sábado, 26 de outubro de 2013

Rodrigo Garcia Lopes, O Fotógrafo.

Não perdia tempo com palavras
“Você ama de verdade?”
Nu, na sacada do hotel em Tanger,
a propos de rien
olhando a cena como quem celebra –
Um copo de suco, cigarros, ideogramas chineses,
cartões postais e fotografias
espalhados numa mesa negra:
o piano de Einstein
tecia linhas de fuga
formando espirais
que desapareciam.
Imagista obsessivo, ele havia penetrado
no outro lado do espelho e saído
à procura de Alice e do coelho da lua.
“Previsão de neve no domingo”. No deserto,
“tudo é phanos: essas nuvens distantes se elaborando
e refletindo-se de volta
no espelho da piscina”.
“Você vem?”.
Então fotografava o futuro, apreciava um processo
de vir-a-ser, ondulações e o ar-reflexo das ondas
depois de um corpo mergulhar.
O mundo todo num clic.
Arqueiro de Herrigel,
a roleta russa do olhar
dispara setas à deriva, em direção ao céu,
revelando polaroides & esquizofrenia.
Ruído de oceano e pássaros
se mixando com as imagens
sem som do vídeo.
Você imaginando a neve, breve,
de novo caindo como antes,
nossas faces se dissolvendo com os galhos
agora distantes
levados para sempre
pela violência do vento.
Tudo se solidifica.
A linha do céu retém o último poente
até que ele explode o índigo da noite.
Ondas de oxigênio: um céu de seda.
À velocidade do tempo, um aparelho
condiciona o ar, umedece nossas vozes.
Uma sucessão de flashes
nos mixa com cartas e fotografias, brancas, numa mesa.
As mesmas imagens
voltam misturadas aos ruídos
e a alucinação do real recomeça:
o fotógrafo havia decidido
se deixar levar pela fúria dos eventos, seguir
as dicas sutis dos hieróglifos
e recolher os dados em silêncio.
Afirmar:
os instantes não seriam mais
tensos como antes mas
intensidades,
temperaturas, imprevisíveis
retornos.
(…)

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