segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Vixe virge ô xente o que é que veio interpor-se; BH, 02701202001; Publicado: 0280202011.

Vixe virge ô xente o que é que veio interpor-se
Aqui entre eu mim? o que é aquilo a entrepor-se
Num dia numa noite? como entre uma perna
Outra entrepernas do tempo do não tempo com a
Pausa intermediária o ido o não ido na entre pausa
Do homem do não homem? é algo indistinto distinto
Dá para ouvir de modo confuso Confúcio o entreouvir
Do surdo do não surdo tenho medo de olhar assim
Mudamente nada enxergar no entreolhar do cego
Trago o ângulo de visão que está parcialmente nublado
O tempo entrenublado no meio das sobrancelhas não
Desatei o nó que não foi feito no espaço entre dois
Nós dum tronco no entrenó dum caule adiante cale
Não dar para entrever deixar entremostrar o futuro
Entretanto não é muito seguro enquanto isso falta
Esperança entrementes clamamos por segurança pelo
Menos nas mentes pouca renda entre as duas peças
Lisas ocupar o espaço entre os dois extremos misturar
No entremeio alternar o crepúsculo matinal pôr
Permeio na entremanhã não entremear sim só
Compreender deduzir algo que não consta expressamente
Num texto clarear o espaço entre duas linhas
Elucidar a entrelinha é bom dedicar-se ao bem
Deixar de possuir passar a ser render-se à utopia
Submeter-se à dialética não atraiçoar a filosofia
Denunciar o retórico ceder à razão confiar na justiça
Dar é melhor do que receber restituir em dobro
Ainda é melhor entregar-se para integrar-se ao amor
Valorizar o entregador das missivas da paz aquele que
Faz as entregas mas não de bombas ogivas canhões
Tem o senso entre fino que não é fino nem grosso
Nem é de se entrefechar com o ignorante nem de
Fechar incompletamente adormecido o que não está
Entre dormido a sonhar monologar em voz baixa
Entredizer para cruzar a fala dizer entre si para
Entrecruzar a informação que é boa a carne entre
As costelas de Adão do animal junto do espinhaço
Do entrecosto dos animais é com reforço de madeira
Entre os costados anterior interior do navio com o
Entre costado que espero trazer a determinação para
Não interromper a ida à vitória dividir com cortes a
Derrota entrecortar a perda suceder um fato novo no
Intervalo doutro doutros correr entre todos entrecorrer
Sem medo de nada conhecer-se sem covardia é um
Sonho se entreconhecer vagamente sem ânsia agonia
Ou angústia no choque entre dois corpos sem o pânico
Na ação de entrechocar sem pavor no entrechoque
Chocar-se ao ver a derrubada da parte interior da
Casca das árvores dos frutos a morte da entrecasca
O remédio para o entojo o nojo que sente a mulher
Grávida com desejo extravagante experimentado
Durante a gravidez a repugnância não é pelo feto
O entojar não é pelo filho o fruto do amor não é
Entojado é o esperado cheio de si o que vem bem
Vaidoso que não pode ser entocado como algo que
Não se pode meter em toca ocultar num canto
Esquecido logo logo vem começar a dar o tom a
Entoar uma fala inflexão destoada entoamento sem
Canção com o tempo pega a entoação com modulação
Na voz para bem exprimir fala de entidade do maia
Que constituir a essência duma coisa o ente do ser a
Sociedade a associação de implicar para ganhar
Provocar para vencer enticar para deixar se ser um
Fraco o tíbio cai mais cedo a prostrar por terra é o
Resultado de entibiar qualquer entestar treme
Confrontar dá vertigem defrontar pede arreglo
Confinar para acumular riqueza é deixar de ser
Feliz juntar tesouro seca a fonte do coração para
Entrecruzar é teimar com a alma não ceder ao
Espírito tornar-se teso com o necessitado enrijar
Com o pobre esticar a indiferença entesar-se
Sem tesão pela mulher amada riqueza é funeral
É o ato o efeito de se enterrar vivo é o próprio
Enterro ao esconder-se passar a ter crédito a
Perder o prestígio comprometer-se com a
Burguesia a elite cravar profundamente o lucro acima
De tudo soterrar a vida sepultar a alegria em elegia
À alegria por debaixo da terra enterrar o enternecimento
A ternura a compaixão que nos mantêm vivos

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Quid est demonstrandum o que deve ser demonstrado; BH, 0160190802002; Publicado: BH, 0270202011.

Quid est demonstrandum o que deve ser demonstrado
Como um aforismo da escolástica quando muitos
Partem dum princípio ainda não provado para
Consequências extraordinárias onde exige-se então
Que o princípio seja antes de tudo provado não
Meramente suposto a verdade onde pretendo chegar
Ao tentar convencer-me é a que quid scripsi scripsi
O que escrevi escrevi tais as palavras referidas pelo
Evangelho a respeito de Pilatos ao receber reclamações
Dos judeus contra o epitáfio de Jesus Cristos ó não
Consigo provar escrever é pior do que uma
Enarmonia tal entre os gregos antigos a sucessão
Melódica por quartos de tom modernamente a relação
Entre duas notas consecutivas que diferem só por
Uma como por exemplo o do sustenido o ré bemol se
Tento ser poeta sou enarmônico como bilhões doutros
Quaisquer se tivesse entre minha mente meu
Pensamento entre meu pensamento minha ação a
Certeza duma firme enartrose a resistente articulação
Móvel formada por uma eminência óssea encaixada
Numa cavidade tipo articulação do fêmur com a
Bacia talvez saberia demonstrar alguma sabedoria
Continuo ainda então na minha árdua missão com a
Tarefa de constituir uma obra-prima uma obra de arte
Alguns usam expressões idiomáticas em inglês outros
Em francês uso em latim por enquanto espero poder
Alcançar um  dia um certo poder literário numa enase
Do fermento do vinho em forma de pastilhas que pode
Se transformar num bom vinho sou também do enastrar
As palavras para ornar as letras tecer frases com fitas
Entrelaçar sentenças entrançar orações cobrir de natas
De nateiros ao enatar o leite que por acaso jorrar da
Criatividade da ença de tudo que exprime qualidade
Parença de capacidade vazia de malquerença da
Diferença que ostenta o indiferente ao amor a doença
Da falta de paz  a mantença da matança do ódio no
Seio da humanidade hoje encontrei um velho de
Oitenta sete anos até agora disse que ainda não havia
Conseguido o seu estalo estou com quarenta sete
Também ainda não atingi o meu será que terei que
Esperar mais quarenta anos? minha ignorância não
Pode esperar encalecer mais não posso deixar criar
Calos de mediocridade dentro de mim calejar a
Imbecilidade tornar-se caloso apesar de me faltar o
Corpo caloso o espírito de idiota devo fugir do encalço
Da futilidade não posso deixar a inutilidade se encalçar
Do meu calcanhar minhas pegadas deixarão rastos de
Indiferença pistas de desprezo mas quero calcar a
Serpente no acalcar do meu calcanhar se achas que
Sou um deserto ajudes na minha encaldeiração no
Encaldeirar do terreno em que estou plantado como
No rodear da árvore com uma cova para juntar água
De regadura que sirva para encaleirar minhas raízes
Meter dirigir meu tronco em caleira não gosto de
Encalacrar o futuro ou calotear o destino não me
Deixo encalamoucar por falta de sentido ou de
Direção calamistrar só o ânimo contra a preguiça
Encalamistrar mais a disposição contra o desânimo
Com encalamento de peça de madeira de lei que
Atravessa o barco para o reforçar a enfrentar a
Tempestade a procela a fúria do mar encapelado
Esta é a minha dívida comigo não sei quando
Deixo de correr perigo ou sairei desta encalacração
Nem sei quando quitarei a encalacradela desta vida
Talvez nunca nem mesmo com a morte a sorte já
Está lançada é hora de encaieirar formar uma
Caieira com os tijolos a cozer para deter o azar

Nietzsche, Meus maus pensamentos; BH, 0270202011.

Ai!
Que é que vocês são, meus pensamentos escritos e
Multicoloridos?
Não faz muito tempo, vocês eram tão variados, tão
Jovens, tão maliciosos, tão cheios de ferrões e de temperos secretos que
Me faziam espirrar e rir - e agora?
Já despojaram sua novidade e alguns
Dentre vocês estão, receio, prontos para se tornar verdades: tanto já
Têm ares imortais, dolorosamente verídicos e tão enfadonhos!
E isso já foi diferente?
Que escrevemos, que pintamos, portanto, nós mandarins
De pincel chinês, nós que imortalizamos as coisas que se deixam
Escrever, que podemos portanto pintar?
Ai!
Nada mais que aquilo que
Já começa a definhar e a desgastar.
Ai!
Sempre tempestades que se
Esgotam e se dissipam, sentimentos tardios e amarelados!
Ai!
Pássaros desgarrados e cansados de voar que agora se deixam apanhar com a
Mão - com nossas mãos!
Eternizamos o que não pode mais viver nem
Voar muito tempo, nada além de coisas moles e cansadas!
E isso não é senão para seu depois do meio-dia, ó meus pensamentos escritos e
Multicores, pois ainda tenho cores, muitas cores talvez, muitas ternuras
Variadas, centenas de cores amarelas, marrons, verdes e vermelhas:
 - Mas ninguém consegue adivinhar o aspecto que vocês tinham pela
Manhã, ó centelhas repentinas, maravilhas de minha solidão, ó meus
Antigos, meus amados - meus maus pensamentos.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Noturno paulistano n° 1 - Dantas Mota; BH, 0260202011.

No Madrugada's Bar ou no Bar Madrugada.
Entre a noite que veio e ela que não vem
E esta lua negra, de papelão, à parede,
As garrafas, sobre a mesa,
Formam um campo de petróleo.
A triste mulher da vida — Nilda —
Esculacha, bem em frente a mim,
O tango argentino intitulado A media luz.
As considerações, cada vez mais sábias,
E sombrias, à medida que a bebida
Vai aumentando o poder de certas dores,
Secretas e violáveis, contudo impublicáveis,
Provam apenas que o mundo continua,
E que as desgraças, como as despesas,
Inevitáveis, são sempre inúteis e iguais

Luís Carlos, O Mineiro; BH, 0260202011.

Heroi como os herois da Grécia em rumo ao porto
Da Cólchida no ardor da aurífera conquista,
Ei-lo a encosta a escavar, na crença de que existia
O almejado filão, que viu no sonho, absorto.

Luta feroz, minaz, sem trégua e sem confôrto;
E pôsto que a montanha aspérrima resista,
Brandindo sempre o alvião, fitando a fundo a vista,
Há de o veio ferir ou estatelar-se morto.

Investe... Falta-lhe o ar. O acrólito intradorso
Da galeria o fere. E mal se lhe equilibra
No antro sem luz o corpo ousadamente torso!

Mas investe... A exaustão empolga-o, fibra a fibra.
De súbito, entre a glória e o horror do extremo esfôrço,
Cai num grito... e o filão relampagueia e vibra.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Mário Quintana, Canção da Primavera; BH, 0250202011.

                                                                     Para Érico Veríssimo
 
Primavera cruza o rio
Cruza o sonho que tu sonhas.
Na cidade adormecida
Primavera vem chegando.

Catavento enlouqueceu,
Ficou girando, girando.
Em torno do catavento
Dancemos todos em bando.

Dancemos todos, dancemos,
Amadas, Mortos, Amigos,
Dancemos todos até
Não mais saber-se o motivo...

Até que as paineiras tenham
Por sobre os muros florido!

Manuel Bandeira, Chama e Fumo; BH, 0250202011.

Amor - chama, e, depois, fumaça...
Medita no que vais fazer:
O fumo vem, a chama passa...

Gozo cruel, ventura escassa,
Dono do meu e do teu ser,
Amor - chama, e, depois, fumaça...

Tanto ele queima! e, por desgraça,
Queimado o que melhor houver,
O fumo vem a chama passa...

Paixão puríssima ou devassa,
Triste ou feliz, pena ou prazer,
Amor - chama, e, depois, fumaça...

A cada paz que a aurora enlaça,
Como é pungente o entardecer!
O fumo vem a chama passa...

Antes, todo ele é gosto e graça.
Amor, fogueira linda a arder!
Amor - chama, e, depois, fumaça...

Porquanto, mal se satisfaça,
(Como te poderei dizer?...)
O fumo vem, a chama passa...

A chama queima. O fumo embaça.
Tão triste que é! Mas, tem de ser...
Amor!...- chama, e, fumaça:
O fumo vem, a chama passa...

                                     Teresópolis, 1911

Mário Quintana, O pobre poema; BH, 0250202011.

Eu escrevi um poema horrível!
É claro que ele queria dizer alguma coisa...
Mas o quê?
Estaria engasgado?
Nas suas meias palavras havia no entanto uma ternura
Mansa como a que se vê nos olhos de uma criança
Doente, uma precoce, incompreensível gravidade
De quem, sem ler os jornais,
Soubesse dos sequestros
Dos que morrem sem culpa
Dos que se desviam porque todos os caminhos estão
Tomados...
Poema, menininho condenado,
Bem se via que ele não era deste mundo
Nem para este mundo...
Tomado, então, de um ódio insensato,
Esse ódio que enlouquece os homens ante a insuportável
Verdade, dilecerei-o em mil pedaços
E respirei...
Também! quem mandou ele ter nascido no mundo errado?

Nietzsche, O que nos é permitido; BH, 0250202011.

Podemos usar os instintos como um jardineiro e, o que poucas
Pessoas sabem, cultivar as sementes da cólera, da piedade, da sutileza,
Da vaidade, de maneira a torná-las tão fecundas e produtivas como
Os belos frutos de uma latada; podermos fazê-lo com o bom ou o mau
Gosto de um jardineiro e, por assim dizer, no estilo francês, inglês,
Holandês, ou chinês; podemos também deixar a natureza trabalhar e
Cuidar somente de pôr aqui e acolá um pouco de limpeza e de asseio;
Podemos, enfim, sem qualquer saber nem razão ou diretriz, deixar
Crescer as plantas com suas vantagens e seus obstáculos naturais
E abandoná-las à luta que travam entre elas - podemos mesmo
Encontrar prazer num tal caos e procurar precisamente esse prazer,
Apesar do aborrecimento que se possa ter.
Tudo isso nos é permitido:
Mas quantos somos aqueles que o sabem?
Quase todos os homens não acreditam neles mesmos, como em fatos
Relizados, chegados a sua maturidade!
Grandes filósofos não puseram sua marca nesse
Preconceito com sua doutrina na imutabilidade do caráter?

Álvaro de Campos/Fernando Pessoa, Demogorgon; BH, 0250202011.

Na rua cheia de sol vago há casas paradas e gente que anda.
Uma tristeza cheia de pavor esfria-me.
Pressinto um acontecimento do lado de lá das fronteiras e dos movimentos.

Não, não, isso não!
Tudo menos saber o que é o Mistério!
Superfície do Universo, ó Pálpebras Descidas,
Não vos ergais nunca!
O olhar da Verdade Final não deve poder superar-se!

Deixai-me viver sem saber nada, e morrer sem ir saber nada!
A razão de haver ser, a razão de haver seres, de haver tudo,
Deve trazer uma loucura maior que os espaços
Entre as almas e entre as estrelas.

Não, não, a verdade não! Deixai-me estas casas e esta gente;
Assim mesmo, sem mais nada, estas casas e esta gente...
Que bafo horrível e frio me toca em olhos fechados?
Não os quero abrir de viver! Ó Verdade, esquece-te de mim!

                                                                                                        12/4/1928

domingo, 13 de fevereiro de 2011

João do Amaral..., Aqui jaz; BH,0130202011.

Aqui jaz
Quantas páginas arrancadas?
Quantas laudas já refeitas,
Melhor escritas, melhor acabadas?
Quantos mortos
Guardo dentro de mim?

Por isso abri o poema
Declamando um "aqui jaz"
E encerrá-lo-ia apenas
Com um sonoro "Descance em Paz".
Mas de algo tão remoto falo
Que termino como se cantasse
Uma missa fúnebre da antiguidade:
"REQUIESCAT IN PACE".

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Elizabeth Bishop; BH, 0120202011.

Batizei minh'alma meu lado feminino de
Elizabeth Bishop urgentemente necessito
Duma Lota para meu coração masculino
Lotar meu ser de poesias de cidades lindas
De impérios meus de rios de continentes
Perdidos mas não sou poeta Elizabeth é
Porque um poeta nunca era sempre é
Nunca fui sempre dependi sempre perdi
Nunca fui sério não tenho mistério sou
Claro sou transparente como a luz não
Tenho nada que seduz não adoro o sol
Nem a lua quando era índio quebraram
Meu encanto deixei de ser santo fui
Expulso do paraíso quando a religião
Chegou era Peri minh'alma Jaci era
Iara era Tupã apareceu do nada uma
Religião me jogou na podridão me
Encheu não de sete pecados mas de
Setenta vezes sete para me salvar
Agora para me comungar para me
Canonizar a santa da hora é a
Elizabeth Bishop é dela o meu altar
Meu púlpito minha vela mastro da
Minha nau meu porto das minhas
Embarcações angras para fundear
Meus navios caras caravelas voltarei
A ser índio voltarei ao mato à mata ao
Vento à terra verde cheia de rios de
Continentes de almas expulsas
Excomungadas do éden voltarei aos
Troncos das árvores libertarei meu
Flanco nessas florestas virgem