sábado, 26 de outubro de 2013

Alberto Pucheu, O livro de hoje do amor.

Há a lei da gravidade pesando alguns sentimentos
contra o chão. Um amor perdido, outros,
partidos, outros, vividos ou não,
deixando no ar um rastro de aflição.
Poucas vezes estamos no lugar em que deveríamos estar,
mas não entendo como, se hoje a festa é lá,
vim parar por aqui onde estou. Se eu gritasse,
talvez o vento deste ar-condicionado levasse o grito
quem importa para onde. Se eu gritasse, quem
seria capaz de esvair meu grito
com mais rapidez do que o sopro deste ar-condicionado?
Os carros continuam passando na rua e alguém,
mais uma vez, quis acabar com o mundo.
Já trepei com putas, viados, travestis
e pessoas muito amadas. E mesmo aquelas
com quem não passei mais do que uma noite,
mesmo aquelas com quem passei menos que uma única noite,
mesmo aquelas nas quais dei apenas um ou dois beijos,
eu poderia ter verdadeiramente amado. Eu poderia tê-las
amado muito. Espremido-as entre a água e o vidro
de meu aquário para nos dar a todos um pouco mais de mar.
Para oxigenar o aquário, para empurrar o vidro
alguns milímetros para fora, para ampliar o espaço,
para não precisar saltar para fora do aquário.
Eu poderia tê-las amado muito como amo você.
Eu poderia tê-las feito realizar algum sonho como fiz com você.
Eu poderia ter-lhes dado momentos de muita alegria
como nós dois nos damos momentos de muita alegria.
Eu poderia tê-las feito sofrer como nos fiz sofrer.
Eu poderia ter… Assim é o amor,
com sua sintaxe esburacada.
Há anos, tentei arranjar O livro de hoje do amor.
Fiz o arranjo, mas não me deixaram publicá-lo
justamente por causa do amor com sua sintaxe esburacada,
justamente porque esburacaria ainda mais
os buracos de algum amor. Na stand up comedy
de ontem, o cara disse não entender
como um homem larga sua mulher
para se casar com a amante, que isso
é como estar numa cela de prisão e escavar um fosso
que vai dar na cela de uma outra prisão.

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