quinta-feira, 25 de dezembro de 2025

não necessito de nada a não ser duma poesia abstrata

não necessito de nada a não ser duma poesia abstrata
nem preciso de nada a não ser dum poema que do
abismo trata não quero nada a não ser uma inspiração
que do universo retrata quem pode me dar o que
necessito? quem pode me dar o que preciso? quem
pode me dar o que quero? as forças da natureza as
matérias-primas os organismos os elementos a vida a
morte a pré-história a história os antepassados os
ancestrais os antecedentes os poderes universais esses
sim podem me dar minha aguardente ainda quente
minha cachaça da forte minha pinga da boa tudo para
beber pura tão puras quanto as putas musas que nos
inspiram também nas nossas canções salmos orações
as empregadas donde vieram nossos sabores os
temperos das nossas culinárias sais das lágrimas
açucares das salivas corizas catarros cuspes babas
que muitas vezes caíam nas nossas panelas junto com
suores seborreias a acrescentar o gosto o cheiro
saborosos das nossas comidas quantas vezes passavam
as mãos nas partes íntimas pegavam nos bifes nos pães
nos bolos nos legumes nas verduras nas saladas que
absorviam tudo daquelas mãos milagrosas aquelas
mãos que nos davam muitas sensações emoções
outros prazeres dos quais morremos de saudades

BH, 01401102025; Publicado: BH, 92501202024

terça-feira, 23 de dezembro de 2025

quando alguém for ler o que escrevo com certeza

quando alguém for ler o que escrevo com certeza
pensará assim isso não foi escrito por um ser vivo isso
não foi escrito por um ser humano ou por alguém
da raça humana  ou por algum componente da humanidade
sem modéstia outros dirão isso não foi inspirado por
deus a algum homem santo como dizia mãe dos homens
que escreveram a bíblia que eram homens santos
inspirados por deus que inspiração nunca vem de
baixo nem meditação oração ou tudo mais que se
precisa para escrever uma canção com encantação
por tudo que luto para deixar o luto da morte criação de
toda criatura resultada das letras das palavras
de tudo que quem escreve quer para sobreviver
alcançar a imortalidade chegar à eternidade vivo sentir
a posteridade eterno que fizeste em vida mortal
morto? transformei em poesias fiz poema de tudo que
indicaste-me senhor não foi um resultado que talvez
esperasses é que estudei pouco não fui muito ladino
possuidor dalgum tipo de genialidade ou de fenomenologia
do espírito ou duma genealogia da alma ou algo sublime
do ser porém é tudo que tenho a oferecer com gratidão
do fundo do meu coração a oportunidade única de
então aprender as coisas que no universo estão

BH, 01601202025; Publicado: BH, 02301201025

domingo, 21 de dezembro de 2025

visitei pai à noite passada fiquei ao pé da cama

visitei pai à noite passada fiquei ao pé da cama
onde outrora dormi hoje pai dorme entrei no
sonho de pai vi que andava nu por uma cidade
do interior parecia-me a cidade na qual pai
nasceu tinha um rio uma ponte perto dum
mercado onde de noite pai sentava com a turma
fumava maconha gostava de olhar o rio de pedir
tomate com sal ao moço que vendia bebia
pinga marialva fagulha faísca comia tira-gosto
de linguiça torresmo carne de sol depois ficava
escorado nas paredes a rir do estado do tempo
tinha uma rua que gostava muito de ir desde
menino a francisco sá onde apanhou muitas
gonorreeas cancros com as putas dessa rua
passeei com pai pelo sonho pai não me
percebia entrava num lugar entrava noutro
falava que era um medina dos pretos dos
negros pai não gostava dos medinas brancos
falava que os medinas brancos escravizaram os
medinas negros os medinas pretos depois pai
bebia mais na pregação até a polícia ria sombra
peregrina na penumbra fiquei com vontade de
acordar pai porém não conseguia fomos ao
morro do zig-zag depois ao morro do cruzeiro
da caixa d'água que parecia uma casa subimos
o morro dos velhacos sem cansar dançamos
com o caninha verde do clube sete de setembro
com os chapas de caminhões pai gostava de
imitar esses homens rudes que coçavam
o saco de pernas abertas mas pai era um
ingênuo não vou visitar pai mais não vó
constrangia o coração vô ficava resmungão

BH, 01001202025; Publicado: BH, 02101202025

quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

morri não vi pai ganhar o tal prêmio nobel de literatura

morri não vi pai ganhar o tal prêmio nobel de literatura
que tanto o velho ruminava nos seus devaneios
como o coronel que esperava cartas que ninguém
escrevia agora mesmo se quisesse não posso nem tenho
como ajudá-lo numas mensagens para que possa então
psicografá-las gostava muito de falar em comunismo
que era comunista falava em socialismo que era socialista
que era contra colonialismo imperialismo neoliberalismo
pensava que com isso ganharia algum prêmio nobel
que seja lá do que for cá comigo não levo fé porém a ideia
fixa da cabeça do bode velho ninguém removia nem
com as minhas porradas minhas bordoadas pois pai de vez
em quando merecia ainda mais quando bebia enchia a
moringa a se auto intitular de velho comunista fã
fiel de fidel chegava à casa de cara amassada nariz achatado
com todo mundo a rir do molambo falava que era queda
da bike que não apanhava na rua porém embriagado
o que percebo daqui é que me parece que não desistiu
olha que já vai para mais de setenta era tempo de
pensar numas ladainhas algo mais moderno umas preces
mais progressistas umas orações mais libertadoras
umas rezas mais rebeldes se falar de boa ideia com
pai vai logo pensar na pinga no limão no gelo açúcar
caipirinha nem perto de morrer olha que morri antes
todo mundo pensava que pai morreria primeiro
mas vim na frente ficou por lá ainda a teimar em
suas aleivosias que ninguém atura como na ditadura
a pensar todo dia no tal prêmio nobel de literatura

BH, 01001202025; Publicado: BH, 01801202025

quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

já fui lá ontem não preciso ir hoje

já fui lá ontem não preciso ir hoje
visitei os amigos os garçons os cozinheiros
falei com as faxineiras os seguranças as
lavadeiras passadeiras passei um bom
bocado no meio de todos a passear pelas
repartições reparti meu coração com os
corações todo mundo ali me conhecia o velho
mundo o novo mundo sabiam que
estava ali a visitar o passado no presente
com o futuro à frente não precisas fazer
alarde a pimenta arde o sal salga o açúcar
adoça o álcool embriaga a adaga corta o
punhal fura cantei com quem sabia cantar
falei com quem sabia falar ouvi com quem
sabia ouvir pensei com quem sabia pensar
amei com quem sabia amar amanhã levanto
acampamento vou embora igual a um poeta
que foi para passárgada ser amigo do rei não
sei porém vou embora com alguém não levo
nada mas posso levar tudo igual a outro
poeta levar uma mulher comigo quem mais
precisa dalguma coisa com uma mulher
consigo? estou do lado dos poetas onde há
poetas há imortalidade eternidade posteridade
poeta é ifinitude tem uma alcunha universal um
nome sideral um sobrenome espacial um
apelido dimensional tem todos os nomes como
os astros têm pode nem ser uma boa
companhia ao simples ao simplório ao singular
ímpar por ás vezes ser instável intratável porém
é um poeta nem precisa ser mais nada quando
todos querem ser tudo ter tudo até pagar para
ser para ter alguma coisa uma fotografia uma
imagem uma estátua de barro de terra de sal
vem a água dissolvente universal dissolve tudo
dissolve até o nada num letal ponto final

BH, 01201202025; Publicado: BH, 01701202025