijão com arroz
E um bife, e um queijo forte, e parati
E eu morrerei feliz, do coração
De ter vivido sem comer em vão.

A Rosa de Hiroxima

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida.
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.

Soneto de Devoção

Essa mulher que se arremessa, fria
E lúbrica aos meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios.
Essa mulher, flor de melancolia
Que se ri dos meus pálidos receios
A única entre todas a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria.
Essa mulher que a cada amor proclama
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela.
Essa mulher é um mundo! — uma cadela
Talvez… — mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!

Soneto do Amor Total

Amo-te tanto, meu amor… não cante
O humano coração com mais verdade…
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade
Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Soneto de separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Receita de Mulher

As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso
Qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso (ou então
Que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República Popular Chinesa).
Não há meio-termo possível. É preciso
Que tudo isso seja belo. É preciso que súbito
Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche
No olhar dos homens. É preciso, é absolutamente preciso
Que seja tudo belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradas
Lembrem um verso de Éluard e que se acaricie nuns braços
Alguma coisa além da carne: que se os toque
Como o âmbar de uma tarde. Ah, deixai-me dizer-vos
Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e
Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem
Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos, então
Nem se fala, que olhem com certa maldade inocente. Uma boca
Fresca (nunca úmida!) é também de extrema pertinência.
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar as pernas, e as pontas pélvicas
No enlaçar de uma cintura semovente.
Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras: uma mulher sem saboneteiras
É como um rio sem pontes. Indispensável
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida
A mulher se alteia em cálice, e que seus seios
Sejam uma expressão greco-romana, mais que gótica ou barroca
E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas.
Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral
Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!
Os membros que terminem como hastes, mas bem haja um certo volume de coxas
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem
No entanto sensível à carícia em sentido contrário.
É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio
Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!)
Preferíveis sem dúvida os pescoços longos
De forma que a cabeça dê por vezes a impressão
De nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre
Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos
Discretos. A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso e na face
Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior
A 37º centígrados, podendo eventualmente provocar queimaduras
Do primeiro grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da terra; e
Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro de paixão
Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta
Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.
Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que se fechar os olhos
Ao abri-los ela não mais estará presente
Com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá
E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beber
O fel da dúvida. Oh, sobretudo
Que ela não perca nunca, não importa em que mundo
Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade
De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma
Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre
O impossível perfume; e destile sempre
O embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto
Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina
Do efêmero; e em sua incalculável imperfeição
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.

Quando e como o Brasil acordará? BH, 02030902001; Publicado: BH, 0160102014.

Quando e como o Brasil acordará? 
O povo precisa acordar para a cidadania e para a
Soberania; é um absurdo, sessenta por cento dos
Nossos jovens estão atrás das grades, presos e em
Casas de recuperação e que não recuperam
Nada; xô elite, fora burguesia, basta de
Vivermos sem perspectivas e sem razão; quem
Será o emissário de salvação da nossa juventude?
Alguém precisa ser enviado em missão de guiar aos
Bons caminhos, estradas, ruas, o nosso jovem que
Se encontra despreparado e desnorteado e sem
Saber qual destino seguir; o que se pode emitir
Em benefício dos jovens? o que é que tem a
Propriedade de teor emissivo dalgo de bem
E de tudo de bom, para levar uma mensagem de
Esperança aos ouvidos sedentos dos moços e
Das moças, que não se fazem de surdos? não
Será com ação de estabelecimento emissor de
Papel moeda; não será com crédito de cifrões,
Não será com emitentes de gestos vãos e nem
Com aparelhos que emitem impulsos elétricos; tem
Que ser com atos concretos, como a música
Correta levada por radiodifusora; por emissora
De rádio que abrange, o maior número possível
De cérebros e mentes e espíritos e almas;
É hora de alguém lançar fora de si um ato
De amor em direção a esses seres perdidos e
Esquecidos pela sociedade; é hora de por em
Circulação uma campanha que venha expedir
Resultados positivos e fazer ouvir na alta esfera
O grito daqueles que não têm oportunidades;
Se preciso apelar até para o emocional, usar
O discurso emocionante; para essa causa que
Tanto nos causa emoção e pela qual na maioria
Das vezes, lavamos as mãos; o povo precisa aprender
A se emocionar e a comover os corações duros
Daqueles que são os responsáveis pela desigualdade
Social; estamos a perder o sentido de nos
Impressionar e de sentir, mesmo a saber
Que este presente pode nos causar muitas
Dores no futuro; agora, só não podemos é emoldurar
Quadro tão grosseiro, não dá para meter em
Moldura situação tão degradante; adornar
Esta feiura é totalmente impossível, a nossa
Realidade precisa dum emoliente eficaz;
A nossa doença precisa urgente, dum medicamento,
Que abranda a inflamação na nossa entranha
E o vencimento suplementar será dum valor
Bem mais elevado; a retribuição será dividida
A todos; a gratificação não terá preço e nenhum
Emolumento pagará o estado de felicidade,
A situação de alegria e de emotividade
Pela mudança conseguida pelo efeito da ação
Movida pela coragem e pelo fim da covardia
De quem quer fazer sinceramente alguma coisa;
É com qualidade de caráter emotivo que espero
Ver a criança faminta abarrotar-se de comer e
Encher muito o estômago mesmo, a ponto de
Empachar, com a certeza que não mais
Faltará comida para ela e para as outras;
É com esse empacho que a fome terá fim,
Fome zero, desperta Brasil, tenha sentido e
Direção; quem empunhará a bandeira de total
Valorização aos jovens? basta de empacotador,
De político que empacota a decisão e não
A transforma em ação; chega de empacotadora, da
Pessoa que é igual máquina de empacotar,
Finge que trabalha pela causa e só pensa
Em se arranjar; usa o empacotamento de
Dinheiro, para pôr as notas em pacotes e mandar
Para e estrangeiro e deixar a criança morrer
Sem nem uma empada para comer; e nas
Festas deles, não sobram nem salgadinhos de
Massa em recheio, assados em formas; afogam-se
De caviar e champanha com soberba e
Presunção; é com a empáfia com que sabem
Desfilar diante da pobreza e da miséria e
Da desgraça, que só merecem mesmo é a
Empalação, antigo suplício em que se espetava
O condenado numa estaca, pelo ânus; é só
O que devemos fazer com os nossos falsos políticos
De hoje, empalar a todos eles e não deixar que
Eles venham nos submeter às suas vontades,
Pois não somos bonecos nas mãos dos empalhadores;
Não vamos ficar à mercê daquele que empalha
A vontade da nação; faz o empalhamento
Do povo, como o envolver ou o revestir com palha;
Como o encher de palha o corpo de animais para
Conservá-los e assim retardar o trabalho de
Salvação da nossa meninada; não podemos
Nos deixar empalhar assim e muito menos
Empalidecer de medo, tornar pálido o nosso
Rosto pelo susto que eles vão querer nos passar,
Nem pensar; nada pode nos fazer perder a cor,
É pecado emarelecer diante dos desafios,
Esconder na palma da mão a solução; escamotear
A resolução, empalmar a resposta e o x do
Problema, do enigma; não podemos viver eternamente
Sob cobertura de circo, servir de palhaços debaixo
Da empanada; não queremos cobrir com panos
A nossa luz, embaciar o nosso sol, encobrir a
Nossa lua e ver a nossa estrela perder o brilho;
Quem lutar para empanar esse ideal estará
Perdido, quem lutar para matar essa ideia na fonte
Estará sucumbido, ainda a pensar e estar vivo.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Aí ai de mim malgrado meu oh céus do meu torrão; BH, 0200502000; Publicado; BH, 0150102014.

Aí ai de mim malgrado meu oh céus do meu torrão 
E que refletem as estrelas, os astros, a Lua
E de dia o Sol, que dirige o nosso destino 
E continua, mesmo depois que nós partimos;
Aí, ai de mim, malgrado meu, que valho
Mais do que o Sol? que valho mais do
Que a Lua? noite e o dia, a aurora e
A chegada das sombras vespertinas? não valho nada,
Passo e as coisas ficam aí, para desespero meu;
Meu consolo é que ficarei na minha crônica
Esquizofrenica, no meu medo e covardia;
Ficarei no meu vazio literário, no vácuo da
Minha solidão, na inexistência do
Meu ser, minha pobreza de espírito, minh'alma fria;
Ficarei nos meus restos que não serão aproveitados,
Pelos vermes que nos roem na eternidade;
E se por acaso for cremado, aí então, é que
Não será aproveitado mesmo nada daquilo
Que eu não era, que não fui, que
Não sou, na mentira, na falsidade,
Na falta com a verdade, com a realidade
E a certeza sem dúvida, a hipocrisia
E a deflagração da degradação moral, da
Decomposição espiritual do fim terreal;
Não escrevo como um Prêmio Nobel de Literatura,
Não escrevo como um renomado literato, um gramático
Phd, que fala com os mortos, recebe mensagens do
Além, conversa com parentes falecidos, ets desconhecidos
De discos voadores de fora do Sistema Solar;
Não tenho a tecnologia e nem o modernismo,
Não tenho o desenvolvimento e nem o progresso;
Antiquado e fora de moda, nada espero,
Que venha acontecer em mim, uma única
Qualidade que venha me livrar da mediocridade,
Que venha me livrar da falta de competência,
Perspectiva e ambição em superar os percalços
Encontrados ao longo dos caminhos suicidas surgidos;
Escrevo como um maldito perdido na multidão,
Um anônimo desprezado, ignorado e desconhecido,
Onde falta a inteligência, onda falta a menor percepção
De raciocínio e razão, onde falta tudo; e só culpo
A mim mesmo, à minha preguiça, ao meu desânimo
E à minha falta de luminosidade; não tenho luz
Própria, não tenho claridade e nem tenho
Clarividência: só obscuridade e trevas e
Sombras e penumbras e escuridão e noites eternas;
E nada sei e posso fazer para melhorar, até para
Morrer, sei que será difícil para mim, pois a
Minha preparação é infrutífera, a minha
Solução não será encontrada e não
Trarei no coração as respostas para a minha sede;
Não trarei dentro de mim, o que poderia
Dizer para proveito e salvação da espécie;
Escrevo como um cantor de rock pesado, vocifera
A sua música, os seus gritos, os seus uivos ao
Microfone, ao som das guitarras tenebrosas e distorcidas;
Como um paciente em camisa de força, que
De vez em quando se lança com a cabeça,
Contra a parede, até deixá-la manchada de
Sangue depressivo, louco, maníaco, vermelho;
O urso ferido e faminto caído na armadilha,
O lobo da estepe que não pode ver a lua cheia,
Pois nasceu cego e não pode uivar, pois não
Tem a garganta, não tem boca, não tem nem
Pele de lobo selvagem; o lobisomem da noite
A espreitar na encruzilhada, a hora incerta,
Pois nunca ataca na hora certa e nunca
Aparece na hora esperada, quando estamos
Com balas de prata, estacas de madeiras e cruzes
Para os vampiros; e todas as minhas descobertas
Não são novas e todas as minhas pérolas não
São raras e todas as minhas obras não são
Primas e todas as minhas artes não são clássicas
E nem belas; deixo que os mortos falem por mim,
Deixo que os espíritos me amparem, deixo
Que os deuses me guiem pelo monte do Olimpo.

Escrevo como um esquizofrênico que chora; BH, 0200502000; Publicado: BH, 0150102014.

Escrevo como um esquizofrênico que chora 
E ao ver numa página de jornal, a fotografia de seis homens
Negros, amarrados por cordas no pescoço e seguras por um policial,
Numa batida em favela de grande cidade;
Escrevo como um cineasta que filma o próprio
Cadáver dentro do caixão até à decomposição final
E à chegada aos ossos do esqueleto;
Escrevo como um político morto, que, cujas carnes
Imprestáveis, foram rejeitadas pelos vermes,
O cadáver não apodrece, de tão ruim que que foi em vida;
E na esquizofrenia da minha literatura esquisita,
Estranha às entranhas dos princípios óbvios,
Lógicos, racionais, éticos, descubro o meu medo;
Revejo a minha covardia, a minha injustiça,
As nódoas deixadas por mim, as falhas e os
Defeitos, os erros e os pecados; os complexos e os
Tabus, os dogmas e os preconceitos, os dilemas
E os teoremas: os quais não consigo vencê-los,
Não consigo bani-los da alma e do espírito;
As segregações e os desequilíbrios sociais, a fome,
A miséria eterna e a desgraça infinita;
Escrevo como o líder revolucionário que causa
A morte de milhares de civis, crianças, homens,
Mulheres e velhos, espalha o terror, os campos de refugiados,
Flagelados e as mazelas das empreitadas que
Sonha e ambiciona em transformar na
Sociedade, a pagar preço tão alto; derramamento
De sangue tão vil e insensível, às vistas,
Ao coração e à mente sem memória e pensamento;
E o importante de tudo não é tudo e é o
Nada: o não temer e o não ter o que temer;
E se é mais importante ter, então é temer
Por ter, pois se não tiver, não tem o que
Temer: ter o necessário para viver e repartir
O que tem, com o que não tem, nem
O que comer; nem o que vestir, nem onde
Morar, nem onde estudar, adquirir educação,
Sair da ignorância, sair da obtusidade; e
Entrar para a história, fazer história,
Acreditar, ter fé, esperança e paixão;
E o que as nossas crianças aprendem, são só os
Abusos sexuais, a prostituição infantil,
O trabalho escravo, o roubo, e o ódio, a vingança, a ira,
E a falta de amor, do lar, da família;
Não permita Deus que eu morra sem
Completar meu sonho dum dia
Ver mudar a concepção da humanidade
Em relação à humanidade; a concepção
Do homem em relação ao homem,
À natureza, ao planeta, ao universo;
Lamento só não poder me dissecar,
Não poder pôr à mostra os meus órgãos
Internos, me espalhar pela vida, me
Abrir de cabo a rabo a deixar à luz do
Dia, tudo que existe dentro de mim;
E transportar para o meu interior, tudo
Que estiver no meu exterior, para ver
Assim, se transponho os abismos, as dores,
Os sofrimentos, os temores e com o tempo,
Olhar-me com dignidade no espelho e
Olhar-me com carácter, com uma outra visão,
Com um outro novo olhar, que evacue
Das entradas das minhas estradas, as trevas;
A penumbra e as escuridões devoradoras,
Que metem medo às crianças abandonadas,
Aos órfãos esquecidos, aos meninos desmembrados
Pelas minas terrestres e às meninas acossadas
Pelas feras que querem desvirginá-las antes da hora;
Escrevo como um boi que vai para o matadouro,
Como uma galinha preste a ser degolada pela
Empregada da patroa para o almoço; como a
Ovelha presa às garras do leão e o passarinho
Nas presas do gavião e a lebre às da águia:
Escrevo como quem morre sem ressurreição.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Tomás Antônio Gonzaga, Marília de Dirceu, Parte II, Lira I.

Já não cinjo de louro a minha testa;
Nem sonoras canções o Deus me inspira:
Ah! que nem me resta
Uma já quebrada,
Mal sonora Lira!

Mas neste mesmo estado, em que me vejo,
Pede, Marília, Amor que vá cantar-te:
Cumpro o seu desejo;
E ao que resta supra
A paixão e a arte.

A fumaça, Marília, da candeia,
Que a molhada parede ou suja, ou pinta,
Bem que tosca e feia,
Agora me pode
Ministrar a tinta.

Aos mais preparos o discurso apronta:
Ele me diz, que faço do pé de uma
Má laranja ponta,
E dele me sirva
Em lugar de pluma.

Perder as úteis horas não, não devo;
Verás, Marília, uma ideia nova:
Sim, eu já te escrevo,
Do que esta alma dita
Quando amor aprova.

Quem vive no regaço da ventura
Nada obra em te adorar, que assombro faça:
Mostra mais ternura
Quem te ensina, e morre
Nas mãos da desgraça.

Nesta cruel masmorra tenebrosa
Ainda vendo estou teus olhos belos,
A testa formosa,
Os dentes nevados,
Os negros cabelos.

Vejo, Marília, sim, e vejo ainda
A chusma dos Cupidos, que pendentes
Dessa boca linda,
Nos ares espalham
Suspiros ardentes.

Se alguém me perguntar onde eu te vejo,
Responderei: No peito, que uns Amores
De casto desejo
Aqui te pintaram,
E são bons Pintores.

Mal meus olhos te viram, ah! nessa hora
Teu retrato fizeram, e tão forte,
Que entendo, que agora
Só pode apagá-lo
O pulso da Morte.

Isso escrevia, quando, ó Céus, que vejo!
Descubro a ler-me os versos o Deus louro:
Ah! dá-lhes um beijo
E diz-me que valem
Mais que letras de ouro.