quinta-feira, 31 de outubro de 2013

União da Ilha 1991 9/16- DE BAR EM BAR, DIDI UM POETA.


Hoje eu vou tomar um porre!
Não me socorre
Que eu tô feliz! (bis)
Nessa eu vou de bar em bar
Beber a vida
Que eu sempre quis
E no bar da ilusão eu chego
É pura a paixão que eu bebo
Amor, me deseja, me dá um chamego
Me beija e faz um cafuné

"Bebo" vem e "bebo" vai
Que nem maré (bis)
Balança mas não cai
Boêmio é!

Garçom! Garçom!
Bota uma "cerva" bem gelada aqui na mesa
Que bom! Que bom!
Minha alegria deu um porre na tristeza

Poeta, enredo da canção
Cartilha que eu aprendi
Canta a Ilha d'emoção
Saudade de você, Didi! (Amor, amor!)

Amor, amor! Eu vô!
É nessa aqui que eu vô!
O Sol vai renascer do meu astral (bis)
Amor, amor! Eu vô!
Ô skindô, skindô!
Num gole eu faço um Carnaval

Olha eu falei que eu vô!..

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Fernando Pessoa, Chove? Nenhuma chuva cai...

Chove?
Nenhuma chuva cai...
Então onde é que eu sinto um dia
Em que ruído da chuva atrai
A minha inútil agonia?
Onde é que chove, que eu o ouço?
Onde é que é triste, ó claro céu?
Eu quero sorrir-te, e não posso,
Ó céu azul, chamar-te meu...
E o escuro ruído da chuva
É constante em meu pensamento.
Meu ser é a invisível curva
Traçada pelo som do vento...
E eis que ante o sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse,
Eu sofro...
E a luz e a sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.
Ah, na minha alma sempre chove.
Há sempre escuro dentro de mim.
Se escuro, alguém dentro de mim ouve
A chuva, como a voz de um fim...
Os céus da tua face, e os derradeiros
Tons do poente segredam nas arcadas...
No claustro sequestrando a lucidez
Um espasmo apagado em ódio à ânsia
Põe dias de ilhas vistas do convés
No meu cansaço perdido entre os gelos,
E a cor do outono é um funeral de apelos
Pela estrada da minha dissonância...

As portas não se abrem e as janelas; BH, 02801002013; Publicado: BH, 03001002013.

As portas não se abrem e as janelas
Também não, fico de pé na esquina,
A esfregar as mãos; sonâmbulo, sonho
Acordado, e quando durmo, tenho
Pesadelos, e quando acordo, sou o
Pesadelo; de manhã percebo o meu
Fardo cada vez mais pesado, a
Puxar-me para prender-me com a
Força de gravidade; e preso aqui,
Não consigo fazer nada: voar, ser
Uma folha de amendoeira levada
Pelo vento; e à tarde é o mesmo evento,
Uma calmaria, e fico na calçada,
E nenhuma música ouço; as crianças
Pararam de sorrir? alguém, então,
Está a fazê-las chorar; e à noite,
Sem um beijo duma namorada,
Não sou mais de protestar, resigno-me;
A cama engole-me, e vomita-me
A cada momento; pareço um Jonas
No ventre dum peixe gigante, e que
Não está nenhum pouco satisfeito
Comigo; a lotação do navio fantasma
Está esgotada, e a tripulação não
Permite mais a entrada dum
Passageiro clandestino; todos ao mar,
Perto da ilha de Lampedusa, que
Vão a nadar em busca do próprio
Destino; algum deve chegar lá para
Contar a história; sou sobrevivente
Desta página, ou sobremorrente, é
A causa desta insônia mortal,
Este afogamento cotidiano da
Única porta que se abre, é a
Que leva ao fundo do mar.

Fernando Pessoa, A Grande Esfinge do Egito.

A Grande Esfinge do Egito sonha por este papel dentro...
Escrevo — e ela aparece-me através da minha mão transparente
E ao canto do papel erguem-se as pirâmides...

Escrevo — perturbo-me de ver o bico da minha pena
Ser o perfil do rei Quéops ...
De repente paro...
Escureceu tudo...
Caio por um abismo feito de tempo...

Estou soterrado sob as pirâmides a escrever versos à luz clara deste candeeiro
E todo o Egito me esmaga de alto através dos traços que faço com a pena...

Ouço a Esfinge rir por dentro
O som da minha pena a correr no papel...
Atravessa o eu não poder vê-la uma mão enorme,
Varre tudo para o canto do teto que fica por detrás de mim,
E sobre o papel onde escrevo, entre ele e a pena que escreve
Jaz o cadáver do rei Quéops, olhando-me com olhos muito abertos,
E entre os nossos olhares que se cruzam corre o Nilo
E uma alegria de barcos embandeirados erra
Numa diagonal difusa
Entre mim e o que eu penso...

Funerais do rei Quéops em ouro velho e Mim! ...



domingo, 27 de outubro de 2013

De qual estrela pode cair uma letra; BH, 02501002013; Publicado: BH, 02701002013.

De qual estrela pode cair uma letra, 
Ou as letras não caem das estrelas? 
E de qual astro pode cair uma palavra,
Ou as palavras não caem dos
Astros? houve alguém que dava
Um reino por um cavalo, e houve
Quem dava nó em pingo-d'água
Por um lucro, um poder, uma
Posição; mas, há quem quer um
Raio de sol, um prateado de
Lua num terreiro, um pé de
Vento, um sopro de brisa, uma
Corrente de ar; há quem queira
O orvalho, o sereno, uma onda
De mar; e jura que fica satisfeito,
Dá a palavra que não almeja
Nada mais além da palavra;
Bebe letras, e fica iletrado,
A trocar de letras, mas não quer
Uma letra depositada num banco;
Há indivíduos insanos aos
Olhos dos olhos alheios; e não
Quer cura, quer enlouquecer,
Toda santa tarde profana; e
Quer é ver o sol descer do
Outro lado da chapada, e
A lua subir ao embalo da noite;
Que bom seria se alguma coisa
Nos unisse antes do fim, que a
Natureza ficasse intacta, que o
Amor fosse uma chuva de estrelas;
Que bom seria se estivéssemos
Preparados, mas não estamos; inda
Somos analfabetos, e não captamos
As letras que caem das estrelas,
As palavras que caem dos astros.

A obra é de pedra bruta; BH, 02601002013; Publicado: BH, 02701002013.

A obra é de pedra bruta, 
E é de diamante não lapidado, 
E não é parenta, nem prima da 
Matéria; não se encontra em nenhum
Estado, elemento, ou organismo;
Está fora do ar, do eixo, e da
Casa; não está à mesa, no prato,
No simulacro, na fumaça, ou na
Névoa, a obra está onde não está;
No ontem, no hoje, no amanhã, a
Voar de época em época, de geração
Em geração, pelos séculos dos
Milênios; a obra faz careta, usa uma
Máscara, muda de face, transplanta
O rosto, contorce a cara, carrega o
Semblante, e olha com olhos de
Indiferença que, dói mais do
Que, uma facada no peito;
A obra é um defeito, um tempo
Imperfeito, e nem todos a desejam;
E a obra voa de madrugada à
Noite, e não pousa num repouso,
Não pousa num ombro, num
Dedo duma mão ansiosa; a obra
É serelepe, uma lebre saltitante,
Uma águia em rasante, a
Nos entregar a caça que, não
Soubemos caçar, e a perdemos do
Laço, para nunca mais voltar;
E é arrebatada pelo universo,
É de novo reencarnada pelo
Infinito, e como um cometa
Que, vai ao fim da eternidade,
Só na outra posteridade que,
Estará de volta nas garras
Duma nova águia peregrina.

sábado, 26 de outubro de 2013

Ronaldo Polito, Tubo de Feixes.

O sol é uma estrela
de pequena grandeza.
A sombra da terra
não encontra apoio do espaço
e se estica
ainda.
Ilhas são continentes
que acabaram por se deitar.
Um homem por acaso
em seu país,
quando grita, mesmo
que baixo e pouco, sozinho em
seu quarto, também é
uma ilha em pé.
O sono arrebanha
todos os sonhos
e vai embora.
Um corpo que cai
em si cada vez mais
rápido pode ser
um espetáculo.
A luz deve ficar
acesa, mas o sol
continua ligado.
Uma glaciação é trabalho
para muitas mãos.

Ronaldo Polito, Cacto.

Em mim o tempo agarrou
o princípio da distância,
seu engenho de silêncio.
Alheio por dentro às arestas,
cada uma com seu tanto de espinhos
rijos ou móveis em estado de ataque.
Soldado ao sol e enterrado vivo
como um espantalho beligerante,
indefeso ao mais cálido machado.
Solo seco, sem artifício algum,
por baixo contínuo roer de pedras,
toda essa água retomada por um fio.
Intangível coluna, cordão de isolamento,
com rugas incidentais em arrepio
cravo uma flor na hora noturna.

Cláudia Roquete-Pinto, Sítio. (Três poemas).

O morro está pegando fogo.
O ar incômodo, grosso,
faz do menor movimento um esforço,
como andar sob outra atmosfera,
entre panos úmidos, mudos,
num caldo sujo de claras em neve.
Os carros, no viaduto,
engatam sua centopéia:
olhos acesos, suor de diesel,
ruído motor, desespero surdo.
O sol devia estar se pondo, agora
– mas como confirmar sua trajetória
debaixo desta cúpula de pó,
este céu invertido?
Olhar o mar não traz nenhum consolo
(se ele é um cachorro imenso, trêmulo,
vomitando uma espuma de bile,
e vem acabar de morrer na nossa porta).
Uma penugem antagonista
deitou nas folhas dos crisântemos
e vai escurecendo, dia-a-dia,
os olhos das margaridas,
o coração das rosas.
De madrugada,
muda na caixa refrigerada,
a carga de agulhas cai queimando
tímpanos, pálpebras:
O menino brincando na varanda.
Dizem que ele não percebeu.
De que outro modo poderia ainda
ter virado o rosto: “Pai!
acho que um bicho me mordeu!” assim
que a bala varou sua cabeça?


METEOROS.

Fúrias riscando o céu.
Estrelas despregadas caindo em estardalhaço.
As folhas-de-flandres de um temporal,
sem intervalos.
(Imóveis, no leito,
seu olho embaraçado ao meu
a mão
no meu peito.)


Gualde amarelo

gualde amarelo amarelo andante em verde
partitura oscilante das flores o vento
(ralento até o silêncio)
mas ouça: na lousa da noite
os grilos vão deixando reticências.

Monica Aquino, Lagos.

I

Lagos
os olhos do afogado –
já não retêm o acaso
o vidro baço
da dúvida.
Trégua túrgida, réstia
sem o espectro de estátua
que confere ao fim
o seu aspecto de pedra.
Rasgo
desde a véspera.
E quanto mais ontem
o corpo, mais lago
(e superfície).
A pele não espera –
dissolve-se –
e não se sabe
o que água, o que carne,
o que margem.
O morto
embriaga-se.

II

Ao lago não é dado
desamar o afogado
visto que, misturados,
lago músculo terra
já não se sabe
o que contém
o que refém
(e o que ilha).
Assim, amar o morto
é amar seu próprio corpo
é acolher a dispersão
do que também é água:
é este amar-se a si.

III

Suponha, agora
um outro
a mirar-se
(suponha o lago
nos olhos
do outro)
e que ele resvale
na pele do acaso:
assim, o morto
decantado.
Mas há o círculo.
E não se sabe
o que é morto
o que é outro.

IV

Por que fonte
sua natureza
se ao lago, apenas
impele a mó
do círculo?
(O outro sempre
claraboia
onde se infere
a fronte do abismo).

Alberto Pucheu, O livro de hoje do amor.

Há a lei da gravidade pesando alguns sentimentos
contra o chão. Um amor perdido, outros,
partidos, outros, vividos ou não,
deixando no ar um rastro de aflição.
Poucas vezes estamos no lugar em que deveríamos estar,
mas não entendo como, se hoje a festa é lá,
vim parar por aqui onde estou. Se eu gritasse,
talvez o vento deste ar-condicionado levasse o grito
quem importa para onde. Se eu gritasse, quem
seria capaz de esvair meu grito
com mais rapidez do que o sopro deste ar-condicionado?
Os carros continuam passando na rua e alguém,
mais uma vez, quis acabar com o mundo.
Já trepei com putas, viados, travestis
e pessoas muito amadas. E mesmo aquelas
com quem não passei mais do que uma noite,
mesmo aquelas com quem passei menos que uma única noite,
mesmo aquelas nas quais dei apenas um ou dois beijos,
eu poderia ter verdadeiramente amado. Eu poderia tê-las
amado muito. Espremido-as entre a água e o vidro
de meu aquário para nos dar a todos um pouco mais de mar.
Para oxigenar o aquário, para empurrar o vidro
alguns milímetros para fora, para ampliar o espaço,
para não precisar saltar para fora do aquário.
Eu poderia tê-las amado muito como amo você.
Eu poderia tê-las feito realizar algum sonho como fiz com você.
Eu poderia ter-lhes dado momentos de muita alegria
como nós dois nos damos momentos de muita alegria.
Eu poderia tê-las feito sofrer como nos fiz sofrer.
Eu poderia ter… Assim é o amor,
com sua sintaxe esburacada.
Há anos, tentei arranjar O livro de hoje do amor.
Fiz o arranjo, mas não me deixaram publicá-lo
justamente por causa do amor com sua sintaxe esburacada,
justamente porque esburacaria ainda mais
os buracos de algum amor. Na stand up comedy
de ontem, o cara disse não entender
como um homem larga sua mulher
para se casar com a amante, que isso
é como estar numa cela de prisão e escavar um fosso
que vai dar na cela de uma outra prisão.

Fernando Fábio Fiorese Furtado, JANETE, DONA DE PENSÃO.

Um hóspede que demora
(por uma noite que seja)
depois de fazer a praça,
de todo não vai embora.
Deixa a fome na cozinha,
fome larga das estradas,
como se ali ficasse a alma,
à espera, enquanto caminha.

Fernando José Karl, Domine.

“Miserere mei, Domine, quonian infirmus sum; sana me
Domine, quoniam conturbata sunt ossa mea”.
(Rei Davi)
Sana me de formas turvas, Domine.
Sana me da miséria tumular.
Sana me do ríctus da amargura.
Sana me do conturbado vendaval de Carrascozza.
Sana me de não fazer ablução com água de estrela.
Sana me de crótalos marinhos envenenados.
Sana me de cadáveres dragados nos pauis.
Sana me com os Santos Óleos e o azeite dos doentes.
Sana me de fétidas palavras.
Sana me.
Sana me com a força da doçura.
Sana me com a força da poesia.
Sana me com a força da música.
Sana me com a força das mulheres e das crianças.
Que língua, ossos e olhos sejam para sempre.

Domine
(Acontece que arrebata:
Pausa:
Mistério:
Beleza que caminha distraída
:Experiência da palavra)

Sana me

Lau Siqueira, Aos predadores da utopia.

dentro de mim
morreram muitos tigres
os que ficaram
no entanto
são livres

Edimilson de Almeida Pereira, Orelha Furada.

Dançar o nome com o braço na palavra: como
em sua casa um maconde.
Dançar o nome pai dos deuses que pode tudo
neste mundo e suportar o lagarto querendo ser
bispo na sombra.
Dançar o nome miséria, estrepe e tripa que a
folha do livro é. E se entender dono das letras
em sua cozinha.
Dançar o nome em sete sapatos limpos para
domingo.
Dançar o nome com a mulher nhora dele: a
mulher no seu coração tempestade e ciranda.
Dançar o nome com o braço na palavra berço.

Ricardo Lima, POEMA XIX.

entardece
no tear da sombra
o testemunho de um rio
seco ou suculento
impresso, gravado
incontingente
no barco da noite
a foice
rema no escuro
adversa
confiante

Fabio Weintraub, Cadeias.

Eu devia ter a mesma idade da prima:
seis, sete anos no máximo
Fomos juntas à vizinha
ver a ninhada recém-parida
a cria da vira-lata
Sete bolinhas de pêlo
sete tufos de ternura:
três café-com-leite
dois brancos, um preto
e o derradeiro pintado
como a mãe
Sete eram, ficaram cinco
já que a vizinha
com toda a nossa insistência
não teve como negar
dois cachorrinhos de empréstimo
para a tarde de folguedo
Duas primas, dois filhotes
e a tarde estendida à frente
como tigela de leite
Deitadas na cama da mãe
pusemos sobre os lençóis
os cãezinhos pequerruchos:
no colo, na cabeça
entre as pernas
ah, entre as pernas
os focinhos gelados
nas pombinhas glabras
 Eu mais a prima
 o leite da tarde
 seis, sete anos
 a porta do quarto fechada
 os cãezinhos sedentos
 as calcinhas no chão
Fechada a porta do quarto
a cama imensa da mãe
os cães com seus focinhos
mamando nas pipitas
as línguas muito velozes,
velozes e pequeninas
lambendo nas xixoquinhas
todo o nosso
leite ninho.

Bianka de Andrade, A Partida.

Ora Circe,
ora Penélope.
Penélope, mas Circe.
Circe, portanto Penélope.
Mais Circe que Penélope.
Tão Penélope quanto Circe.
Penélope quando Circe.
Circe, embora Penélope.
Circe ou Penélope.
Penélope e Circe.
Nem Penélope,
nem Circe.

Fabio Weintraub, Pai.

Desempregado há três anos
no país do futuro
Batendo perna nas ruas
com o mostruário de meias
Adivinhando
o signo da morena
o ascendente da loira
Jogando xadrez
assobiando um samba
colecionando borboletas
descobrindo a fórmula exata
da tinta para balão
(tinta que não racha
sobre a pele inflável)
Contra as determinações médicas
filando cigarro
fazendo piada com a perna
que pode ser amputada
louvando as próteses modernas
dizendo que morre antes disso
que não vai dar trabalho
que some de casa
vai pro asilo
Meu pai de novo ao volante
guiando o negro Landau

O velho e bom batmóvel
rodando sem freio ou cinto
o vento de Gotham no rosto
minha cabeça no banco de couro
Meu pai cantando alto
limpo e bonito como só ele
numa estrada clara
sem pedágio ou limite
de felicidade

Rodrigo Garcia Lopes, O Fotógrafo.

Não perdia tempo com palavras
“Você ama de verdade?”
Nu, na sacada do hotel em Tanger,
a propos de rien
olhando a cena como quem celebra –
Um copo de suco, cigarros, ideogramas chineses,
cartões postais e fotografias
espalhados numa mesa negra:
o piano de Einstein
tecia linhas de fuga
formando espirais
que desapareciam.
Imagista obsessivo, ele havia penetrado
no outro lado do espelho e saído
à procura de Alice e do coelho da lua.
“Previsão de neve no domingo”. No deserto,
“tudo é phanos: essas nuvens distantes se elaborando
e refletindo-se de volta
no espelho da piscina”.
“Você vem?”.
Então fotografava o futuro, apreciava um processo
de vir-a-ser, ondulações e o ar-reflexo das ondas
depois de um corpo mergulhar.
O mundo todo num clic.
Arqueiro de Herrigel,
a roleta russa do olhar
dispara setas à deriva, em direção ao céu,
revelando polaroides & esquizofrenia.
Ruído de oceano e pássaros
se mixando com as imagens
sem som do vídeo.
Você imaginando a neve, breve,
de novo caindo como antes,
nossas faces se dissolvendo com os galhos
agora distantes
levados para sempre
pela violência do vento.
Tudo se solidifica.
A linha do céu retém o último poente
até que ele explode o índigo da noite.
Ondas de oxigênio: um céu de seda.
À velocidade do tempo, um aparelho
condiciona o ar, umedece nossas vozes.
Uma sucessão de flashes
nos mixa com cartas e fotografias, brancas, numa mesa.
As mesmas imagens
voltam misturadas aos ruídos
e a alucinação do real recomeça:
o fotógrafo havia decidido
se deixar levar pela fúria dos eventos, seguir
as dicas sutis dos hieróglifos
e recolher os dados em silêncio.
Afirmar:
os instantes não seriam mais
tensos como antes mas
intensidades,
temperaturas, imprevisíveis
retornos.
(…)

Maurício Arruda Mendonça, Eu caminhava assim tão distraído.

olha eu ando louco à procura
 de um olhar que como o seu
 me acalme um pouco
 e eu possa chamar poema
 salto de cervo
 lua de outono
olha a parede se descasca
 poeira em tudo o que fica
 pense um pouco cinza de
 cigarro tubo de caneta
 não foi assim que eu te
 ensinei a mentir tenho
 febre algum tipo de dor
 mas ainda que eu erre
olha velocidade é uma fissura
 da juventude solidão é
 um método maluco de saber
 quem está dentro de você
 quando a cidade inteira
 te odeia mas
 entre almas de jeans
 você segue
olha nada na neblina além de
 borboletas transando
 estátuas se mexendo
 pessoas que se esqueceram
 de sorrir e você vai
 se matando
 de tanto dizer sim
 mas

olha a chuva fina no asfalto
 meu suor em sua pele
 pra sempre

André Luiz Pinto, Terno.

Certa como a manhã que nasce
é a juventude que morre.
São horas frias e sombrias
entre alfaces e orquídeas
meandros de luz e um certo largo
de favela que espraia no morro
alto e incólume; este lupanar
que desde menino visito
nos sonhos, sob altas horas
este remédio que me visita aos domingos
mas não me corrige a gota.
Os pés inchados, a violência dos morros
minha vida já teve um destino maior
e as certezas eram quase unânimes
mas agora com a mentira estampada nos jornais
com o aumento do preço do cala-boca
a culpa é de todos, o vazio atravessa o quarto
às vezes pode ser um crime, mas me serve o terno novo.

Eucanaã Ferraz, Imaginas sem as amendoeiras.

Imaginas sem as amendoeiras
que estamos em pleno outono.
Vestem-se como.
Púrpura, ouro,
estão perfeitas como estão:
erradas.
Pudesse um poema, um amor,
pudesse qualquer esperança
viver assim o engano:
beleza, beleza,
beleza,
mais nada.

Eduardo Sterzi, Música.

"Rien, cette écume, vierge vers"
Stéphane Mallarmé

a musa voluptuosa
pede passagem
e lhe damos —
prosa:
qualquer imagem
vale mais
que a floração sentimental de uma
rosa:
gás lacrimogêneo,
luto, melancolia,
estrofe, catástrofe,
catarse:
deposita-se, linear
(limpa e suja como um verso)
pela praia pedregosa da palavra
— esta espuma.

Carlos Augusto Lima, Lugar.

há uma rasteira meteorologia
sobre imagem do móbile,
origami de garrafa pet imóvel.
tem gritos-silvos
o pega-pega violento das crianças
alguns tem parentesco com
 [Cosme Chuvasco de
Rondó
tramam uma república arbórea.
o canto dos pentecostais ribomba
no quintal vizinho, glória e
 [senhor
e salvação e louvor.
invento soletrar um hebraico
impossível
invento um gargarejo
 [deprecatório
cínico.
o alarido na área de serviço.
tem corpo de canção de amor,
 [ondas médias
opereta barata de anjos
 [demoníacos.
amor e assado de panela.
amor é gorduroso.
ecos magoados pela área de
 [serviço,
as ofensas partilhadas. as ofensas.
todos dormem em paz.
apenas um vento mudo lá fora
galhos ansiosos, floração tardia
movimento em câmara
 [cinemascope
galos, ganços, uma rinha matinal
dizem dessa hora ter o sono
mais fundo. amanhece.
o dia de finados

Ana Martins Marques, Âncora.

O sol percorre
toda a extensão de um muro

Riscos na paisagem
escrita a lápis

A rua começa desde a escrita –
esta em que te sigo

Este poema é uma âncora:
é para que você fique sempre aqui

Mas fogem as horas sem carícias
horas que são como um tanque de peixes sem peixes

A minha mão cobre a sua
com sua sombra

Este poema, pesado, afunda.

Ana Martins Marques, A Vida Submarina.

Eu precisava te dizer.
Tenho quase trinta anos
e uma vida marítima, que não vês,
que não se pode contar.
Começa assim: foi engendrada na espuma,
como uma Vênus ainda sem beleza,
sobre a pela nasciam os corais,
pele de baleia, calcária e dura.
Ou assim: a luz marítima trabalha lentamente,
os peixes começam a consumir por dentro
o sal do desejo,
estão habituados ao sal.
Quando vês, a água inundou os pulmões,
neles crescem algas íntimas,
os olhos voltam-se para dentro,
para o sono infinito do mar.
As mãos se movem num ritmo submerso,
os pensamentos guiam-se pela noite
do Oceano, uma noite maior que a noite.
Tenho quase trinta anos e uma vida antiga,
anterior a mim.
Daí meu silêncio, daí meu alheamento,
daí minha recusa da promessa desse dia
que você me oferece,
esse dia que é como uma cama
que se oferece ao peixe
(você não haveria de querer
um peixe em sua cama).
Quem atribuiria ao mar
a culpa pela solidão dos corais
pelas vidas imperfeitas
dos peixes habituados ao abismo,
monstros quietos
só de sal silêncio e sono?
Eu precisava te dizer,
enquanto as palavras ainda resistem,
antes de se tornarem moluscos
nas espinhas da noite,
antes de se perderam de vez
no esplendor da vida
submarina

Ricardo Rizzo, Tem Razão.

Rosana perdeu um braço
recentemente
(enquanto mergulhava)
e falta o rosto a Marcelo
depois do acidente. Marina
não tem útero, Cícero
vendeu o baço, Débora
rasgou os joelhos n’algum bar
de estrada.
Verônica enterrou a língua
junto com a avó
Eduardo decidiu tirar fora
os incômodos dedos do pé
que acumulavam sujeira.
Esses meus amigos vivem pedindo
favores, do tipo
“me leve ao banheiro, me ponha à janela,
alugue um filme”,
que eu recuso para mostrar-lhes
a utilidade de cada parte
do corpo em que vivemos.

Dirceu Vilela, O Cutelo.

São ossos. E às vezes, a banha amarela nos ossos;
e às vezes, o sangue vermelho nas unhas.
São porcos, ou são as cabeças dos porcos,
penduram num gancho as cabeças,
ou a cara de estúpida morte dos porcos
no vidro embaçado do açougue.
Ou o branco, mas branco embebido de rosa,
o sangue no sonho de tripas,
sonha o açougueiro: que empunha um cutelo.
E o branco avental que se banha
ou que bebe, o sangue que salta dos nervos
num abraço com ossos, onde vibra o cutelo,
e como brilha o cutelo que corta:
é essa a virtude do aço no punho, que sobe,
ou a ameaça na roda vazia que o prende
no espaço do açougue, visível aos olhos,
anúncio de corte. Ou espeta seu fio numa pedra,
e o único olho vazio se concentra, à espera da carne.
São cortes na pedra lanhada de sangue,
ou fendas, de onde a morte o espreita,
açougueiro no sonho vermelho, acariciando
o fio afiado, o sorriso sutil do cutelo,
que corta. E então o cutelo é outra coisa:
nem porcos, nem nervos, nem ossos,
nem mesmo o açougueiro que o sonha,
mas parte extensiva do braço que o vibra,
e parte indelével do que ele mutila,
o fio afiado, o sorriso sutil do cutelo, que corta.

Marize Castro, Não escrevo como mulher.

não escrevo como mulher porque não sou mulher.
sou um destroço que bóia. um relato lendário.
alguém que tem a dor nas mãos e negrumes secretos no sexo.
estou secando e ouço gritos.
uma desesperada louçã se anuncia:
– o melhor do mundo é não viver nele.
em um escabelo sento a contemplar uma sede sem fim.
mrs. dalloway, você está aí?
senhora d., posso chorar ao seu lado?
euricléia, quando eu voltar você me lavará os pés?
sra. ramsay, então o farol é isso, só isso?
em contínua tristeza os forasteiros vivem.
hoje dormi com batom nos lábios.
o cansaço era tanto que esqueci que também sou homem.
e não canso. e não choro. nunca.
deslindo-me e me desarrumo porque sou gaveta.
telhado.quase cratera. olhicerúlea.
ah, teseu, qual o tesouro secreto que o pai te revelou?
hades me quer. eu digo não. ainda não.
é urgente falar com tirésias.
ir de uma ponta a outra do tâmisa. sozinha.
com uma alegria insuportável.
em mim, femíneos simulacros:
macabéa, qual o tamanho da solidão dos domingos?
blanche, também já dependi da bondade de estranhos.
cabíria, você me ouve?
choro contigo o sentimento trágico da vida.
clitemnestra assassinou cassandra.
mesmo assim eu a amo.
amo as arestas. o que é subterrâneo:
plutão. dioniso. osíris.
estou respirando e tudo é silêncio.
não deslembro mais. simulo.
já sou pélago.
poço. festim. mosaico.
esmerada forma de arder.

Simone Homem de Mello, UM PÍER SOBRE O SPREE.

tudo de terminal vem à traição
à nuca,
o fôlego
urgente
– tênue
saber quem por último sentido,
invisto: o outro faz-se inocular
se é água a desmarginar corpo
e anticorpo: algo imuniza,
úmido de preamar
quando súbito gatilho –
ambos serenados
e nem sequer chovia

Marina Botelho, ESTUDOS SOBRE O SILÊNCIO.

I

ficamos imóveis
diante do imenso
pássaro de pedra:
.
silêncio
sólido impassível belo
falamos
e ele assume-se leve
ave emplumada
num vôo de morte

II

n’algumas coisas o silêncio
canta
n’outras arde
em mim

III

no fundo da noite
o silêncio
canta
tarde
o escuro morre
ele agita a carne
morna e
voa –
essa ave
nua

Annita Costa Malufe, Uma ponte cortada ao meio.

Uma ponte cortada ao meio
Estar na beira do andaime estar
Na ponta de um guindaste
No alto desta ponte cortada ao meio
Desta ponte que um dia quem sabe
Ligaria duas montanhas uma ponte
Sobre o vale desdobrado em tons de verde
Penso que estar na beira do andaime é
Permitir lembranças que nos suspendem nos lançam
Imagens que insistem e um cheiro imperceptível no ar
Sempre uma ponte que se constrói sobre
Um vale temporal infinito
Infinitamente desdobrável em tons de verdes e então
O que se passa é a construção de uma ponte
Que muitas vezes não se conclui e fica como esta
Cortada ao meio uma ponta para cada lado
Como dois braços que se esticam ao máximo
Um em direção ao outro
Um apoiado em cada lado do grande vale
Sem conseguir se tocar

Manoel Ricardo de Lima, Piauí.

Um
goethe encontra hackert
em roma e pergunta
algo acerca da pintura
de paisagens. é 15
de novembro, 1786. diz
que hackert tem bom
gosto, diz que suas pinturas
parecem reais
212 anos depois
tombei um fusca num 15
de novembro. os 4 pneus
virados para o céu, era
verde. movi antes (interrompi,
imagino) a comemoração
cívica na avenida
a perna quebrada à altura
da coxa, o sangue escorrendo
pela testa, a cabeça aberta,
 [uma
dormência e a impressão
severa: a ruína de herculano
escava o presente
antes de ir para nápoles
goethe fala de ganimedes
estendendo um cálice de
vinho a júpiter e recebe
um beijo, isto é uma troca.
 [isto
parece uma erupção do
vesúvio, talvez pense. e como
é estrangeiro pode ser
arrastado pela correnteza
de lava, mas talvez um vulcão
guarde algo de presente

Dois

goethe vai para nápoles:
vedi napoli e poi muori, dizem
por lá. alguém lhe conta de
vico, ele ri. há algo em vico
entre o bom e o justo, um
pó e uma cor cinza são
quase um convite para
ficar, um prazer
estou bem, mas vendo menos
do que deveria, ele diz. uma
imagem completa parece
pouco, muito pouco. sulcar
o rosto sem tempo e sem
vestígio: o fusca foi
para o ferro-velho rápido
demais. o vesúvio explode
outra vez
arrebentei o rosto e a boca
no tronco da árvore. espatifei
o pára-brisa, raspei a mão
direita pelo nariz, é
indiferente se estava inteiro
se alguém podia
aproximar e dizer alguma
coisa como: você está bem
ou você não parece ter índole
alemã

Três

goethe visita o sopé do
vulcão, e anota: algumas
 [coisas
acontecem por hábito e outras
porque confiamos nelas, como
nos guias – lieber freund, wie
magst du starrend auf das leere
tuch gelassen schauen? –, por
fora as pequenezas e o mundo
dentro do menor espaço
possível, como um
fusca verde
a história é contra a
natureza, o fusca partido ao
meio e a árvore intacta: uma
paisagem é mínima e sem
 [efeito
no vapor de luz, nos contornos
apagados e sem memória da
vida, como um acidente logo
na primeira hora da
manhã enquanto se ouve
uma canção que diz a
primavera que espero

Heitor Ferreira Mello, Dias Assim (8).

O que te mata é este cigarro
Pela manhã, a cadeira
Dentro de um quarto cercado de rojões
A noite foi infernal, com helicópteros
E berros, a máquina de lavar
Tremendo o soalho da casa
A torcida rompendo as janelas,
Já não tem mais o que falar,
É uma festa que invade o estofado
Da cadeira, o peso compacto
Do corpo, que perfura
Como uma faca os ouvidos
É um jorro discursivo que te atropela
Que trava os dedos, centrifuga,
Diante do botão de enxágue.

Heitor Ferraz Mello, &.

O ninho se forma
Com as palmas das mãos
Acendo o cigarro
Que rapidamente acende
O rosto do homem
Que pedia cigarros
E é como se o rosto
Se incendiasse
Por um minuto
Destacando todos
Os caminhos da pele
O ninho efêmero
Se desfaz em fissura
E o homem volta
A se recostar
Nas ondas
Numa porta de aço.

Danilo Monteiro, Corra de olhos fechados.

Corra de olhos fechados como um filho da puta
Nesta praia deserta
Porque tudo se desintegra às suas costas
E você sabe,
Dentro de instantes o
Departamento do Patrimônio
Histórico da sua mente selecionará os rostos,
Paisagens e sensações que deverão ser tombados
A qualquer custo,
A mão do carrasco tem um carimbo onde se lê “sublime”;
Corra de olhos fechados e grite se possível como um
Filho da puta,
E pule nesta brecha sem abrir os olhos nem
Parar de gritar,
Uma coluna de ar que sustenta um espaço vazio,
Ou isto
Ou um lento suicídio.

Mariana Ianelli, Confessionário.

Faz tempo não cuido de sondar a morte,
Faz uns anos
Que não durmo em cama estreita
Que não durmo em horas certas
Que não falo das minhas coisas
Que mais doem no peito
Para as alturas apagadas do céu
No meu vislumbramento de Deus.
Faz tantos anos
Que não cuido de sondar a morte
Nem os ciprestes que europeízam nossos túmulos
E que dão verde durante dias e noites.
Minha cabeça contra os lençóis: quero sumiço.
Faz poucos anos estive chamando por Deus.
Foi tão percorrido o repertório dos meus erros
Que Ele jurou o tempo que durasse minha vida
Não corrigir meus extravios, meus desacatos.
Me termino e Deus ainda é sinistro como eu:
Não decide sobre os meus prazeres, minhas estrofações

Iacyr Anderson Freitas, Lugar.

Nunca tivemos lugar nesse mundo.

Ontem amávamos tanto
O que agora esquecemos.

Amanhã venderemos a qualquer preço
O que hoje nos faz
Mudar de endereço.

Por isso invejamos aquela árvore:
Porque soube
Qual era o lugar, porque nele soube
Deixar raízes

E em silêncio
Levitar.

ANDRÉ DI BERNARDI, O AR NECESSÁRIO, 3 POEMAS :

Branco, Alto

Branco, alto,
Disfarçado de ondas,
Voltei da ilha como sou,
Respirando melhor,
Fútil de sal e sol.
Trouxe, voando,
Atrelados aos olhos,
Cheiros, alentos, alegrias,
E um jeito gostoso, melhor,
De ver as coisas,
Principalmente esse tanto de pássaros
Que ainda não sabem
Que são infinitos,
Que ainda não sabem
(Entre morros e montanhas)
De ver o vasto.
O ar necessário.

É o mar.
É sempre o imenso mar.

Meio pedra, quase água,
Disfarçado de mar,
Colorido de maresia,
Trouxe todas as pontas
- Inexistentes –
Da delicadeza.
Voltei alinhavando o seu nome
Naquele rumo de pássaros.
Que tudo pese, vivo de estar.
Dono de nada,
Deixei a minha rubrica
Num pedaço da areia.
Meio pedra, quase água,
Trouxe, estreladas, atreladas estrelas.

(2) Acender aos poucos.

Acender aos poucos
O dia, um dia, a gente.
Um pouco de sal
E sol
E basta
Para o corpo, para alma,
Para clarear o/em mar.
O ar necessário.

Transição:
De água em água
Para um naipe (crescente)
De vinho
E verso.

(3) Sim, aceito

Sim, aceito,
Todas as coisas que me guardam,
Sei de tudo que me sabe.
Colaboro no sentido oposto,
Até estender,
A ideia é regressar ao verso.

Súdito, rei indevido,
Não me aflige a certeza das pedras,
Já não exijo tudo que é azul.
Me serve a constância dos pássaros,
Das nuvens que me protegem
Daquele sol exposto,
Da lua sempre perto.

Estes impérios.

Existe, insiste, me sabe, me sobe
Uma pequena nascente de afetos.
Há males. Nosso rol de pontas e perdas,
Ao Deus dará.
Não é bom que se diga,
Nada que desande aquele raro fiapinho.

Sim, aceito: acordo
E mordo, a dentadas,
A doce manhã,
O acerbo sol.

Ana Elisa Ribeiro, Desde que eu engravidei.

Desde que eu engravidei
Venho planejando não ter mais filhos.

Porque filhos dão trabalho  e são caros.
Porque filhos são herdeiros de quê?
Porque filhos são uma sina e uma saga
(Não diria uma praga).
Porque filhos nos roubam a alma,
Que vai junto com eles às baladas,
Aos cinemas e às namoradas.

Então eu achei – ingênua! – 
Que podia viver só comigo,
Que era menos perigo

Iacyr Anderson Freitas, Ouroboros

Nesse ponto é que se pode
Fazer a prova dos nove:
Quando não cabe uma ode
No intervalo que se move

Entre tamanhos suplícios.
Enquanto essa pausa insiste,
Em verdade, o armistício
Prepara a chibata e o chiste.

Tudo retorna ao início,
A serpente engole a cauda
E, em suma, este exercício
Correrá de lauda em lauda

Sem ter fim. Antes fechar
A conta: ceifar o clero.
Nada sobrou no alguidar
– Lida noves fora zero.

§

Quando a tortura termina,
Eis que o tempo recomeça
A colher em cada esquina
Os venenos da promessa.

Iacyr Anderson Freitas, Outros Simulacros.

Rompe-se o dique de um rio
Todo coberto de mortos,
Que vai passando em seu fio
Gentes de todos os portos,

Um turbilhão de acidentes,
Cemitérios que se arrastam
Com destroços, pelos, dentes,
Com tecidos que se gastam

De um morrer mais persistente,
Desse morrer que consome
Até o mais transparente
Que é para o homem seu nome.

Tudo inflando, latejando,
Pulsando sempre mais forte,
Tudo sem onde nem quando:
Naus desprovidas de um norte.

Longe ficaram as ilhas,
Para a angústia dessas naus.
Mais longe, milhas e milhas,
O cais, reverso do caos.

Se o delírio desgoverna,
Antes a imagem de um mar
(Imagem tão pouco terna)
Tome das naus seu lugar.

Iacyr Anderson Freitas, O número da dor.

Tão de leve principia
Que em nada, quando começa,
Lembra o calor de seu dia,
Armado de tanta pressa.

Armado de nervos, quinas,
Um ardor de mil arestas,
Capaz de aguçar esquinas
No inferno de suas festas.

Inferno puro: sem mais
Entendimento que o guarde
– Livre de incêndios e sais –
Na memória, cedo ou tarde.

Ali se impõe, bem ali
Ostenta sua oficina,
Como um cego que sorri
Do zero em sua retina

E outros zeros cultivasse
No vão dos ossos, na pele,
Em cada curva da face,
Antes que o tempo revele

Que é todo feito de zeros
Mesmo o maior dos embates,
A própria vida, seus meros
E minúsculos engates.


sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Santa Maria da Conceição Santos Medina, Daí para cá.

Daí para cá, nunca fiquei sem ganhar o sustento dos meus pais,
A vida no São Mateus arruinou muito, e tivemos que mudar
Para o Itambacury, onde tivemos de morar num barracão do
Colégio Santa Clara, onde minha irmã Lourdes, com pouco
Mais de dois anos, foi mordida de uma cobra venenosa
Chamada jararaca: tudo para mim era muito ruim; mas, o que
Eu queria mesmo era aprender a ler para poder melhorar minha
Vida; minha mãe arranjou um jeito e me internou nesse Colégio
Santa Clara; aí é que era dureza, levantar cedo para ir para a
Escola, não tinha café para tomar, chegava, não tinha nada para
Almoçar; mas eu não desistia, um dia cheguei com muita fome, e
Como já não estava aguentado, comecei a chorar; minha mãe
Deu uma volta e me trouxe uma banana verde descascada,
Assada no borralho, que me alimentou bem; daí todos os dias
Minha mãe saia para trabalhar nas casas afim de arranjar o meu
Almoço; como não deu certo por causa dos pequenos irmãos
Que tinha e do meu pai que estava doente; meu pai ficou doente
Uns três anos; o jeito foi eu internar no Colégio, asim melhorou
Um pouco para mim; mas meus pais tiveram de mudar para um
Outro barracão nas chácaras dos Padres, dentro da capoeira,
Perto de uma mata, que segundo os moradores de lá, tinha até
Onça; pois bem, gostei muito do Colégio. tornei-me uma boa
Aluna, a escola para mim foi muito fácil, mas sofria muito porque
Não podia melhorar a vida da minha família; um dia a Superiora
Ficou a par da situação e resolveu me pagar dez mil réis pelo
Trabalho que eu prestava ao Colégio, além de estudar; isto foi
Bom, todo mês eu podia fazer uma feira para a minha mãe; nessa
Época, também, minha mãe deu à luz o meu irmão Gaspar, que
Por causa do mau trato, ela perdeu o juízo por três meses; mas
Os padres e as irmãs do meu Colégio fizeram de tudo para que
Ela se tratasse e ela ficou boa; foi o meu maior sofrimento quando
Vi meu irmão pequeno e minha mãe sem juízo; isso já em 1935,
Quando eu conclui o quarto ano primário; assim mesmo fui a
Segunda da turma, aprovada com 9,4; minha mãe já com saúde
Morava já em uma fazenda de um tal B Nascimento, que fez
Com que meus irmão fossem divididos entre fazendeiros, para
Ver se a vida deles melhoraria; um foi ser tocador de burro, o
Arnaldo, o Manoel foi ser espantalho em arrozal, até que perdeu
A voz de tanto gritar com os passarinhos; Alzira foi para o Colégio
Onde eu estava; mas nada fazia a situação da minha família melhor
Como eu desejava; cada vez mais eu sentia o desejo de estudar,
Agora vou vencer! vou ser alguém, vou ainda ajudar meus pais
Saírem dessa pobreza, mas tudo era tão difícil! no Colégio eu
Fazia novenas e mais novenas a N.S. do Perpétuo Socorro! eu
Rezava fora de hora na Capela, adorando o Santíssimo Sacramento,
Fazia sacrifícios, mas nada disso adiantava; nessa época eu só
Conhecia a idolatria, tenho tristeza disso; hoje não, hoje falo face
À face com meu Deus vivo - 1950.

Felipe
Hoje é o primeiro ano de sua vida
Queria dar-lhe de presente uma
Bíblia.
Rio, 18 de outubro de 1984
Sua avó Conceição.

Arthurzinho e Samuca
Queria ver os seus filhos
Rio 27-10-84

Suzana
Você é uma graça te amo
Rio 8-3-1985

Santa Maria da Conceição Santos Medina, Então papai comprou uma cartilha.

Então papai comprou uma cartilha, e
Começou a ensinar-me a ler;
Logo aprendi tudo que ele pode ensinar,
Passado alguns tempos, papai teve que
Vender o que ele adquiriu como meeiro;
E assim ele comprou uma pequena
Fazenda onde continuamos e vivemos
Mais ou menos por uns quatro anos;
Sem escola e sem condições de aprender,
Já eu estava bem grande: era 1930;
Aí meu pai perdeu tudo que tinha, com
A queda do café, não dando para ele
Pagar as dívidas; o lugar foi para a
Praça e nós tivemos que mudar às pressas;
Meu avô, pai do meu pai nos levou para
Sua casa, num lugar chamado Valão;
Nesse lugar entrei em uma escola pela primeira vez,
Já grandona, fiz um primeiro ano brilhante;
Papai saia sempre para trabalhar nas fazendas
E demorava voltar; uma vez ele foi e não
Voltou por seis meses;
Mamãe achou que ele estava demorando,
Resolveu nos levar para a casa da minha avó;
Nesse tempo que moramos no Valão,
Nasceu minha irmã Lourdes;
Minha avó morava num lugar de nome São Mateus,
Desde da Boa Sorte que a minha mãe bebia,
Mas durante o tempo que morávamos no Valão
Ela não bebeu; aí, no São Mateus, comecei a trabalhar,
Para o sustento dos meus pais;
O meu serviço era num engenho de moer cana,
No qual eu batia tacho para fazer rapadura.

Santa Maria da Conceição Santos Medina, O dia em que acordei.

A primeira coisa que me lembro,
Quando me entendi por gente,
Foi o dia em que vi o ninho da galinha cinzenta,
Detrás do forno grande;
Depois nas costa da minha mãe, vindo da casa
Da vizinha, ouvi uma grande quantidade
De vozes de sapos diferentes,
Eu estava com um ovo na mão, dado pela dita vizinha;
Outro dia, quando meu pai me tirou da cama,
Para tomar café, nos pés do grande fogão de lenha,
Meu irmão, que nascera antes de mim,
Estava sentado no chão, com uma touca azul;
À noite acordei e fiquei sem saber porque enxergava as estrelas,
No outro dia fui ver que a nossa casa,
Era coberta de esteira de taquara;
Depois minha mãe me disse que aquele lugar
Se chamava cantinho, e que eu, naquela época,
Tenha três anos;
Passei uma temporada sem ver as cousas,
Tempos depois escutei choro de criança uma noite;
Era minha irmã que tinha nascido,
Já numa fazenda que tinha o nome de Boa Sorte,
Onde moramos alguns anos;
Aí melhoramos de vida, tinha um
Açude onde pescávamos; meu pai caçava muito:
Matava paca, tatu, e até caititu;
Eu gostei desse lugar porque era perto
Da cidade de Teófilo Otoni;
Todo dezembro, nós íamos passar a noite de
Natal na cidade: aquilo para mim era uma beleza;
Só que na casa da minha madrinha,
Onde nós pernoitávamos, tinha muitos ratos,
Percevejos, e a água não matava a sede da gente;
Na Boa Sorte, fiz minha primeira comunhão,
Isso aí já foi bem melhor: calcei um sapato branco
Pela primeira vez, pintado de alvaiade,
Que o filho da minha madrinha me dera;
Em 1923, pela contagem de minha mãe,
Eu deveria ter sete anos;
Nessa época também, morreu meu irmão José,
Aquele que eu tinha visto com a touca azul;
Éramos cinco até aí;
Na Boa Sorte, papai trabalhou muito
E ficamos vivendo melhor;
Comecei a ter vontade de aprender a ler
E a escrever, mas era difícil.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Contra o uso de animais pelo Instituto Royal!, Avaaz.



Contra o uso de animais pelo Instituto Royal! 

 

Assine a petição
Este abaixo assinado visa solicitar às autoridades governamentais medidas em busca do fim da utilização de animais não humanos em experimentação cientifica, testes e fins didáticos. Assim, solicitamos a regulamentação e fiscalização nos centros de Pesquisa, Industrias e Universidades, bem como o incremento nos incentivos de estudos, visando a implementação imediata de métodos alternativos e, após a constatação de que tais práticas em nada acrescentam a qualidade de vida do ser humano, só servindo como meio de causar sofrimento desnecessário a outras espécies, a criação de leis para abolição definitiva do uso de animais não-humanos para fins didáticos e comerciais.

Clique aqui para assinar a petição e envie para todos:

http://www.avaaz.org/po/petition/MANIFESTATION_ROYAL_INSTITUTE/?bHxSXbb&v=30585


Com esperança e determinação,

Joseph, Michael, Diego, Carol, Nádia, Oliver e toda a equipe da Avaaz

PS: Esta petição foi criada no site Petições da Comunidade da Avaaz por Rogério S.! É rápido e fácil começar uma petição sobre um assunto que você se preocupa, clique aqui: http://avaaz.org/po/petition/start_a_petition/?23752


Apoie a comunidade da Avaaz!
Nós somos totalmente sustentados por doações de indivíduos, não aceitamos financiamento de governos ou empresas. Nossa equipe dedicada garante que até as menores doações sejam bem aproveitadas:Doe Agora





A Avaaz é uma rede de campanhas globais de 27 milhões de pessoas
 que se mobiliza para garantir que os valores e visões da sociedade civil global influenciem questões políticas internacionais. ("Avaaz" significa "voz" e "canção" em várias línguas). Membros da Avaaz vivem em todos os países do planeta e a nossa equipe está espalhada em 18 países de 6 continentes, operando em 17 línguas. Saiba mais sobre as nossas campanhas aqui, nos siga no Facebook ou Twitter.

António Lobo Antunes, "O Encontro", Carta Maior.

"O Encontro", António Lobo Antunes

Conto até cem e, se não chegares antes dos cem, vou-me embora. Não chegaste antes dos cem. Conto de cem a um e, se não chegares antes do um, vou-me embora. Não chegaste antes do um. Conto dez automóveis pretos e, se não chegares antes dos dez automóveis pretos, vou-me embora. Não chegaste antes dos dez automóveis pretos. Nem antes dos quinze táxis vazios. Nem antes dos sete homens carecas. Nem antes das nove mulheres loiras. Nem antes das quatro ambulâncias. Nem sequer antes dos três corcundas e, entretanto, começou a chover. Começou a chover e não há um toldo onde abrigar-me, eu que não trouxe guarda-chuva, o céu sem nuvens quando saí de casa, previsão de céu sem nuvens para hoje, os camelos da meteorologia deviam ser fuzilados mas infelizmente não estamos em Cuba nem há maneira da máfia napolitana tomar conta da miséria deste país. E, já agora, da minha miséria, feito parvo à tua espera. Encosto-me ao prédio na esperança de me molhar menos mas as varandas, para além de pouco salientes, pingam-me gotas enormes na nuca: amanhã, está-se mesmo a ver, agonizo na cama a aspirinas, de termómetro debaixo do braço e a caixa dos lenços de papel quase vazia. Contar mais corcundas inútil, todos eles em casa, sequinhos, colados às janelas, a verem-me. Chegarás antes de acabar a chuva?

Que raio de ideia, ter-te marcado encontro neste sítio, porque diabo não escolhi uma pastelaria, um café, um centro comercial, tudo menos uma esquina que me disseste ser perto do teu emprego para acrescentares, logo a seguir, juras de pontualidade, e eu a acreditar em ti, combinámos às cinco horas e, desde a um quarto para as cinco, que estou aqui plantado, ora num pé ora no outro, a confundir-te com todas as pessoas que se aproximam, uma mulher ao longe e eu, de imediato

- É ela

de coração aos baldões e mãos suadas, a mulher sempre outra mulher, nem me olha, aliás espanta-me que me tenhas olhado, nunca tive grande sucesso, nunca se apaixonaram por mim, pode ser que uma vez mas tenho dúvidas, chamava-se Carla, trabalhava na recepção de um hotel, o olho esquerdo fugia-lhe e o olho esquerdo afastou-me, pensava que as estrábicas chorassem de maneira diferente mas não, ainda me escreveu, não respondi, ainda me telefonou, não atendi e depois a cidade comeu-a, julgo que continua em qualquer lado, engolida pelo hotel, engolida pelo prédio onde mora com a mãe, engolida pelos anos que devoram tudo, a começar pelo esquecimento. E, depois, tu. Quer dizer quase não nos conhecemos, ficámos em mesas lado a lado na pizaria, a má criação da empregada uniu-nos, o gosto comum pelas lasanhas vegetarianas tornou-se uma ponte entre nós, a falha no verniz do mindinho enterneceu-me, marcámos este encontro para um cinema, despedimo-nos com um passou bem demorado que me soube a beijo, afastaste-te sem olhar para trás, depois de me teres consentido pagar a tua lasanha, cada qual com o seu porta-moedas na mão, guardaste-o, a contragosto, na carteira

- Da próxima sou eu que pago e não admito recusas

a próxima vez que é hoje, espero que jantar depois do cinema, espero que segurar a tua mão que hesita, tiro, não tiro, acaba por ficar, espero que um joelho, espero que uma bochecha no meu ombro, um primeiro beijo tímido, um segundo que se abre em corola, um suspirozinho, dedos exploradores no automóvel, cautelosos, medidos, arrumei o apartamento, deixei a cama feita, comprovei que não era grande espingarda a fazer camas, o lava-loiças limpo, os cinzeiros limpos, o jornal de ontem no balde, música suave, pronta a funcionar, na aparelhagem, basta carregar num botão e caem-te violinos em cima, um amigo meu garante que os violinos amolecem as mulheres, acrescenta

- Não me perguntes porquê mas amolecem

e não tenho motivos para não acreditar no rapaz, três casamentos, três divórcios, experiência, a chuva parece abrandar e eu feito um pinto, se calhar esqueceste-te, se calhar não pensaste mais nisso, nem o teu nome sei, para ser sincero não me lembro muito bem como és, altura média, acho eu, cabelo castanho, acho eu, ou com madeixas, não seria capaz de esclarecer, quem me garante que não te cruzaste já comigo, enquanto eu somava os sete homens carecas, sem te lembrares de como sou igualmente, quem me garante que não estavas à espera que eu sorrisse para me falares e, como não sorri, decidiste, desiludida

- Espera outra pessoa, vou-me embora

e não esperava outra pessoa, que pessoa, esperava-te a ti, espero-te a ti, de maneira que, agora que a chuva parou, vou recomeçar a contar de um a cem e de cem a um, recomeçar a contar automóveis pretos, táxis vazios, homens carecas, mulheres loiras, ambulâncias e corcundas, com um gosto de lasanha vegetariana na boca, seguro de que não terei que me ir embora porque vais chegar.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Redenção do poeta renegado; BH, 0601002013; Publicado,: BH, 02201002013.

Redenção do poeta renegado,
Poeta estigmatizado, chamado
De poeta, sem uma obra-prima,
Sem uma obra de arte, poeta
Marcado pelo fracasso; e quando
Vai à praça, cercam-no, e
Cobram-no com insultos: tu,
Estúpido, um poeta? e sacodem-se,
Batem os pés, arrastam-se como
Se fossem aleijados, ou serpentes:
Tu, bruto, poeta? balançam-se,
Jogam as escadeiras, bamboleiam
Os quadris, rebolam as nádegas,
Requebram as bundas: tu, apóstata,
Um poeta? aqui na praça? ali
Está o coreto, sobe lá, e
Mostra-nos os teus milagres;
Cura as nossas tristezas, as
Nossas mediocridades, afasta
De nós o nosso sentido dessa
Imbecilidade; canta para
Nós uma ode, uma trova,
Um soneto, o mínimo que seja;
Seja a nossa redenção, ó poeta,
Ou não te tiraremos dessa
Estaca, onde vamos empalar-te;
Tu és um herege, tu és um
Hipócrita, e como tal, morrerás
Na fogueira; a não ser que
Digas, que não és um poeta;
A não ser que renegues a
Blasfêmia, e cantes para
Aquela bela fêmea, antes que
Seja oferecida a um ente
Sobrenatural; se agradares, tu e
Ela estareis a salvo e podereis
Ir às vossas casas: sacia-nos, poeta.

Luís da Câmara Cascudo: O significado de alguns ditados populares, sem tapar o sol com a peneira, do GGN.


Luís da Câmara Cascudo
Luís da Câmara Cascudo
Muitas vezes usamos certas expressões, mas não temos ideia do que elas significam.
São ditados ou termos populares que através dos anos permaneceram sempre iguais, significando exemplos morais, filosóficos e religiosos.
Tanto os provérbios quanto os ditados populares constituem uma parte importante de cada cultura.
Historiadores e escritores sempre tentaram descobrir a origem dessa riqueza cultural, mas essa tarefa nunca foi nada fácil.
O grande escritor Luís da Câmara Cascudo já dizia que: “os ditados populares sempre estiveram presentes ao longo de toda a História da humanidade”. No Brasil isso não é nenhuma novidade. Muitas vezes ocorrem expressões tão estranhas e sem sentido, mas que são muito importantes para a nossa cultura popular.
Veja aqui algumas dessas expressões ou ditados populares:
Bicho-de-sete-cabeças
Tem origem na mitologia grega, mais precisamente na lenda da Hidra de Lerna, monstro de sete cabeças que, ao serem cortadas, renasciam. Matar este animal foi uma das doze proezas realizadas por Hércules. A expressão ficou popularmente conhecida, no entanto, por representar a atitude exagerada de alguém que, diante de uma dificuldade, coloca limites à realização da tarefa, até mesmo por falta de disposição para enfrentá-la.
Com o rei na barriga
A expressão provém do tempo da monarquia em que as rainhas, quando grávidas do soberano, passavam a ser tratadas com deferência especial, pois iriam aumentar a prole real e, por vezes, dar herdeiros ao trono, mesmo quando bastardos. Em nossos dias refere-se a uma pessoa que dá muita importância a si mesma.
Ver (ou adivinhar) passarinho verde (MAS PODE SER AZUL, AMARELO, VERMELHO, ROXO E POR AÍ VAI!)
Significa estar apaixonado. O passarinho em questão é uma espécie de periquito verde. Conta uma lenda que alguns românticos rapazes do século passado adestravam o bichinho para que ele levasse no bico uma carta de amor para a namorada. Assim, o casal de apaixonados tinha grandes chances de burlar a vigilância de um paizão ranzinza.
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Com a corda toda
Antigamente, os brinquedos que possuíam movimento eram acionados torcendo um mecanismo em forma de mola ou um elástico, que ao ser distendido, fazia o brinquedo se mexer. Ambos os mecanismos eram chamados de “corda”. Logo, quando se dava “corda” totalmente num brinquedo, ele movia-se de forma mais agitada e frenética. Daí a origem da expressão.
Favas contadas
De acordo com Câmara Cascudo, antigamente, votavam-se com as favas brancas e pretas, significando sim ou não. Cada votante colocava o voto, ou seja, a fava, na urna. Depois vinha a apuração pela contagem dos grãos, sendo que quem tivesse o maior número de favas brancas estaria eleito. Atualmente, significa coisa certa, negócio seguro.
Orelha
Fazer ouvidos de mercador
Orlando Neves, autor do Dicionário das Origens das Frases Feitas, diz que a palavra mercador é uma corruptela de marcador, nome que se dava ao carrasco que marcava os ladrões com ferro em brasa, indiferente aos seus gritos de dor. No caso, fazer ouvidos de mercador é uma alusão a atitude desse algoz, sempre surdo às súplicas de suas vítimas.
Tapar o sol com a peneira
Peneira é um instrumento circular de madeira com o fundo em trama de metal, seda ou crina, por onde passa a farinha ou outra substância moída. Qualquer tentativa de tapar o sol com a peneira é inglória, uma vez que o objecto é permeável à luz. A expressão teria nascido dessa constatação, significando atualmente um esforço mal sucedido para ocultar uma asneira ou negar uma evidência.
O pomo da discórdia
A lendária Guerra de Troia começou numa festa dos deuses do Olimpo: Éris, a deusa da Discórdia, que naturalmente não tinha sido convidada, resolveu acabar com a alegria reinante e lançou por sobre o muro uma linda maçã, toda de ouro, com a inscrição “à mais bela”.
Como as três deusas mais poderosas: Hera, Afrodite e Atena disputavam o troféu, Zeus passou a espinhosa função de julgar para Páris, filho do rei de Troia  O príncipe concedeu o título a Afrodite em troca do amor de Helena, casada com o rei de Esparta.
A rainha fugiu com Páris para Tróia, os gregos marcharam contra os troianos e a famosa maçã passou a ser conhecida como “o pomo da discórdia” – que hoje indica qualquer coisa que leve as pessoas a brigar entre si.
Afogar o ganso
No passado, os chineses costumavam satisfazer as suas necessidades sexuais com gansos. Pouco antes de ejacularem, os homens afundavam a cabeça da ave na água, para poderem sentir os espasmos anais da vítima. Daí a origem da expressão, que se refere a um homem que está precisando fazer sexo.
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Ave de mau agouro
Diz-se de pessoa portadora de más notícias ou que, com a sua presença, anuncia desgraças. O conhecimento do futuro é uma das preocupações inerentes ao ser humano. Quase tudo servia para, de maneiras diversas, se tentar obter esse conhecimento. As aves eram um dos recursos que se utilizava. Na antiga Roma, a predição dos bons ou maus acontecimentos (Avis spicium, em Latim) era feita através da leitura do vôo ou canto das aves. Os pássaros mais usado para isso eram a águia, a coruja, o corvo e a gralha. Ainda hoje perdura, popularmente, a conotação funesta com qualquer destas aves.
Santa do pau oco
Expressão que se refere à pessoa que se faz de boazinha, mas não é. Nos século XVIII e XIX os contrabandistas de ouro em pó, moedas e pedras preciosas utilizavam estátuas de santos ocas por dentro. O santo era “recheado” com preciosidades roubadas e enviado para Portugal.
Mais vale um pássaro na mão que dois voando
Significa que é melhor ter pouco que ambicionar muito e perder tudo. É tradição de antigos caçadores. Eles achavam melhor apanhar logo a ave que tinham atingido de raspão, antes que ela fugisse, do que tentar atirar nas que estavam voando e errar o alvo.
Apressado come cru
Quando não existia o forno microondas, era preciso muito tempo para a comida ficar pronta, ou então comê-la crua. Nessa época, a culinária japonesa ainda não estava na moda e comida crua era vista com maus olhos. Assim, a expressão passou a ser usada para significar afobamento, precipitação.
Chorar as pitangas
Pitangas são deliciosas frutinhas cultivadas e apreciadas em todo o país, especialmente nas regiões norte e nordeste do país. A palavra deriva de pyrang, que, em tupi-guarani, significa vermelho. Sendo assim, a provável relação da fruta com lágrimas, vem do fato de os olhos ficarem vermelhos, parecendo duas pitangas, quando se chora muito.
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Farinha do mesmo saco
“Homines sunt ejusdem farinae” esta frase em latim (homens da mesma farinha) é a origem dessa expressão, utilizada para generalizar um comportamento reprovável. Como a farinha boa é posta em sacos diferentes da farinha ruim, faz-se essa comparação para insinuar que os bons andam com os bons enquanto os maus preferem os maus.
Aquela que matou o guarda
Tratava-se de uma mulher que trabalhava para D. João VI e se chamava Canjebrina, que, como informam os dicionários, significa pinga, cachaça. Ela teria matado um dos principais guardas da corte do Rei. O fato não foi provado. Mas está no livro “Inconfidências da Real Família no Brasil”, de Alberto Campos de Moraes.
Sangria desatada
Diz-se de qualquer coisa que requer uma solução ou realização imediata. Esta expressão teve origem nas guerras, onde se verificava a necessidade de cuidados especiais com os soldados feridos. É que, se por qualquer motivo, se desprendesse a atadura posta sobre as feridas, o soldado morreria, por perder muito sangue.
Colocar panos quentes
Significa favorecer ou acobertar coisa errada feita por outro. Em termos terapêuticos, colocar panos quentes é uma receita, embora paliativa, prescrita pela medicina popular desde tempos remotos. Recomenda-se sobretudo nos estados febris, pois a temperatura muito elevada pode levar a convulsões e a problemas daí decorrentes. Nesses casos, compressas de panos encharcados com água quente são um santo remédio. A sudorese resultante faz baixar a febre.
Cor de Burro quando foge - BRASIL ESCOLA
Cor de burro quando foge
A frase original era “Corra do burro quando ele foge”. Tem sentido porque, o burro enraivecido, é muito perigoso. A tradição oral foi modificando a frase e “corra” acabou virando “cor”.
Pagar o pato
A expressão deriva de um antigo jogo praticado em Portugal. Amarrava-se um pato a um poste e o jogador (em um cavalo) deveria passar rapidamente e arrancá-lo de uma só vez do poste. Quem perdia era que pagava pelo animal sacrificado. Sendo assim, passou-se a empregar a expressão para representar situações onde se paga por algo sem ter qualquer benefício em troca.
De pequenino é que se torce o pepino
Os agricultores que cultivam os pepinos precisam de dar a melhor forma a estas plantas. Retiram uns “olhinhos” para que os pepinos se desenvolvam. Se não for feita esta pequena poda, os pepinos não crescem da melhor maneira porque criam uma rama sem valor e adquirem um gosto desagradável. Assim como é necessário dar a melhor forma aos pepinos, também é preciso moldar o caráter das crianças o mais cedo possível.
Salvo pelo gongo
O ditado tem origem na na Inglaterra. Lá, antigamente, não havia espaço para enterrar todos os mortos. Então, os caixões eram abertos, os ossos tirados e encaminhados para o ossário e o túmulo era utilizado para outro infeliz.Só que, às vezes, ao abrir os caixões,os coveiros percebiam que havia arranhões nas tampas, do lado de dentro, o que indicava que aquele morto, na verdade, tinha sido enterrado vivo (catalepsia – muito comum na época).
Assim, surgiu a idéia de, ao fechar os caixões, amarrar uma tira no pulso do defunto, tira essa que passava por um buraco no caixão e ficava amarrada num sino. Após o enterro, alguém ficava de plantão ao lado do túmulo durante uns dias. Se o indivíduo acordasse, o movimento do braço faria o sino tocar. Desse modo, ele seria salvo pelo gongo. Atualmente, a expressão significa escapar de se meter numa encrenca por uma fração de segundos.
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Elefante branco
A expressão vem de um costume do antigo reino de Sião, situado na atual Tailândia, que consistia no gesto do rei de dar um elefante branco aos cortesões que caíam em desgraça. Sendo um animal sagrado, não podia ser posto a trabalhar. Como presente do próprio rei, não podia ser vendido. Matá-lo, então, nem pensar. Não podendo também ser recusado, restava ao infeliz agraciado alimentá-lo, acomodá-lo e criá-lo com luxo, sem nada obter de todos esses cuidados e despesas. Daí o ditado significar algo que se tem ou que se construiu, mas que não serva para nada.
Comer com os olhos
Soberanos da África Ocidental não consentiam testemunhas às suas refeições. Comiam sozinhos. Na Roma Antiga, uma cerimônia religiosa fúnebre consistia num banquete oferecido aos deuses em que ninguém tocava na comida. Apenas olhavam, “comendo com os olhos”. A propósito, o pesquisador Câmara Cascudo diz que certos olhares absorvem a substância vital dos alimentos. Hoje o ditado significa apreciar de longe, sem tocar.
Amigo da onça
Segundo estudiosos da língua portuguesa, este termo surgiu a partir de uma história curiosa. Conta-se que um caçador mentiroso, ao ser surpreendido, sem armas, por uma onça, deu um grito tão forte que o animal fugiu apavorado. Como quem o ouvia não acreditou, dizendo que , se assim fosse, ele teria sido devorado, o caçador, indignado, perguntou se, afinal, o interlpcutor era seu amigo ou amigo da onça. Atualmente, o ditado significa amigo falso, hipócrita.
Estar com a corda no pescoço
O enforcamento foi, e ainda é em alguns países, um meio de aplicação da pena de morte. A metáfora nasceu de anistias ou comutações de pena chegadas à última hora, quando o condenado já estava prestes a ser executado e o carrasco já lhe tinha posto a corda no pescoço, situação que, de fato, é um sufoco. Hoje, o ditado significa estar ameaçado, sob pressão ou com problemas financeiros.
Como sardinha em lata
A palavra sardinha vem do latim sardina. Designa o peixe abundante na Sardenha, conhecida região da Itália. É um alimento apreciado e nutritivo, de sabor bem peculiar. As sardinhas, quando enlatadas em óleo ou em outro molho, vêm coladas umas às outras. Por analogia, usa-se a expressão popular sardinha em lata para designar a superlotação de veículos de transporte público.
Pior-cego
O pior cego é o que não quer ver
Em 1647, em Nimes, na França, na universidade local, o doutor Vicent de Paul D’Argenrt fez o primeiro transplante de córnea em um aldeão de nome Angel.
Foi um sucesso da medicina da época, menos para Angel, que assim que passou a enxergar ficou horrorizado com o mundo que via. Disse que o mundo que ele imagina era muito melhor. Pediu ao cirurgião que arrancasse seus olhos.
O caso foi acabar no tribunal de Paris e no Vaticano. Angel ganhou a causa e entrou para a história como o cego que não quis ver. Atualmente, o ditado se refere a a alguém que se nega a admitir um fato verdadeiro.
Andar à toa
Toa é a corda com que uma embarcação remboca a outra. Um navio que está “à toa” é o que não tem leme nem rumo, indo para onde o navio que o reboca determinar. Uma mulher à toa, por exemplo, é aquela que é comandada pelos outros. Jorge Ferreira de Vasconcelos já escrevia, em 1619: Cuidou de levar à toa sua dama. Hoje, o ditado significa andar sem destino, despreocupado, passando o tempo.
Casa de mãe Joana
Este dito popular tem origem na Itália. Joana, rainha de Nápoles e condessa de Provença (1326-1382), liberou os bordéis em Avignon, onde estava refugiada, e mandou escrever nos estatutos: “Que tenha uma porta por onde todos entrarão”.
O lugar ficou conhecido como Paço de Mãe Joana, em Portugal. Ao vir para o Brasil a expressão virou “Casa da Mãe Joana”. A outra expressão envolvendo Mãe Joana, um tanto chula, tem a mesma origem, naturalmente.
Onde judas perdeu as botas
Como todos sabem, depois de trair Jesus e receber 30 dinheiros, Judas caiu em depressão e culpa, vindo a se suicidar enforcando-se numa árvore.
Acontece que ele se matou sem as botas. E os 30 dinheiros não foram encontrados com ele. Logo os soldados partiram em busca as botas de Judas, onde, provavelmente, estaria o dinheiro.
A história é omissa daí pra frente. Nunca saberemos se acharam ou não as botas e o dinheiro. Mas a expressão atravessou vinte séculos. Atualmente, o ditado significa lugar distante, inacessível.
Quem não tem cão caça com gato
Se você não pode fazer algo de uma maneira, se vira e faz de outra. Na verdade, a expressão, com o passar dos anos, se adulterou. Inicialmente se dizia “quem não tem cão caça como gato”, ou seja, se esgueirando, astutamente, traiçoeiramente, como fazem os gatos.
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De pá virada
Um sujeito da pá virada pode tanto ser um aventureiro corajoso como um vadio.
A origem da palavra é em relação ao instrumento, a pá. Quando ela está virada para baixo, é inútil não serve para nada. Hoje em dia, “pá virada” tem outro sentido. Refere-se a uma pessoa de maus instintos e criadora de casos ou a um aventureiro.
Deixar de Nhenhenhém
Conversa interminável em tom de lamúria, irritante, monótona. Resmungo, rezinga.
Nheë, em tupi, quer dizer falar. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, eles não entendiam aquela falação estranha e diziam que os portugueses ficavam a dizer “nhen-nhen-nhen”.
Estar de paquete
Situação das mulheres quando estão menstruadas. Paquete, já nos ensina o Aurélio, é um das denominações de navio. A partir de 1810, chegava um paquete mensalmente, no mesmo dia, no Rio de Janeiro. E a bandeira vermelha da Inglaterra tremulava. Daí logo se vulgarizou a expressão sobre o ciclo menstrual das mulheres. Foi até escrita uma “Convenção Sobre o Estabelecimento dos Paquetes”, referindo-se, é claro, aos navios mensais.
Pensando na morte da bezerra
Estar distante, pensativo, alheio a tudo.
Esta é bíblica. Como vocês sabem, o bezerro era adorado pelos hebreus e sacrificados para Deus num altar. Quando Absalão, por não ter mais bezerros, resolveu sacrificar uma bezerra, seu filho menor, que tinha grande carinho pelo animal, se opôs. Em vão. A bezerra foi oferecida aos céus e o garoto passou o resto da vida sentado do lado do altar “pensando na morte da bezerra”. Consta que meses depois veio a falecer.
Não entender patavina
Não saber nada sobre determinado assunto. Nada mesmo.
Tito Lívio, natural de Patavium (hoje Pádova, na Itália), usava um latim horroroso, originário de sua região. Nem todos entendiam. Daí surgiu o Patavinismo, que originariamente significava não entender Tito Lívio, não entender patavina.
Jurar de pés junto
A expressão surgiu das torturas executadas pela Santa Inquisição, nas quais o acusado de heresias tinha as mãos e os pés amarrados (juntos) e era torturado para confessar seus crimes.
Emanuele Filiberto di Savoia
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Testa de ferro
O Duque Emanuele Filiberto di Savoia, conhecido como Testa di Ferro, foi rei de Chipre e Jerusalém. Mas tinha somente o título e nenhum poder verdadeiro. Daí a expressão ser atribuída a alguém que aparece como responsável por um por um negócio ou empresa sem que o seja efetivamente.
Erro crasso
Na Roma antiga havia o Triunvirato: o poder dos generais era dividido por três pessoas. No primeiro destes Triunviratos, tínhamos: Caio Júlio, Pompeu e Crasso. Este último foi incumbido de atacar um pequeno povo chamado Partos. Confiante na vitória, resolveu abandonar todas as formações e técnicas romanas e simplesmente atacar. Ainda por cima, escolheu um caminho estreito e de pouca visibilidade. Os Partos, mesmo em menor número, conseguiram vencer os romanos, sendo o general que liderava as tropas um dos primeiros a cair. Desde então, sempre que alguém tem tudo para acertar, mas comete um erro estúpido, dizemos tratar-se de um “erro crasso“.
Lágrimas de crocodilo
O crocodilo, quando ingere um alimento, faz forte pressão contra o céu da boca, comprimindo as glândulas lacrimais. Assim, ele chora enquanto devora a vítima. Daí a expressão significar choro fingido.
Fila indiana
Tem origem na forma de caminhar dos índios americanos, que, desse modo, encobriam as pegadas dos que iam na frente.
Passar a mão pela cabeça
Significa perdoar, e vem do costume judaico de abençoar cristãos-novos, passando a mão pela cabeça e descendo pela face, enquanto se pronuncia a bênção.
Gatos pingados
Esta expressão remonta a uma tortura procedente do Japão que consistia em pingar óleo fervente em cima de pessoas ou animais, especialmente gatos.
Existem várias narrativas ambientais na Ásia que mostram pessoas com os pés mergulhados num caldeirão de óleo quente. Como o suplício tinha uma assistência reduzida, tal era a crueldade, a expressão “gatos pingados” passou a significar pequena assistência sem entusiasmo ou curiosidade para qualquer evento.
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Queimar as pestanas
Antes do aparecimento da eletricidade, recorria-se a uma lamparina ou uma vela para iluminação. A luz era fraca e, por isso, era necessário colocá-las muito perto do texto quando se pretendia ler o que podia dar num momento de descuido queimar as pestanas. Por essa razão, aplica-se àqueles que estudam muito.
Sem papas na língua
Significa ser franco, dizer o que sabe, sem rodeios. A expressão vem da frase castelhana “no tener pepitas em la lengua”. Pepitas, diminutivo de papas, são partículas que surgem na língua de algumas galinhas, é uma espécie de tumor que lhes obstrui o cacarejo. Quando não há pepitas (papas), a língua fica livre.
A toque de caixa
A caixa é o corpo oco do tambor que foi levado para a a Europa pelos árabes. Como os exercícios militares eram acompanhados pelo som de tambores, dizia-se que os soldados marchavam a toque de caixa. Atualmente, refere-se a uma tarefa que se tem de fazer rapidamente, eventualmente a mando de alguém ou mesmo à força.
Maria vai com as outras
Dona Maria I, mãe de D. João VI (avó de D. Pedro I e bisavó de D. Pedro II), enlouqueceu de um dia para o outro . Declarada incapaz de governar, foi afastada do trono. Passou a viver recolhida e só era vista quando saía para caminhar a pé, escoltada por numerosas damas de companhia. Quando o povo via a rainha levada pelas damas nesse cortejo, costumava comentar: “Lá vai D. Maria com as outras”. Atualmente aplica-se a expressão a uma pessoa que não tem opinião e se deixa convencer com a maior facilidade.
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Fonte: CASCUDO, Luís da Câmara. Locuções Tradicionais no Brasil. São Paulo, Editora Global/2008.
VEJA UMA SEGUNDA PARTE SOBRE ESTE TEMA EM NOSSO TOK DE HISTÓRIA - http://tokdehistoria.wordpress.com/2013/10/03/ditados-populares-e-seus-significados-ii/