quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Escrevo como um esquizofrênico que chora; BH, 0200502000; Publicado: BH, 0150102014.

Escrevo como um esquizofrênico que chora 
E ao ver numa página de jornal, a fotografia de seis homens
Negros, amarrados por cordas no pescoço e seguras por um policial,
Numa batida em favela de grande cidade;
Escrevo como um cineasta que filma o próprio
Cadáver dentro do caixão até à decomposição final
E à chegada aos ossos do esqueleto;
Escrevo como um político morto, que, cujas carnes
Imprestáveis, foram rejeitadas pelos vermes,
O cadáver não apodrece, de tão ruim que que foi em vida;
E na esquizofrenia da minha literatura esquisita,
Estranha às entranhas dos princípios óbvios,
Lógicos, racionais, éticos, descubro o meu medo;
Revejo a minha covardia, a minha injustiça,
As nódoas deixadas por mim, as falhas e os
Defeitos, os erros e os pecados; os complexos e os
Tabus, os dogmas e os preconceitos, os dilemas
E os teoremas: os quais não consigo vencê-los,
Não consigo bani-los da alma e do espírito;
As segregações e os desequilíbrios sociais, a fome,
A miséria eterna e a desgraça infinita;
Escrevo como o líder revolucionário que causa
A morte de milhares de civis, crianças, homens,
Mulheres e velhos, espalha o terror, os campos de refugiados,
Flagelados e as mazelas das empreitadas que
Sonha e ambiciona em transformar na
Sociedade, a pagar preço tão alto; derramamento
De sangue tão vil e insensível, às vistas,
Ao coração e à mente sem memória e pensamento;
E o importante de tudo não é tudo e é o
Nada: o não temer e o não ter o que temer;
E se é mais importante ter, então é temer
Por ter, pois se não tiver, não tem o que
Temer: ter o necessário para viver e repartir
O que tem, com o que não tem, nem
O que comer; nem o que vestir, nem onde
Morar, nem onde estudar, adquirir educação,
Sair da ignorância, sair da obtusidade; e
Entrar para a história, fazer história,
Acreditar, ter fé, esperança e paixão;
E o que as nossas crianças aprendem, são só os
Abusos sexuais, a prostituição infantil,
O trabalho escravo, o roubo, e o ódio, a vingança, a ira,
E a falta de amor, do lar, da família;
Não permita Deus que eu morra sem
Completar meu sonho dum dia
Ver mudar a concepção da humanidade
Em relação à humanidade; a concepção
Do homem em relação ao homem,
À natureza, ao planeta, ao universo;
Lamento só não poder me dissecar,
Não poder pôr à mostra os meus órgãos
Internos, me espalhar pela vida, me
Abrir de cabo a rabo a deixar à luz do
Dia, tudo que existe dentro de mim;
E transportar para o meu interior, tudo
Que estiver no meu exterior, para ver
Assim, se transponho os abismos, as dores,
Os sofrimentos, os temores e com o tempo,
Olhar-me com dignidade no espelho e
Olhar-me com carácter, com uma outra visão,
Com um outro novo olhar, que evacue
Das entradas das minhas estradas, as trevas;
A penumbra e as escuridões devoradoras,
Que metem medo às crianças abandonadas,
Aos órfãos esquecidos, aos meninos desmembrados
Pelas minas terrestres e às meninas acossadas
Pelas feras que querem desvirginá-las antes da hora;
Escrevo como um boi que vai para o matadouro,
Como uma galinha preste a ser degolada pela
Empregada da patroa para o almoço; como a
Ovelha presa às garras do leão e o passarinho
Nas presas do gavião e a lebre às da águia:
Escrevo como quem morre sem ressurreição.

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