segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Tomás Antônio Gonzaga, Marília de Dirceu, Parte II, Lira I.

Já não cinjo de louro a minha testa;
Nem sonoras canções o Deus me inspira:
Ah! que nem me resta
Uma já quebrada,
Mal sonora Lira!

Mas neste mesmo estado, em que me vejo,
Pede, Marília, Amor que vá cantar-te:
Cumpro o seu desejo;
E ao que resta supra
A paixão e a arte.

A fumaça, Marília, da candeia,
Que a molhada parede ou suja, ou pinta,
Bem que tosca e feia,
Agora me pode
Ministrar a tinta.

Aos mais preparos o discurso apronta:
Ele me diz, que faço do pé de uma
Má laranja ponta,
E dele me sirva
Em lugar de pluma.

Perder as úteis horas não, não devo;
Verás, Marília, uma ideia nova:
Sim, eu já te escrevo,
Do que esta alma dita
Quando amor aprova.

Quem vive no regaço da ventura
Nada obra em te adorar, que assombro faça:
Mostra mais ternura
Quem te ensina, e morre
Nas mãos da desgraça.

Nesta cruel masmorra tenebrosa
Ainda vendo estou teus olhos belos,
A testa formosa,
Os dentes nevados,
Os negros cabelos.

Vejo, Marília, sim, e vejo ainda
A chusma dos Cupidos, que pendentes
Dessa boca linda,
Nos ares espalham
Suspiros ardentes.

Se alguém me perguntar onde eu te vejo,
Responderei: No peito, que uns Amores
De casto desejo
Aqui te pintaram,
E são bons Pintores.

Mal meus olhos te viram, ah! nessa hora
Teu retrato fizeram, e tão forte,
Que entendo, que agora
Só pode apagá-lo
O pulso da Morte.

Isso escrevia, quando, ó Céus, que vejo!
Descubro a ler-me os versos o Deus louro:
Ah! dá-lhes um beijo
E diz-me que valem
Mais que letras de ouro.

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