sexta-feira, 2 de setembro de 2022

por meus delitos

por meus delitos
que são todos os delitos
da humanidade
expiro todo dia
uma poesia de saudade
ou um poema de lembrança
ou um soneto
de sofredor preto
e não quero beleza
pois minha história
não é bela
é de senzala
é de favela
bebi o sangue
derramado no pelourinho
desprezei o suor
dos negros que me deram
a sobrevivência
apaguei as marcas dos ferros
as equimoses das chibatas
as pegadas nas pedras dos cais
e as cicatrizes dos relhos
joguei purpurina
e lancei confete
e serpentina
e fiz um samba na surdina
sem o canto do banto
sem o tom do tambor
sem o dengue nagô
e aonde vou não arrasto
as correntes dos porões
dos navios negreiros
e esqueço cada lágrima 
que fugiu d'áfrica
e esqueço cada gota de sangue
que o continente jorrou
nessa histórica hemorragia infinita
para saciar o ocidente
suas realezas
suas burguesias
suas elites
e curvo com o peso
desses meus delitos
que são os meus conflitos

BH, 02201002021; Publicado: BH, 020902022.

Nenhum comentário:

Postar um comentário