sábado, 14 de abril de 2012

João Cabral de Melo Neto, O ovo da galinha; BH, 0140402012.


I
Ao olho mostra a integridade 
De uma coisa num bloco, um ovo. 
Numa só matéria, unitária, 
Maciçamente ovo, num todo. 
Sem possuir um dentro e um fora, 
Tal como as pedras, sem miolo: 
E só miolo: o dentro e o fora 
Integralmente no contorno. 
No entanto, se ao olho se mostra 
Unânime em si mesmo, um ovo, 
A mão que o sopesa descobre 
Que nele há algo suspeitoso: 
Que seu peso não é o das pedras, 
Inanimado, frio, goro; 
Que o seu é um peso morno, túmido, 
Um peso que é vivo e não morto.
II
O ovo revela o acabamento 
A toda mão que o acaricia, 
Daquelas coisas torneadas 
Num trabalho de toda a vida. 
E que se encontra também noutras 
Que entretanto mão não fabrica: 
Nos corais, nos seixos rolados 
E em tantas coisas esculpidas 
Cujas formas simples são obra 
De mil inacabáveis lixas 
Usadas por mãos escultoras 
Escondidas na água, na brisa. 
No entretanto, o ovo, e apesar 
Da pura forma concluída, 
Não se situa no final: 
Está no ponto de partida.

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