terça-feira, 27 de setembro de 2022

quando o presidente da academiia

quando o presidente da academia
brasileira de letras é um fascista
defensor da burguesia
e da elite tal um merval pereira
a nação chega à conclusão que
não nasceu para a literatura
e que cada vez mais um prêmio
nobel de literatura é literalmente
impossível nessas condições
e particularmente penso que já
temos alguns nomes aqui que
fariam jus a tão almejado prêmio
mas desta vez não citarei mas
citar o nome do mocorongo
genocida com quase setecentas
mil mortes nas costas para o
também cobiçado prêmio nobel
da paz é para pessoas inconscientes
ou nefastas
ou fascistas
e o único nome no momento à
altura de tal fundamento seria o
do padre júlio lancellotti que
dedica a própria vida ao amor
e aos cuidados de pessoas em
situações de riscos e que 
sobrevivem sob marquises
e viadutos
ao relento
e à míngua
e sem um amparo obrigatório 
do estado
e necessitamos dum clamor
para que o país um dia
conquiste um prêmio nobel de
literatura
ou um prêmio nobel da paz
ou outro qualquer

BH, 0170802022; Publicado: BH, 0270902022.

nem tudo está perdido

nem tudo está perdido
e quero acreditar
e tenho a obrigação
e a esperança de acreditar
que nem tudo está perdido
se o amor é a resposta
se o amor é a solução
então porque não
se o amor é uma 
forma de oração
em físico
e em espírito
e em essência
e em matéria
e o amor é a artéria
e a aorta principal de oxigênio
e sangue arterial
e o amor é coisa de gênio
e sim nem tudo está perdido
e é a conclusão que
tenho a obrigação de
chegar com consciência
de amar pois sem amor
não terei outra forma de
orar
ou de arar
ou de lavrar
ou elaborar
ou até de laborar
e quem sabe namorar
pois o amor é qualquer
tipo de verbo de ação
em qualquer tempo
de conjugação
e gera substantivos
e advérbios
e derivados
e adjuntos
e objetos
e objetivos
e predicados
e predicativos
e sujeitos
e abole os defeitos
e conserta as obsessões
e o amor é o amor
e só o amor bane o terror
e o horror
e o que mais que vier
e for interromper a força da flor
e o amor cura qualquer dor

BH, 0180802022; Publicado: BH, 0270902022.

maluco o povo pobre está fodido

maluco o povo pobre está fodido
e é só o que posso dizer pois
quanto mais fodido for o povo
pobre mais a elite fica rica
e quanto mais desgraçado for o
povo pobre fodido mais a
burguesia se sente feliz com a
massa denominada má cheirosa
e suada debaixo dos tacões dos
patrões do trabalho escravo
e das faltas de direitos
e de respeitos
e só deveres
e maluco é a única coisa que
sei e que posso dizer a
galera da periferia da favela
e dos aglomerados dos subúrbios
sim essa galera invisível aí que
não pode um rolê num shopping
e não pode entrar num
supermercado
e que não tem perspectivas
duma vida melhor
e acesso à saúde
e à educação
e à alimentação
e à moradia
ou ao emprego
sim essa galera aí
maluco está fodida
e é sparring da polícia
e é vítima de bala perdida
e é alvo de tiro ao alvo
dos que têm armas
e licença para matar
e por qualquer dá cá
aquela palha
e perdem o que se chama
de vida numa covardia
ou num abuso de poder
que nunca terão fim pois
a elite
e a burguesia não aceitam
o pobre
e o preto
e o índio
e só a miséria
e nem o equilíbrio social querem
e desejam sempre mais dos
sangues
e dos suores das massas
menosprezadas manobradas
ou que compõem o povo trabalhador
brasileiro maluco que está fodido

BH, 0170802022; Publicado: BH, 0270902022.

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

hoje na nossa nação prevalece o mal

hoje na nossa nação prevalece o mal
do coração do mau
e o sol pode brilhar mais uma vez mas a luz
não chegará ao coração do cidadão
e o amor nunca será eterno outra vez no
nosso país
e não sou de jeito nenhum otimista
e nem nunca fui
e nem nunca serei é que o povo é de direita
e religioso
e cristão
e crente armamentista
e pentecostal
e abutres iguais edir macedo
e silas malafaia
e hienas tais o r r soares
e o chapeleta valdemiro santiago nadam de
braçadas no mar da estupidez
e da ignorância
e corações progressistas
e mentes livres
e abertas não têm acesso à bolha da bizarrice
e da morbidez
e seres macabros chegam à presidência da
república
e destroem a democracia
e adoecem à saúde
e matam a cidadania
e apagam a memória do nosso maior nome
no progresso da educação o paulo freire
e cérebros geniais são esquecidos
e só generais
e desmatadores
e racistas membros da direita fascista
ganham espaços nos meios sociais
e políticos
e era uma vez um país
e era um vez uma nação
e era uma vez um povo trabalhador
brasileiro que era feliz
e de repente se viu pela própria
omissão no mato sem cachorro   

BH, 0310802022; Publicado: BH, 0260902022.

quando não sei fazer as coisas improviso

quando não sei fazer as coisas improviso
e no jeitinho brasileiro a inventar o celeiro
e de curioso curió canto em dó maior
ou em ré mi sol
e sigo o sol
e vou lá ao alto da montanha
e fá já sou um rouxinol cantador compositor
e a si digo com satisfação que o que inventei
melhorou o teu coração
ou não é que um doente não cura o outro
e imploro para a minha cura
e digo ao cura que clamo mais pela cura do
meu semelhante
e avio receitas que podem ser indevidas
e em dosimetrias infinitas cicatrizo as feridas em tatuagens de tatus nos buracos da
carne viva
ou morta esfregada com sal grosso não
importa a horta
e nem a hora do dia
ou da noite sou fominha
e sedento
e nem mais aguento o nervo sebento a saideira
e  o último gole
e impulsionado pelo vento molambo
ou trapo
ou moleque malino este é o meu destino
que herdei dos meus ancestrais
que aprendi com os antepassados
e que aperfeiçoei dos antecedentes
descontentes com isto os descendentes não
sabem que sou doente
e querem de mim perfeição
e comportamento de gente mas arre égua
deixem-me afogar na aguardente

BH, 0310802022; Publicado: BH, 0260902022.

e quero é viver em paz

e quero é viver em paz
e sei que não sou capaz
e nem mais sagaz mas
rapaz então vou mudar
o refrão
e quero é morrer em paz
e na juventude não me
importei com a mocidade
e a realidade agora me
mostra que não há mais
tempo para correr atrás
do tempo
e quando vou chorar
as lamúrias do coração
em ladainhas é o choro
da minha avó naninha
boca aberta
sem nenhum dente
no quintal
ou é o choro
da mulher do
meu tio hugulino a
jogar fora o leite do
peito que era para 
amamentar o menino
na casa do alto do morro
dos velhacos donde
muitas vezes na infância
sentado na varanda para
ver o sol nascer a trazer
a esperança mas a
estupidez me fez crescer
na ignorância
e então meu irmão
não aprendi a viver em paz
e só em vão
e muito menos vou
aprender a morrer em paz
e morrerei em vão
mas sigo a trança traçada
pela vida
e nos traços da morte
se tiver o azar que
nunca deixe de ter
ou se não tiver sorte
e seguirei do sul para o norte
a cantar às cortes
e a escrever os dotes
que por acaso o ocaso
doar-me um ar de graça no
último instante de razão
que embalar o meu coração
sem noção que só levou a
vida na contramão a dizer
nunca sim
e sempre não

BH, 0310802022; Publicado: BH, 0260902022.

domingo, 25 de setembro de 2022

como escrever à uma geração que não quer ler?

como escrever à uma geração que não quer ler?
e como publicar livros à uma nação que apesar
de ter em seu seio um machado de assis
e um carlos drummond de andrade
e um chico buarque de holanda
e um manoel bandeira
e um mário quintana
e um gilberto gil
e um abdias do nascimento
ou um luiz inácio lula da silva
ou uma dilma vanna rousseff
ainda não nasceu
e muito menos cresceu para a literatura
e o país apesar de ter uma dimensão continental
e uma das maiores populações
tem poucos leitores
e cada vez menos escritores
e bibliotecas
e livrarias
e editoras de publicações de livros
e cada vez mais se afasta da possibilidade
de ganhar um prêmio nobel de literatura
e quando o povo não quer estudar
e quando o povo não quer ler
e quando o povo não quer escrever
não há milagres que salvam a nação
e quando o povo não quer cultura
e quando o povo não quer educação
e critica universidades
e deixa morrer à míngua faculdades
e desrespeita
e agride professores não há progresso que
dê jeito no desenvolvimento
e no modernismo da nação
e assim afundamos no atraso negacionista
e no pântano das trevas religiosas
e afogamos na lama gerada pela elite reacionária
e sufocamos no lixo da burguesia 
e na pobreza do capitalismo
e na miséria do neoliberalismo
e na desgraça dos apelos dos pastores por
dinheiros que os enriquecem
e empobrecem fieis desesperados

BH, 0310802022; Publicado: BH, 0250902922.

iluminai os recônditos mais obscuros

iluminai os recônditos mais obscuros
do cérebro
e iluminai a inspiração
e iluminai a criatividade
e iluminai a razão
e iluminai a meditação
e iluminaia concentração
e iluminai a oração
e iluminai o pensamento
e iluminai o discernimento
e iluminai o espírito
e iluminai a alma
e iluminai o ser
e iluminai a entidade
e iluminai o ente
e iluminai a sabedoria
e iluminai a inteligência
e iluminai a ciência
e iluminai a paciência
e iluminai o paciente
e iluminai o raciocínio
e iluminai o crânio
e iluminai a mente
e iluminai a memória
e iluminai a história
e iluminai a lembrança
e iluminai a recordação
e iluminai a mentalização
e iluminai o mentalista
e iluminai o passado
e iluminai o presente
e iluminai o futuro
e iluminai as glândulas
e iluminai as células
e iluminai os neurônios
e iluminai os labirintos cerebrais
e iluminais os hemisférios mentais
e iluminai o cerebelo
e iluminai o corpo caloso
e iluminai a letra
e iluminai a palavra e 
iluminai a escrita
e iluminai as escrituras
e iluminai a literatura
e iluminai a poesia
e iluminai o poema
e iluminai o soneto
e iluminai a ode
e iluminai o poeta
e iluminai a alegria
e iluminai o infinito
e iluminai o universo
e iluminai o verso
e iluminai o amor
e iluminai a paz
e iluminai com a luz do iluminismo a
humanidade
e iluminai os caminhos dos destinos de 
todas as meninas
e de todos os meninos

BH, 030502022; Publicado: BH, 0250902022.

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

e não sabia que o sabiá sabia

e não sabia que o sabiá sabia
o que eu não sabia
e nem sei
e nunca saberei cabeçudo cabeção cabeludo
bunda de fora
e sem veludo para forrar o casulo a espera
da derradeira
e da saideira para as beiras dos precipícios
e às margens dos rios temporário
e das falésias que os ventos gostam de
brincar
e as ondas do mar acompanhar
e as areias a encobrir segredos
e mistérios
e enigmas
e conjecturas que nem o tempo com a eterna
sapiência sabe as revelações
e as razões
e as noções
e as intuições
e não há mais nada sob o céu
e debaixo da terra pois tudo já está
desvendado no passo a passo dado pelo
homem universal a nadar na placenta da nata da via-láctea
e a deixar pegadas na manteiga vulcânica
que serão petrificadas nas rochosas
montanhas de rochedos maciços de rochas
nobres vindas doutros exoplanetas formados
de minerais gasosos desconhecidos
e minerais sólidos enriquecidos
e pedras mais valiosas que diamantes que
pulsam fora do pulso do coração quasar fora
do peito a brilhar farol de facho da luz que
trouxe a informação que seduz
e a iluminação que derrota a treva da
imensidão da ignorância

BH, 030502022; Publicado: BH, 0230902022.

E quem diria que viveria sessenta e cinco anos

E quem diria que viveria sessenta e cinco anos
E será que vivi mesmo todos esses sessenta e Cinco anos?
E nem sei mesmo se vivi e nem 
Posso confessar que vivi e houve um poeta 
Que disse confesso que vivi e houve um
Bêbado que disse confesso que bebi e penso 
Que estou mais é do lado desse bêbado 
Inveterado e confesso que também bebi e na 
Minha ignorância bebi até álcool com caldo 
De cana e confesso estupidamente e bebi rabo
De galo que era a mistura de todas as bebidas
Alcoólicas que tinham numa venda e bebi 
Cachaça com tira-gosto de banana que meu tio
Manoelzinho me dava e bebi tanto uma vez na 
Casa dum português que tinha uma coleção de
Garrafas com raízes de todos os lugares que nem
Sei como sobrevivi para confessar e olha que fui
Lá para conhecer e namorar a filha e me perdi 
Nessas beberagens e sexagenário e mais alguns
Cinco anos e ainda não aprendi e em vagabundagem
E em vadiagem ainda bebo todas e nem preciso 
Mais confessar tantas malandragens e outras
Tantas molecagens e também pudera ao ter por
Referências todos os velhos safados e tarados e 
Sacanas e canalhas do mundo e não poderia nunca
Ser um velho de boa cepa de asilo e de albergue
E de igreja e de capela e estou sempre escorregadio 
Às ruelas de fundos do sub mundo imundo e aos
Muros escuros dos becos onde sempre tem um 
Cospe grosso ou um copo sujo ou um corpo de
Carne moída e estou ali encosto num encosto e 
Só a madrugada para me arrastar de volta ao 
Lar a falar e a cantar sozinho pelo caminho ou
A chorar de mansinho para não acordar as 
Mariposas pousadas nas pétalas das flores escarradas.

BH, 02001102020; Publicado: BH, 0230902022.

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

POETA JOSÉ IGNÁCIO PEREIRA, O POETA DO CÉU AZUL, VAN GOGH, AMOR GLORIFICADO EM GIRASSÓIS.

A vida escrita ao ardor das cores
celebra a dolorosa adoração.
O testamento novo ata nas dores
o dom que inspira o voo da razão.

O sol nos campo doura seus louvores.
Os girassóis tremulam na amplidão.
A arte da glória pinta seus fulgores
e ergue-se plena à sublime mão.

Van Gogh atravessa a noite escura,
rogando pela benção da ternura.
Põe na estrelada noite os brados seus.

Eleito da virtude em sofrimento,
o anjo ruivo traduz o sentimento
de ser mais que um homem, abraçando a Deus.

vem vadio vadiar na vadiagem

vem vadio vadiar na vadiagem
e na vagabundagem do velho
vagabundo marginal periférico
vem favelado ao rolê suburbano
do submundo dos aglomerados
abandonados pelo estado
e município país federação
sociedade elite burguesia
sem razão noção consciência
vem valeta a céu aberto
vem esgoto sem saneamento
mesa sem alimento
vem coração sem educação
vem espírito sem religião
vem
vem já operário sem formação
proletário sem salário
vem funcionário sem função
vem funcional sem formatação
morador de rua sem marquise
bêbado sem calçada
trabalhador rural sem terra
trabalhador urbano sem teto
criança sem escola
doente sem saúde
velho sem aposentadoria
vem alguém sem oportunidade
sem meritocracia
cidadão sem democracia
sem cidadania
sem soberania
vem passageiro da agonia
e da angústia
e da solidão
hospedeiro da ânsia
inquilino da ansiedade
filho da depressão
e do complexo anexo
ao pavilhão dos condenados
aos gulags dos desesperados
aos centros dos cancerosos
vêm cães raivosos
lançados aos desfiladeiros

BH, 030502022; Publicado: BH, 0220902022.

e me pedem os que se pensam santos

e me pedem os que se pensam santos
para que seja santo também
e me pedem os que se dizem pessoas de
bem para que seja uma pessoa de
bem também
e que seja da pátria
e da família
e de deus
e me chamam vem à igreja conosco
ao culto do pastor beltrano
e hoje o sermão é do pastor fulano
e depois prega o pastor sicrano
e o reverendo famoso
que vai te fazer um sakvo também
mas não quero entrar pelo cano
e  fujo desses hipócritas armamentistas
apoiadores de governo genocida
e negacionista de deus acima de tudo
e não amam ao próximo
e apoiam aos torturadores
e inimigos dos direitos humanos
e sociais
e são contra as leis trabalhistas
e ideologias de gêneros
e são racistas
e fascistas
e se fingem de normais
e são misóginos
e combatem ao mst
e ao mtst
e perseguem padres que são progressistas
e bradam contra os comunistas
e os socialistas
e pregam o ódio em nome de deus
e adeus vão ao inferno sem mim
ou me deixem ir sozinho ao inferno
pois não quero andar em
más companhias
já diziam as minhas avós
antes só do que mal acompanhado
e no dia no qual chegar a minha hora
e no julgamento final estiver errado
e me pedirem à mão à palmatória
estendo a direita
e depois a esquerda
e sigo o destino que estiver a mim reservado

BH, 0130902022; Publicado: BH, 0220902022.

já não tenho mais nada a dizer

já não tenho mais nada a dizer
e mesmo se quisesse
ou se pudesse
já não teria mais nada a dizer
e mesmo que o universo me provocasse
ou me provasse
ou que as forças da natureza me
lançassem num abismo infinito
não teria mais nada a dizer
e nem como soltar um grito
e pedir socorro grifado em negrito pois
tudo o que se pensa
já foi dito
ou ditado
ou premeditado
ou citado
e sitiado
já não tenho mais nada a dizer
e quem tiver que diga alguma coisa
ou se cale para sempre
como me calei também
e se alguém pensou
e pensa que oensou
ou pensará algo novo que
lance as letras
ao vento
ou lance as palavras
ao léu da ventania a fazer um vendaval
ou diga aos temporais
ou às tempestades pois
para mim
que sou o corvo soturno
debaixo do tacão do coturno
só posso dizer que
já não tenho mais nada para dizer
nunca mais jamais
para sempre
eternamente
o mudo que o mundo gerou
e que viu as coisas
e não falou
e se calou de vergonha
ou covardia
ou seja lá o que for
e umedecido às lamentações
dos amigos
e dizia que não era  comigo
e agora também corro perigo
sem ter a quem recorrer
e não adianta correr
pois na atual conjuntura
já não tenho mais nada a dizer

BH, 0130902022; Publicado: BH, 0220902022.

sábado, 17 de setembro de 2022

as putas esperam com suas disputas de butins

as putas esperam com suas disputas de butins
e quero de presente dos amigos mais chegados
da rapaziada de pândegos a mais novinha
e mocinha de carne mais tenra
e saliva docinha
e coriza salgadinha
e suor de orvalho
e umidade de sereno
e bafo de brisa de sorriso branquinho
e arfar de mansinho de manhãzinha bem de
manhã de manha cativa
e passiva para as ruminações do bode velho
safado do bogodô de chifres longos
e rabichos
e barba
e bigode
e gargalhadas
e risadas de deboches do vê se pode
e o velho ainda pode
e quer de presente uma puta da gente mas
que não seja triste pois triste basta
o sem memória que deveria estar na glória
mas teima aqui a pedir de presente gueixas
carentes perfumadas
e temperadas iguarias para paladares
acepipes para degustares o mingau celestial
o manjá maná do pudim o pavê
e o purê e o papá
e o papa cuscuz quentinho com jeitinho para
não desmanchar com café com leite
ou chá pois está a aniversariar
e quase quasar septuagenário
e já coberto de bolor debaixo do cobertor a
sonhar com tinir de copos
e corpos de bocas espumantes
de sadios lábios refrescantes rosáceos
de vinho tinto perfumado

BH, 01701202021; Publicado: BH, 0170902022.

"fim do bloco de anotações pueris"

a cova do corvo na corcova

a cova do corvo na corcova
e a morte no cangote
e no cacaio o velhote
e o grito se ouviu na corcunda 
da cacunda deixa no caminho
o fardo a estrada é longa
e forasteiro que não conhece
o estrangeiro não carregará
o fato molambeiro a não
ser por dinheiro
é um ancestral derradeiro
pai pote de história
e moringa de saber de glória
e talha de sabedoria
e jarra de alegoria
e vaso de adorno
e poço de blandícia
que já foi moço noviço
garção mancebo no visgo
e não pode servir de pasto
ao urso pardo
e não quero saber quem é
a encruzilhada é para oferta
e oferenda
toca um oboé detoco
ou de taco
ou o que der pois a marcha
não pode parar
e temos criança
e mulher
e cada um quer uma vingança
e já tivemos vizinhança
e hoje temos solidão
e companhia de solitário
ermitão faz um alforje
feito de pão de leite
e deposita com deleite como
se fosse um ebó com um
coldre d'água sagrada
e só é um peso a menos
e pisaremos com as
solas dos pés descalços
os seixos calcificados
e amanhã seremos nós
nos cruzamentos
abandonados
até os esqueletos
formados
e as caveiras limadas
e os ossos musgados nas faias
e os vis viajantes venderão
nas feiras simonias
e patuás
e amuletos
e santos graaus
e sudários
e cálices bentos
e ossos sacros
consagrados aos ventos

BH, 01701202021; Publicado: BH, 0170902022.

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

o vento vai dizer assim para mim

o vento vai dizer assim para mim
é essa obra aí que irá encantar a
humanidade com a musa que
é a fada que
é o teu coração
e essa caneta esferográfica da esfera
terrestre será a tua varinha de condão
e dançarei então entre as fugas
e as cantatas
e as suítes das sístoles
e das diástoles
e comporei canções que
lançarei ao vento mais nobre
e mais elevado
e nas correntes que furam paredões
e delineiam desfiladeiros com
abismos penetrantes
e sempre avante
e com o vento adiante nos
balés mais clássicos das bacantes
nos redemoinhos das bacanais dos
deuses das montanhas das deusas
das cordilheiras bailarinas das
entidades dançarinas das dunas
as poesias
e os poemas
e sonetos na
surdina dos sussurros apresentarei
com língua ferina gabardina uterina
placenta columbina
e o feto pierrô apaixonado
pela concubina que
o trocou pelo arlequim no jardim do
átrio do útero da nave espacial
e  não dormi para não sonhar
e fiquei acordado para ter pesadelos de
sustentar o mundo em cima dos
tendões dos meus tornozelos

BH, 01701202021; Publicado: BH, 0160902022.

só depende de mim

só depende de mim
e de minha capacidade
e se não tenho a mim
e nem tenho minha capacidade
a matéria-prima para compor
a obra-prima
e nem terei os belos
e nem as artes para criar
as belas-artes
e continuarei a mendigar
por todas as constelações conhecidas
e as galáxias encobertas
pelos cinturões de estrelas
e não desvendarei nenhum mistério
e rastejarei na poeira cósmica
sobre as tempestades solares
e não serei pai
e nem serei mãe
e nenhuma gema 
se desvendará em meu nome
e nenhuma pérola
se parecerá comigo
e se quiser imortalizar algo
terei que fazer algo digno de fidalgo
e partir átomo por átomo
e molécula por molécula
e partícula por partícula
para liberar uma nova energia
que já será velha
quando o poeta existir
duma nova poesia
e dum novo genoma
e dum novo poema
e a correr o risco
de não agradar aos desvendados
e desvendadores de enigmas
e solucionadores de teoremas
e conjecturas milenares

BH, 01601202021: Publicado: BH, 0160902022.

quantas cidades perdidas

quantas cidades perdidas
que estão desconhecidas
escondidas debaixo de mares
ou de antigos oceanos
ou lavas que formaram continentes
e quantos continentes
já evaporaram pelas aragens
dos ventos que levaram
as cinzas dos vulcões
e mudaram as paisagens
e quantos planetas fugiram
para outros sistemas solares
por não ter sidos
captados pelos campos
gravitacionais deste
sistema
e as estrelas
e outros astros sem nomes
e compostos de metais
nobres
e ainda não descobertos
e ao alcance de nossas mãos
para curar as nossas doenças
infecciosas
e contagiosas
e nossas infelicidades
e imperfeições crônicas
e muitas vezes são as chaves
e as portas
e os portais de nossas passagens
e não percebemos nas nossas
cruezas
e nas nossas fatais insignificâncias
letais diante de
dimensões tão imperceptíveis

BH, 01601202021; Publicado: BH, 0160902022.

não percebo

não percebo
e ser indefinido a vagar
sem direção pelos caminhos
que margeiam as falésias
danço sem sentidos
e sem os pés no chão
e nunca fui nem bailarino
ou outro tipo de dançarino
e pesado igual urso
tropeço tropeiro nos seixos
e nos galhos
e nos gravetos
e nos cavacos
e alheio a tudo
ando de marcha a ré
no meio da autoestrada
em sentido contrário
e abstrato de todo
e torto com o passar do tempo
e azedo retardo o passo
para ser alcançado
pelo entardecer
e envolto pelo anoitecer
que me presenteia
com um luar de serenata
para apaixonados
e quando avisto o beiral
já é alta a noite
no matagal à beira da estrada
e cheio de alegria de solitário
e cheio de gozo de solidão
assombro do portal bem maior
do que quando seguia em vão
pela contramão
e só a embalar o coração
e a dialogar com o espírito
e sem sono
e a sonhar
adentro a sala na escuridão
e da janela reflete na serra
o primeiro clarão 

BH, 01401202021; Publicado: BH, 0160902022.

e é um trabalho sem remuneração

e é um trabalho sem remuneração
este de concepção
e é como se fosse uma gestação
duma mulher grávida que por amor
deforma o seu corpo
deforma o seu ser
para parir um ente
que nem sempre merecerá o amor dado
ou a luz herdada
ou a vida legada
e é assim o espírito do gestador
ou a entidade do concebedor
não espera recompensa
e nem cifras
e nem cifrões
só as comemorações dos corações
que destilam sangues arteriais
e seivas oxigenadas de ninfas linfas
ninfeias outros ninhos libélulas
esperanças mariposas borboletas
que embelezam o universo
e a vida sem nada em troca
tais os besouros nas magnitudes dos voos
e caem de pernas para cima nas
aterrissagens
e não se desviram nunca mais
e morrem ali só por terem o prazer de voar
por alguns momentos para a nossa razão
e não têm a noção da perfeição
mas têm o gozo da beleza do voo
que nada na natureza paga
o estúpido estorvado azarado
que é todo final que o espera
e nada faz para mudar o fatídico
só gerar conceber gestar rebentar
nestas linhas sem horizonte
ou destino
ou norte
ou vida
e a densa morte que estreita sedenta

BH, 01401202021; Publicado: BH, 0160902022.

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

fantasma dum poeta da idade da pedra lascada

fantasma dum poeta da idade da pedra lascada
ou ectoplasma dum aedo da grécia
ou da roma antigas
e assombração dum trovador da época da
idade medieval
e espectro dum gondoleiro no hades
e passageiro da barca de caronte
e me vejo todo dia cara às caras com as caras
de cérbero
e fazemos caretas um para outro
e perde sempre a brincadeira
e a minha carranca põe as carrancas do cão
para ganir
e de olhos no espelho
e não senti medo nem de virar estátua
e de máscara de desconfigurado desconfiado
de entidades que encontro nos cemitérios
onde habito
e dos entes das encruzilhadas onde são
depositados feitiços
e oferendas
e sacrifícios
e pós jogados com rezas
e amuletos e imagens
e textos apócrifos
e poesias profanas
e poemas sânscritos
e sonetos malditos
e ossos roídos
e esqueletos moídos
e caveiras trituradas
e cinzas de cadáveres incinerados em unas fúnebres
em esquifes de chumbo
em ataúdes de diamantes
em criptas de cristais
e segue-se o féretro
depois da procissão do enterro
e cada letra fúnebre
e cada palavra fenecida é uma crônica ferida
ou uma prosa maldita na alma esquecida no limbo

BH, 01401202021; Publicado: BH, 0150902022.

o pessoal do sus veio aplicar a terceira dose

o pessoal dos sus veio aplicar a terceira dose
contra a covid em mim hoje mas pai
apresentou o cartão com as minhas vacinas
e a colaboradora disse que ainda não havia
passado cinco meses da segunda dose
e ficaram de voltar depois com o tempo
complementado
e pai agradeceu
e disse
para mim que
depois me aplicariam a terceira dose
e é uma tarefa árdua para se aplicar em mim
uma dose de vacina
e pai segura os meus dois braços por traz
e a irmã a minha cabeça
e mãe dá um apoio
e me distraem
e fecham meus olhos
e me metem a agulha
e saem todos de perto pois começo a dar
braçadas a torto
e a direito
e pernadas também
e só depois de algum tempo a raiva passa
e fico tranquilo
e me aquieto ao meu canto a ruminar
as minhas desilusões mas as 
colaboradora não têm culpa
e pai até agradece demais
e pede desculpas
e mãe junto com a irmã
e todos dizem viva o sus
e nem sei o porque é sus

BH, 01301202021; Publicado: BH, 0150902022.

perdi o teu nome não tenho mais nome

perdi o teu nome não tenho mais nome
e nem sei o nome do lugar onde perdi
o teu nome nem sei o nome do lugar onde
vou procurar o teu nome
e só sei que perdi o teu nome
e sem o teu nome não sou ninguém
e nem sou gente
e posso encontrar milhares de letras
e outros de palavras
e não formo mais nada
e o universo fica finito
e o mundo fica pequeno
e o teu nome agora é uma agulha numa
tempestade solar
e não sei o que é o teu nome
se é um cometa
ou se é um exoplaneta
ou se é um satélite perdido
ou planeta engolido pelo buraco negro
e teu nome me mete medo
e se alguém o pronuncia quero brigar
e quero matar
e e quero morrer
e teu nome me faz delirar
e teu nome me coloca em transe
e delirium tremens
e só falto receber a extrema unção
e atestado de óbito
e missas de corpo presente
e de sétimo dia com o meu ausente
e o padre não tinha o teu nome
e as carpideiras não sabiam o teu nome
e os do velório não conheciam o teu nome
e sou o único morto que havia perdido o teu
nome num descuido duma encruzilhada
dum desfiladeiro
ora que desespero
e sem a pronúncia do teu nome que era o
milagre para a minha ressurreição fui
esquecido no fundo dum caixão

BH, 01301202021; Publicado: BH, 0150902022.

quando terei uma alegria na vida?

quando terei uma alegria na vida?
pai não me traz nunca felicidade
e mãe só me dá contentamento
na hora que me alimento
e o irmão não entende o meu coração
e a irmã até tenta me passar por uma
pessoa sã
e quando será que
tereiuma alegria na vida de viver?
vivo em constante conflito
e todo dia a buscar a intriga
e a acabar com a paz do lar doce lar mas
nem tão doce assim
e mãe pega a chinela
e paro na janela
e não jogo o que tenho na mão
e quero mais um pedaço de pão
ou um copo de leite
a fome é de leão
e a sede é de sertão mas
não consigo ficar satisfeito
e até tento me contentar
but I can't get no
but I try
e com o vento mor fecho a janela
e corro a cortina
e a luz nem de vela
ou lamparina
e só o quarto escuro me seduz
e a solidão que não me perturba mas
sei que um dia isso tudo vai acabar
e pai vai passar
e mãe vai passar 
e de mim não sei o que será

BH, 01001202021; Publicado: BH, 0150902022.

terça-feira, 13 de setembro de 2022

pai chegou à porta do quarto escuro

pai chegou à porta do quarto escuro
e espiou espião para ver se estava a dormir
mas não estava a dormir mareei a cabeça
debaixo dos meus panos vi a silhueta à porta
e viu que estava acordado voltou à mesa
e já há algum tempo que não entramos em
contenda conflito confusão rebeldia
pai tem ficado comigo mais vezes
e as horas passam
e sinto um silêncio
no interior do pequeno imóvel
onde moramos
e a rua de poucos movimentos
também vêm pequenos barulhos de lá
e já vi que hoje não tem futebol
mãe não deixa pai ouvir músicas
e a saída é escrever no bloco
que traz sempre por perto
e a vida é um tédio do caralho
mesmo para quem não fala
ou não escreve
ou não sente
ou não tem consciência nem discernimento
e a vida é uma encheção de saco da porra
e às vezes sinto que pai não vai bem
e que já está próximo o passamento de pai
e não sei quem vai primeiro
se pai
ou filho
ou os dois juntos vamos na próxima etapa

BH, 01201202021; Publicado: BH, 0130902022.

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

não inspiro nada no momento

não inspiro nada no momento
nem sentimento
ou sentido
ou direção
apenas deixo a mão a
levitar no papel leviatã
ou às vezes descer um papel
do alto dos céus
e a alma no divã
e o corpo não sei aonde anda
ou em companhia de qual má
companhia
e o espírito obsceno
absorto como se fosse morto
num retrato abstrato a imagem
já a se esvair nos grãos de areia
da ampulheta
e a silhueta a bater punheta
para angariar de esmola
um prazer dum colchão
de molas as gotas do orgasmo
colam as paralelas com goma
arábica numa aquarela bela de
passarela de paralelepípedos
que fez o horizonte de tela de
visgo de jaca que prende
passarinhos em gaiolas de
taquaras de bambus
ou arapucas de gravetos
e galhos secos
ou forquilhas
e borracha
e pelotas de barro que
assassinavam os tizius
e coleiros descuidados
os meninos eram exterminadores
do futuro levados moleques
sacis negrinhos dos pastoreios
romãozinhos enfezados lapidadores
de cabeças alheias
e espiadores de debaixo de saias
das empregadas distraídas
e musas para mãos já calejadas
de artistas do surrealismo pueril

BH, 01001202021; Publicado: BH, 0120902022.

quem dá luz a cego é santa luzia

quem dá luz a cego é santa luzia
mas a caveira da cabeça de luzia
desenterrada num terreno baldio
onde estava enterrada há milênios
e hoje vive a dar à luz exposta num
museu de antiguidades
e também a dar à luz aos cegos da história
e das ciências
e como homero deu luz
e édipo fez o mesmo
e borges nuns fenecidos traços de poesias
e nuns envelhecidos rastos de poemas
e o único cego desconhecido
e que não dá à luz
e a quem não é erguido altar
ou monumento
ou edificada uma estátua
ou um mausoléu
ou declamada oração
ou elevada uma prece
ou destinado um culto
ou uma oblação
e beberagens
e comes
e danças
e batucadas
ou ladainhas
e é o único cego esquecido nas
encruzilhadas
e nas gameleiras assombradas
e nas cumeeiras das casas velhas fantasmas
e abandonadas é o poeta desprezado por não ser
visionário
ou um gênio da lâmpada
ou um pote d'água fresca num canto
dum casebre no outeiro dum barranco
e teima imortalizar nos solavancos
dos epiléticos contra os cascalhos 

BH, 01001202021; Publicado: BH, 0120902022.

antigamente os cavalos eram todos nobres

antigamente os cavalos eram todos nobres
atualmente viraram políticos de minas
gerais babiecas
e bucéfalos
e incitatus
e rocinantes
e marengos
e eleitos pelo povo apolítico
e analfabeto político
e omisso do estado
governador
e senadores
e deputados
e vereadores da capital
e mamam tetas de verbas públicas
e o povo morre de fome
e ao deus dará
e antigamente os cavalos eram todos puro
sangue
hoje são políticos sanguessugas
pangarés serventuários plenipotenciários
da burguesia
e vassalos da elite
e membros da confraria
da cleptocracia
e o povo a sofrer e sem a quem recorrer e mesmo assim parece que o povo não aprende
e só elege políticos ruins 
e apóstolos apoiados pelo
pig partido da imprensa golpista
e pelas televisões
e pelas igrejas
e a pobreza
só aumenta
e a miséria só espalha
e a desgraça vira herança hereditária
maldita
e de geração em geração o futuro é
procrastinado
e o progresso é esquecido
e só entra em evidências as pautas
conservadoras
e o pensamento racista
e a política fascista
e o povo afoga no atraso
e o país no marasmo de pária internacional
e a nação é exterminada em benefício do
capitalismo selvagem do neoliberalismo

BH, 02201102021; Publicado: BH, 0120902022.

esta cara já levou porradas

esta cara já levou porradas
e esta face já levou tapas
e este rosto já levou bofetadas
e esta boca já foi escarrada
depois de beijada não nego
e este corpo já foi abusado
e seviciado
e estuprado
e sodomizado
e agora jaz ostomizado
e lobotomizado
e anestesiado para eutanásia
e esta gente já foi semelhante
e assemelhada à gente
e hoje demente cata letras carentes
como um cata-mil-réis no
hade caronte
e cara às caras com cérbero
não forma uma palavra que
espanta fantasma
ou uma oração que
bane assombração
ou uma frase que
repele ectoplasma
ou um verso que
desvende o universo
ou uma estrofe que
ilumine uma caminho
ou um versículo sagrado de santuário
que passe por cima do furor satânico
e estes olhos já levaram murros nos muros
e esta cabeça já foi batida na
muralha
e o coração socado no arcabiuço
com mão de pilão
e os restos mortais enterrados debaixo
de bate estacas
e escoado o chorume sedimentado
o que secou virou cinzas que
o vento levou
e minha avó espirra o rapé
e masca o fumo
e pita o cigarro de palha
e os resquícios dos trastes esconde na talha

BH, 02201102021; Publicado: BH, 0120902022.

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

deus não dá asas à cobra

deus não dá asas à cobra
e não me deu nem asas
e nem deus
e me deu só
língua de serpente
e pele de víbora
e aspecto de reptiliano
e deus não me deu sangue quente
e nem genialidade
e só me deu maldade
e muita ruindade
e por isso sou ruim em tudo
e péssimo como um todo
e peço como tolo
e nenhum milagre acontece para mim
uma flor nascer de repente
uma estrela riscar o céu
uma luz brilhar dum nada
uma água jorrar dum jarro
uma gota pingar duma goteira 
ou do cimo dum outeiro
desvendar o universo mas
tateio cego com sede na escuridão
e com a língua de fora lagarto
passou da hora de receber
a extrema unção
e em delirium tremens
dito estas fenecidas palavras
de letras mórbidas
sem saber de qual lavra
garimpei estas pérolas que
enganaram nossos ancestrais
e com as vergonhas de fora
sem ter com o que me cobrir
vou dormir como um velho
ancião senil de verdade
e vítima fatal da letal
legião da boa vontade

BH, 02201102021; Publicado: BH, 090902022.  

e ontem mais uma vez surtei com força total

e ontem mais uma vez surtei com força total
e joguei pela janela uns frascos de plásticos de mãe
e mandei o celular de pai para debaixo da cama
e o espargidor de álcool também voou
e quase quebrei de novo os óculos de pai
e fiquei com tanta raiva que
na hora do almoço não quis nem almoçar
e impedi pai de me servir a comida por duas vezes
e só fui almoçar em companhia de mãe
quando chegou da rua
e logo sentiu que nada não estava bem em
casa mas almocei mais tranquilo
e com biscoito com leite na sobremesa
e até escovei os dentes
depois de muito tempo
e troquei de roupas que estavam sujas
e fui par a minha cama
e fiquei calmo o resto do dia pois era dia de domingo
e nem sei porque surtei assim
e quis quebrar tudo dentro de casa mas
penso que seja por não poder entrar em crise
e se entro o pau quebra

BH, 0501102021; Publicado: BH, 090902022.

porque deixamos aflorar em nós

porque deixamos aflorar em nós
os mais baixos instintos?
e porque não fugimos de nós quando
nos baixam o racismo
e o fascismo
e o ódio?
e porque não nos escondemos de nós
e não temos vergonha da nossa misoginia
e da nossa homofobia?
e defendemos questão de honra no
feminicídio?
e escancaramos as nossas boçalidades
injustificadas
e elogiamos as bizarrices pessoais
e os sonhos bisonhos
e os ideais macabros
e as ideias mórbidas
e no intento que só piora nos pioramos
e não nos melhoramos
e nem aos nossos semelhantes
e nem quiçá o mundo
e debochamos dos direitos humanos
e dos que defendem os direitos humanos
e não fazemos questão de evoluir
em nenhum quesito
e evoluir a civilização então
não é conosco
e trazer felicidade à sociedade damos de
ombros
e barramos a evolução da espécie
e pregamos contra a ciência
e a educação
e o progresso
e a cultura
e o mundo avança
e só nós fazemos questões de patinar

BH, 0501102021; Publicado: BH, 090902022.

o cara meteu fogo no mato aqui em frente

o cara meteu fogo no mato aqui em frente
no tal do sítio do telê santana
e enfumaça a casa toda num dia de pleno domingo
e há gente que não tem nada o que fazer mesmo 
e resolve enfumaçar as casas dos outros
e o chato é que não se pode nem reclamar
pois o fogaréu é lá dentro do terreiro dele no
fundo do quintal mas o vento vai lá
e traz a fumaça para cá
e uma tarde que poderia transcorrer
tranquilamente agora fica embaçada
e a engasgar a gente
e a entupir o nariz
e a sufocar pela falta de ar mas se dá
vontade de ir lá
e arrumar um rolo
ou uma confusão não falta
e a cabeça já está a doer
e se o vento levasse a fumaça para outro
lado mas não
e parece que a fumaça só não incomoda é
quem atiça o fogo no mato mas isso é coisa
de mineiro mesmo
e convivo com isso desde menino
e na infância quem juntava as folhas secas
ou o mato solto
e os gravetos
e colocava num saco
e não atiçava fogo era a minha mãe
mas os vizinhos todas as tardes faziam
foguinhos infernais que não davam paz

BH, 03101002021; Publicado: BH, 090902022.

terça-feira, 6 de setembro de 2022

quem quer saber de quem

quem quer saber de quem
se ninguém quer saber de ninguém
e nem alguém quer saber de alguém
e um dia é deixa para lá cara
e nem fala mais nada que a sociedade é isso aí
e é curral para a burguesia que é exploradora
e é colégio para a elite ensandecida
e é covil para a plutocracia
ou a cleptocracia
ou a teocracia
e nesse sistema o povo não entra
e principalmente se for preto
e pobre
e puta
e nesse teorema o trabalhador não participa
a não ser como mão de obra mais barata
e explorada
e ainda mal paga
e há os que fazem o oprimido de escada
e ainda há os que  usam o proletário de
trampolim
e são justificados como necessário para
gerar lucros para regar as riquezas
e o pobre bate palmas
e o preto consente
e é esfolado vivo
e descarnado
e desossado
e vira suco
e vira patê
e vira pavê
e vira matéria fecal se compõe a matilha
de hienas que aguarda o último rugido do
velho leão a se decompor

BH, 03101002021; Publicado: BH, 060902022.

pai ficou muito tempo sem tomar banhos

pai ficou muito tempo sem tomar banhos
e fala que é por causa da crise
e que é por economia
e fico muito tempo sem tomar banhos mas é
porque não gosto
ou porque só deixo mãe me dar banho
e também fico muito tempo assim
e a conta d'água continua a estourar mas aí
já é o governo estadual que mete a mãono bolso da população
e o orçamento familiar juntamente com a
conta de luz
e o gás de cozinha
e não me canso de ouvir mãe
e a irmã a reclamar que não dá mais para pagar
e que a solução é desligar tudodurante a noite
e só não deixo desligar é o meu ventilado
e ontem escutei pai dizer que a tal carcaçade frango já era uma realidade que veio à mesa
do brasileiro para ficar na nossa vida
e nem me importo pois só como feijão amassado
e macarrão
e ovo cozido
e no café da manhã é mingau
ou biscoito de maizena com leite que mãe
mistura água para render
ou banana amassada com iogurte quando
tem mas a crise deixou a gente com as calças nas mãos
e todo cuidado é pouco

BH, 02701002021; Publicado: BH, 060902022.

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

e o povo do país é o pior povo que existe no mundo

e o povo do país é o por povo que existe no mundo
e não digo nada só ouço falar na burguesia injusta
e na elite que exploram a nação a deixar o
povo a morrer de fome
e tem até gente
e famílias inteiras a disputar lixo
e comida jogada fora para sobreviver
e tenho até uns parentes crentes que
colaboraram com isso
e nossa vida só piorou
e perdi o benefício
e pai não arruma emprego
ou trabalho
ou bico
e a gente faz das tripas coração para não
passar fome
e nem sei o que leva uma sociedade
organizada a destruir assim um país de
dimensão continental mais 
ou menos nos trilhos
ou equilibrado
e a troco não sei de que o joga numa crise
ou numa aventura com um presidente louco
que até fala que vacina provoca aids
e que quem vacina vira jacaré
e não digo é nada só assunto falar dos assuntos
e quero é mais é que se foda mesmo
quando o povo não pensa o país padece
e estou é de saco cheio dessa elite covarde
e estou é por aqui com essa burguesia desumana que exterminam os sonhos
e a felicidade da nação brasileira

BH, 02601002021; Publicado: BH, 050902022.

estou no meu quarto

estou no meu quarto
pai quis ficar aqui comigo
relutei
falou que ficava sentado no chão
para me fazer companhia
protestei
enfim saiu do quarto
foi à sala
hoje não estou muito bem
fui umas dez vezes ao banheiro
não consegui urinar
sinto uma certa dificuldade
não consigo nem evacuar também
pai me deu manga batida com limão no liquidificador
estou a aguardar a volta de mãe
que foi à cidade fazer não sei o que
pai pela primeira vez fez a tal caçarola
de carcaça de frango com batata
cenoura
repolho
mas comi só macarrão com feijão amassado
bebi um copo de manga com limão
agora estou
em minha cama no quarto
pai à mesa da sala
reina um certo silêncio entrecortado
por meus marulhos
barulhos de garganta
pai tem andado muito triste
com a situação do país
já quero é que se foda
quem manda o povo votar errado?

BH, 02601002021; Publicado: BH, 050902022.

desfraldai as velas das embarcações dos argonautas

desfraldai as velas das embarcações dos argonautas
e das naus das grandes navegações
e das caravelas
e das catarinetas
e apreendei dos porões dos navios negreiros
as assombrações
e as almas dos que vão aos pelourinhos
e livrai do relho os corpos torturados com
adornos de ferros de elos de correntes
e de máscaras
e argolas
e grilhões
e não escondeis as vergonhas nos sótãos dos
vossos corações pois antes de vós por aqui
passaram outros navegadores fenícios 
por correntes submarinas doutros caminhos
e aqui não trouxeram
e nem deixaram cativos escravos
e livrai os espíritos lançados ao mar por rebeldia
e insubmissão
e ousadia
e audácia 
e coragem pela liberdade
e enxugai as lágrimas dos que sozinhos nas selvas continentais
não sobreviveram ao abandono
e santificai esse povo negro caído do céu
e canonizai essas mulheres vítimas de
senhores feudais
ou capitães do mato
ou capatazes selvagens aproveitadores
e enchei de glórias 
e alvíssaras os vasos sagrados dos anais da eternidade 

BH, 02601002021; Publicado: BH, 050902022.

e que falem de mim de geração em geração

e que falem de mim de geração em geração
e que não falem de mim de geração em geração
e não importam as conclusões que chegarem
é que já deixei aí as minhas sangrentas poesias
é que já deixei por aí as hemorragias dos meus poemas
é que já deixei por aí as lagrimas dos meus prantos
é que já deixei por aí os suores do meu corpo
é que já deixei por aí os odores dos meus organismos
e agora é hora de ir embora para bem longe daqui
e agora é hora de ir embora para bem além do horizonte
e agora é hora de ir embora para bem longe além
dos nós das paralelas do infinito num lugar que
não seja alcançado nem por um grito
e ficarei lá até ser desintegrado pela memória
da energia dum quasar de milionésima grandeza
e que nem as cinzas das minhas matérias pueris
sejam aproveitadas em obras-primas psicografadas
para que se transformem em partículas de moléculas
de poeiras cósmicas nas tempestades
universais

BH, 02601002021; Publicado: BH, 050902022.

sou um operário das letras

sou um operário das letras
um maiakowski piorado das palavras
um proletário da revolução
um poeta dos trabalhadores do mundo
um reverendo do socialismo
e sou um aedo do comunismo
e um guerreiro de combate ao capitalismo
e um toureiro que mata o neoliberalismo
e a todo tipo de exploração que leva ao lucro
e à globalização predatória
e sou uma abelha
e sou um zangão
e sou um maribondo caçador
e sou uma vespa
de afiado ferrão
e sou uma aranha viúva-negra
e quero o sangue da elite
e quero a carne podre da burguesia
e quero a carniça da plutocracia
e arpoar o coração do cachalote da teocracia
e colocar abaixo a carcaça do sistema
e elevar o povo ao teorema da potência do poder popular
e cantarei meus hinos de guerra
e de guerrilhas revolucionárias
para que todos os povos
sejam livres na total liberdade
e que nação nenhuma seja majoritária
sobre outra nação
e que ao morrer
meu coração seja exposto num panteão 

BH, 02601002021; Publicado: BH, 050902022.

não abras a janela

não abras a janela
pois não quero ver o mundo
não quero ver rios
ou terras
ou terraços
ou continentes
ou não quero nem saber de orientes
ou ocidentes
ou estrelas cadentes
e não acendes a luz
pois não quero enxergar mais nada
e não quero saber nem de mim
e ao sair fecha a porta
e a tranca pelo lado de fora
agora sou isolado do universo
e não quero saber de quem quer saber de mim
e não quero saber de quem não quer saber de mim
e só quero saber de não querer saber de mim
e só quero saber de querer não saber
de quem não quer saber de mim
e agradeço a eficiência
ou a pouca paciência
e a indecência
ou a saliência
ou a ciência
e chegou a hora da deficiência em evidência
e tranca à chave a casa
e os portões
e as janelas
e solta os passarinhos das gaiolas
e solta os cachorros
e espalha por aí
que morri de inanição
e que morri à mingua
sem um pedaço de pão
e que não sabes de mim não
e que só voltarei noutra encarnação 

BH, 02601002021; Publicado: BH, 050902022.

mãe saiu para ir à igreja

mãe saiu para ir à igreja
é que hoje é domingo
e foi levar o nome do pai
para corrente de oração
a irmã está no quarto a assistir vídeos
e o vagabundo do pai como sempre
está aqui na sala de ressaca
e já levou uns beliscões
e uns chutes de mim
e agora estou aqui à mesa com pai
e suas teimosas aleivosias
mãe deixou o celular comigo
para assistir vídeos também
e desde cedo estava muito aborrecido
é que o carcará não para com as bebedeira
e não arruma um emprego
para ajuda nas despesas da casa
e não cuida da saúde
e a qualquer momento
embarca para a viagem sem volta
e nunca mais vai se falar
no velho inútil aqui por estas bandas
mas fazer o quê?
não para de beber
e a cada dia bebe cada vez mais
não se cuida por nada
e só a reclamar
de dores do lado esquerdo do peito
e de problemas na próstata
e o tal do glaucoma
que não o deixa mais enxergar

BH, 02401002021; Publicado: BH, 050902022.

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

a sonhar levei a vida

a sonhar levei a vida
na juventude iludida
a passar os dias em ânsia
a pensar que fazia poesia
a cantar que geria poemas
ao descobrir com ansiedade
a insanidade
ao desvelar com desassossego
pesadelo que não via diante
do nariz que crescia
toda vez que
falava uma verdade
só descobria que
era uma mentira
que não possuía teoria
que não defendia tese
que não patenteava inventos
não recebia direitos autorais
pois não possuía crias
não registrava o que devia
não pagava ao universo
o que recebia
e o universo cobrava
com juros
correções monetárias
cada molécula de poeira cósmica
cada partícula de matéria
desprendidas de exoplanetas
ou de estrelas extintas
ou de universos engolidos
por buracos negros
e transformados
em energia pura
injetada nas veias combalidas
dos cadáveres metamorfoseados
em diamantes
nas colisões das matérias primas 

BH, 02401002021; Publicado: BH, 020902022.

um anjo perguntou para mim

um anjo perguntou para mim
que queres que faça
se jazes aí cadáver
com essa caneta defunta à mão
essa folha de caixão
à porta desse cemitério
a esperar em vão?
vil não ousei
sem audácia
só balbuciei
não tenho ousadia suficiente
para entrar em briga contigo
quero só
inspiração sem conflito
poema em negrito
poesia sem agonia
soneto que
leve esperança
ao povo do gueto
ou uma elegia
que relembre os mortos
que as polícias
já mataram nas periferias
o anjo endireitou-se
quase me deformou
sequelas por dentro deixou
incomodado com tanta aleivosia
és um aleijado por dentro
querer aparentar que
és um ser que
não és coxo
manco capenga perneta
maneta arrasta a bunda
nesse asfalto quente
esfola o cu
frita a pele
magoa a carne
sangra na matança do matadouro
arranca o couro da carranca
tuas palavras não são d'ouro

BH, 02201002021; Publicado: BH, 020902022.

por meus delitos

por meus delitos
que são todos os delitos
da humanidade
expiro todo dia
uma poesia de saudade
ou um poema de lembrança
ou um soneto
de sofredor preto
e não quero beleza
pois minha história
não é bela
é de senzala
é de favela
bebi o sangue
derramado no pelourinho
desprezei o suor
dos negros que me deram
a sobrevivência
apaguei as marcas dos ferros
as equimoses das chibatas
as pegadas nas pedras dos cais
e as cicatrizes dos relhos
joguei purpurina
e lancei confete
e serpentina
e fiz um samba na surdina
sem o canto do banto
sem o tom do tambor
sem o dengue nagô
e aonde vou não arrasto
as correntes dos porões
dos navios negreiros
e esqueço cada lágrima 
que fugiu d'áfrica
e esqueço cada gota de sangue
que o continente jorrou
nessa histórica hemorragia infinita
para saciar o ocidente
suas realezas
suas burguesias
suas elites
e curvo com o peso
desses meus delitos
que são os meus conflitos

BH, 02201002021; Publicado: BH, 020902022.

não me abandones musa

não me abandones musa
o que me alimenta
são as tuas carnes
e o que mata a minha sede
é o sangue da tua menstruação
e o que respiro
para continuar em vida
é o gás carbônico
da tua aspiração
oh musa não me abandones
não me vomites 
nalguma praia
e fica comigo nos teus braços
aos amassos
aos abraços
o que mata a minha fome
são os teus versos
e só sei beber
o teu suor
e não precisas ditar para mim
mistérios
e augúrios
com engulhos de maldições
dita só o que manda o teu coração ateu
ou não
ou profano
ou pagão
soluça uma oração
ou uma reza de prece
ou uma ladainha de preta velha
ou um choro de carpideira
um murmúrio de confidente
são saudades da mãe grande
um sussurro de escrava que deixou
o filho na terra sem enterrar
o corpo a alma o filho escravo
o suspiro de saudade que 
a humanidade deixou de herança
e que com a lembrança 
alguém tem que ter o destino
de traçar o que a musa dita
ao escravo menino

BH, 02201002021; Publicado: BH, 020902022.

meu esqueleto fossilizado

meu esqueleto fossilizado
e ressequido de muito antes
da idade da pedra lascada
e da pré-história da humanidade
tem diante de si
meu crânio de cromagnon
a minha caveira risonha
a sorrir para mim apaixonadamente
e que confusão me causa
essa paixão sem causa
e olha que já abandonei a caverna
cujas paredes já não há mais lugar
para as poesias rupestres
e os poemas paleolíticos
escritos com pedras
nas pedras das pedreiras
e desci da minha árvore predileta
e dum salto caí em pé
e pisei nos pedregulhos quentes
e nos cascalhos fumegantes
com os dois pés no chão 
de rocha vulcânica
e via as minhas pegadas milenares
petrificadas perpetuamente
como uma obra-prima
uma obra de arte imortalizada
um poema eternizado
ou uma poesia fênix 
na poeira das cinzas
levantadas pelo vento causado
pela queda do meteoro
que me trouxe as mensagens do além
e até hoje ainda registro
em escritos modernos
a revolução causada
por uma simples explosão
de universos a criar versos
no caos do aquém

BH, 02201002021; Publicado: BH, 020902022.

e agora estamos a peidar filosoficamente

e agora estamos a peidar filosoficamente
e pai peida de lá
e peido de cá
e me manda fazer cocô
mas nego com a cabeça
e desde que acordamos
estamos em comum acordo
a peidar sem parar filosoficamente
inda agora tomei os dois copos de mingau
que mãe deixou para mim
antes de sair
e pai comeu uma banana
e três fatias de pão de forma com margarina
e está cansado de saber que
não pode comer pão
e nem margarina
mas o velho é tinhoso
e vive a dizer que
quer acelerar a própria morte
e só não sei quem é que
vai cuidar de mim
e irmão mais velho já disse que
quer distancia daqui de casa
a pobre da irmã
trabalha sem parar
e mãe é que é a que faz tudo
já que
o velho quando
não enche a cara
enche o saco da gente
aí o galo canta na porrada
e fica a resmungar no sofá
mas hoje estamos a peidar
filosoficamente
religiosamente
psiquiatricamente
psicologicamente

BH, 02101002021; Publicado: BH, 020902022.

e acontece que

e acontece que
depois que
passei a escrever
as desavenças contra o pai
e os pegas
entre mãe
e a irmã
e pai
sinto que 
sem querer
virei um escritor
ou um poeta
não um e. e. cummings
não um ezra pound
ou um pessoa
ou um maiakoviski
não um bukowski
mas sinto que 
com isso 
vou a armazenar para
os tempos do futuro
de quando não existir mais 
tudo que
se passou nesta família
a alguém que
encontrar estes manuscritos
e agora mesmo pai levantou
e foi guardar 
a máquina de costura de mãe
e chegou por trás de mim
e me abraçou mas
não quis ideia
e o repeli
e voltou para o lugar de sempre
à mesa da sala de estar
e fui à cozinha
fazer qualquer coisa que
não sei o que é
e mexi na geladeira
e brinquei com
um pregador de roupas
e fiquei por lá
a perambular
e reina um silêncio
de morte total na casa

BH, 02001002021; Publicado: BH, 020902022.

estamos aqui reunidos

estamos aqui reunidos
com o velho pai
que fala que é do pau velho
e nem sei o que que é isso
e um dia o ouvi falar
que era um lugar onde viveu
quando era criança
e que era muito bom
e tomava banho de chuva
e jogava pelada no campinho
e subia em pé de imbu
e de jaca
e de caju
e tomava banho de rio
e soltava papagaio
e fazia arapuca
e estilingue com pelotas de barro
para matar passarinhos
e brincava de pique
com os outros meninos
e cantava ciranda
em rodas de meninas
e já vi até uma furtiva lágrima
quando o pai velho
fala no tal de pau velho
e morre de saudades
e de lembranças
e de nostalgias
e de recordações
e de memórias com memoriol
e de mentalizações com gammar
e fico até calmo
quando reverbera
suas reminiscências
e fico até esquecido
de querer bater no pai
e dou até atenção
e assunto tudo que escuto
e ficamos reunidos
em volta da mesa
que não é 
uma távola redonda
e pai velho como sempre
a desenhar garranchos
e a riscar rabiscos
que parecem arabescos
e é até bom pois que
fica sem beber
do jeito que 
bebeu ontem
deixou mãe
e a irmã tristes

BH, 02101002021; Publicado: BH, 020902022.

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

o rico não precisa da sorte

o rico não precisa da sorte
e quem precisa da sorte
é o pobre que só tem azar
e falar em azar
é com o pobre mesmo
que passa dias sem comer
que passa dias sem beber
e passa toda uma vida
de geração em geração
a gerar miséria
ou a gerar desgraça
e nunca sorte
só azar
e morte
e nunca felicidade
só desigualdade
e o pobre não tem nada
e quando chega
a ter alguma coisa
tem é azar
e nada mais
e o rico quando morre
nem precisa ir para o céu
pois tem a entrada vetada
pelo próprio deus
pelo oróprio cristo
e o pobre quando morre
também não precisa ir
para onde o rico vai pois
a própria vida já é um inferno
e o rico quando não é feliz
compra a felicidade
e o pobre não consegue comprar
nem o próprio caixão
para se enterrar
e é enterrado
em caixote de sabão mossoró
mesmo quando tem
a vida ceifada pelas polícias que
adoram matar pobres
como um passatempo predileto

BH, 02101002021; Publicado: BH, 01º0902022.

a vida é um milagre

a vida é um milagre
e só pode ser um milagre
e de tudo que bebemos
e de tudo que comemos
ou respiramos
ou inalamos
e estamos vivos até aqui
só pode ser por puro milagre
e a vida é um milagre
e só pode ser um milagre
e de tudo que falamos
ou ouvimos
e das maneiras que nos comportamos
nos nossos momentos sem moderações
e chegamos vivos até aqui
só pode ser por milagre
e a vida é um milagre
passamos por situações que
em outras ocasiões seriam sem volta
e voltamos pois cá estamos
e deixamos de andar de quatro
e descemos das árvores
e levantamos do chão
e tudo isso só pode ser por milagre
pois a vida é um milagre
e nem agradecemos os milagres da vida
e não compartilhamos o pão
ou a água junto a outro bem qualquer
e somos ingratos à natureza
e somos ingratos à fauna
e somos ingratos à flora
e somos a ingratidão pelos milagres
e não nos damos as mãos
e não cantamos a canção
a vida é um milagre

BH, 02101002021; Publicado: BH, 01º0902022.

e deixo a caneta tomar vida

e deixo a caneta tomar vida
e receber em estado de espírito
ou ser guiada por um fantasma
ou uma assombração
ou um sonâmbulo bêbado
funâmbulo a escrever crateras
de caracteres indescritíveis
nesta folha de papel morto
sem pauta
e sem margem
e sem cabeçario
e sem parágrafo
e como um psicográfico psicografo
as grafias frias
e abstratas
e obliquas desta esferográfica
inorgânica que
indecifravelmente mente
e finge esfinge à beira do abismo
e a lançar dilemas
aos viajantes antes
e a lançar desafios
e charadas
e quem não acertava
era devorado
e deixo estas escritas como
os escritos criados pelos
sumérios 
e as escrituras da mesopotâmia
e os gritos de despedida dos que
eram lançados nos termófilas
e se um dia longe de mim
e ai de mim
e aí malgrado meu forem
decifrar não caiam no ridículo
e nem na mediocridade
de simplório piegas
e imploro aos deuses do olimpo
como ser inglório um pouco
de glória para reverberar
a minha história

BH, 02001002021; Publicado: BH, 01º0902022.

nada em mim me deu eu

nada em mim me deu eu
e repito minha fé não deu em nada
e minhas ousadia
e coragem
e audácia em que deram?
também não deram em nada
e o meu trabalho não deu em nada
e nada em mim deu em nada
e não dei em nada
e o que sou?
nada
e repito do nada para nada
e gritantemente
e minhas orações não deram em nada
e rezas
e preces só confusões
e os meus sonhos não deram em nada
e meus amores
e meus suores
e insônias
e madrugadas de noites sem dormir
não deram em nada
e minhas  opiniões
e cantos
e canções não deram em nada
e minhas poesias
e poemas
e sonetos só niilismo
e negacionismo
e negativismo
e negação não
e não deram em nada
e alguma coisa que deu em alguma coisa
foi o meu corpo que gerou um
belo dum cadáver de defunto aplumado
e arrumado
e nem sei para que
e depois veio o meu esqueleto
e por fim a minha caveira sorridente
a sorrir para mim com
seu sorriso eterno evidente
e aí findei por alguma coisa dalgo
que me arrumaram com fatos de fidalgo
e de fato certifiquei que o fim não é nada 

BH; 02001002021; Publicado: BH, 01º0902022.

pai tirou duas fotos da minha carranca mal encarada

pai tirou duas fotos da minha carranca mal encarada
e postou no facebook
e no twitter
e no instagram
e fiquei muito mais puto da vida ainda é que
não gosto de me expor
e o velho velhaco safado rabugento
e cheio de adjetivos nojentos sabe disso
e fica a me sacanear
e nem sei porque não o quebrei a cara
ou os óculos
ou o celular só para o decrépito aprender
a respeitar mas o tempo passa
e só faz bobagem
e molecagem
e sacanagem
e vadiagem para beber todas
ou vagabundagem para não fazer nada
dentro de casa
e às vezes até penso que nessas saideiras
deve se envolver com putas igual ao tal dum
gabo que vive a falar
e que teve um tal de cem anos de solidão
e ganhou um prêmio
e tal mas nunca vi nada
e só desconfio velhos são todos tarados
e quando encontram mulher fácil então
ficam de boca cheia a babar
e a sorte do pai é que se refugiou no banheiro
ou do contrário veria o meu destempero
ou senão iria ver o que iria acontecer
e ainda veio mostrar para mim a sorrir com
aquela boca desdentada
e dei foi um tapão no celular que foi ao chão
e por pouco não quebrou
e dei outro safanão que quase pegou sua orelha
e se pega ia acabar de ficar surdo esse velho filho da puta
e deixa sair do banheiro que vai ver a surra que vou dar
e não pode nem correr para a rua que mãe saiu
e trancou a porta por fora
e levou a chave hoje está fodido

BH, 01901002021; Publicado: BH, 01º0902022.

em decadência de decrepitude acentuada

em decadência de decrepitude acentuada
na insanidade senil arvorada
com os excessos do álcool inveterado
às escondidas
e a exalar à inhaca do bodun
dos banhos mal tomados
o bafo de onça de baixio de boca
mal lavada
e de hálito de loca
de sepultura
ou campa aberta
onde cadáver em adiantado estado
de decomposição abandonado
em praça pública
ou em ruela
de beco de favela gueto
de vala de esgotos a céu aberto
de subúrbios de zonas adjacentes
fantasmas onde lamentavelmente
o estado é ausente ao velho
defunto imundo que outrora compunha
poemas
e em tempos idos idoso
declamava poesias com voz troante
dum maiakóvski com uivo agonizante
dum lobo da estepe
ou dum leão a dominar seu território
e jaz irrisório num catre dum dormitório
a incomodar a vida ávido
se a morte não quis por
má companhia o morto vivo
que não dorme por azia na agonia

BH, 01901002021; Publicado: BH, 01⁰0902022.