sábado, 26 de outubro de 2013

Monica Aquino, Lagos.

I

Lagos
os olhos do afogado –
já não retêm o acaso
o vidro baço
da dúvida.
Trégua túrgida, réstia
sem o espectro de estátua
que confere ao fim
o seu aspecto de pedra.
Rasgo
desde a véspera.
E quanto mais ontem
o corpo, mais lago
(e superfície).
A pele não espera –
dissolve-se –
e não se sabe
o que água, o que carne,
o que margem.
O morto
embriaga-se.

II

Ao lago não é dado
desamar o afogado
visto que, misturados,
lago músculo terra
já não se sabe
o que contém
o que refém
(e o que ilha).
Assim, amar o morto
é amar seu próprio corpo
é acolher a dispersão
do que também é água:
é este amar-se a si.

III

Suponha, agora
um outro
a mirar-se
(suponha o lago
nos olhos
do outro)
e que ele resvale
na pele do acaso:
assim, o morto
decantado.
Mas há o círculo.
E não se sabe
o que é morto
o que é outro.

IV

Por que fonte
sua natureza
se ao lago, apenas
impele a mó
do círculo?
(O outro sempre
claraboia
onde se infere
a fronte do abismo).

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