sexta-feira, 22 de agosto de 2025

de mim não me farão uma laranja mecânica

de mim não me farão uma laranja mecânica
ou suco de manga ou biruta de pelourinho
de mim não exporão a cabeça num poste em
via pública serei um esporão um espinho
cravejado no cérebro um cérbero rebelde a
defender meu inferno de mim não tirarão
fidelidade à religião pelo contrário
iconoclasta porei no chão todas as estátuas
de santos de pau oco de pés de barro posso
até respeitar os que foram feitos com o
mármore nobre branco de carrara extraído
das montanhas sagradas do mármore
branco thassos da grécia o calacatta oro o
arabescato corchia das cordilheiras santas
dos alpes apuanos na itália o nero marquina
ou o mais nobre de todos os mármores o
sagrado para santuário o gioia de carrara
porém também pudera não tenho a estatura
dum davi para ser imortalizado em qualquer
tipo de mármore nem dos mais bizarros os
bonequeiros mestres têm muita argila muito
barro vermelho até preto muita madeira
para carvão para me moldar num esboço
num protótipo de homem nunca dum rodhes
um colosso um gigante de maratona sopra
numa flauta de osso não de osso sacro que
não serve para fazer flauta nem levar
ninguém para o céu só para o beleleu donde
nunca deveríamosmos ter saído para
exterminarmos nossa civilização

BH, 040702025; Publicado: BH, 0220802025.

terça-feira, 19 de agosto de 2025

CHICO BUARQUE, PEDAÇO DE MIM:

Pedaço de mim

Oh, pedaço de mim

Oh, metade afastada de mim

Leva o teu olhar

Que a saudade é o pior tormento

É pior do que o esquecimento

É pior do que se entrevar

Oh, pedaço de mim

Oh, metade exilada de mim

Leva os teus sinais

Que a saudade dói como um barco

Que aos poucos descreve um arco

E evita atracar no cais

Oh, pedaço de mim

Oh, metade arrancada de mim

Leva o vulto teu

Que a saudade é o revés de um parto

A saudade é arrumar o quarto

Do filho que já morreu

Oh, pedaço de mim

Oh, metade amputada de mim

Leva o que há de ti

Que a saudade dói latejada

É assim como uma fisgada

No membro que já perdi

Oh, pedaço de mim

Oh, metade adorada de mim

Lava os olhos meus

Que a saudade é o pior castigo

E eu não quero levar comigo

A mortalha do amor

Adeus


na última batida do teu coração quando

na última batida do teu coração quando
definitivamente pararam os movimentos da
sístole da diástole o meu quase saiu pela boca
impedi-o com a palma da minha mão enquanto
o universo num grito infinito explodiu meus
tímpanos o caos implodiu meu cérebro vaguei
pelo espaço eterno a procurar a morte sem
sorte ainda não encotrei a minha ou já a
encontrei não sei pois agora não sei de mais
nada como nunca soube nem nunca saberei
porém para que saber dalguma coisa depois da
última batida do teu coração? bom mesmo
então é não saber nunca de nada nem de
agradecer ou de pedir perdão ou de pedir paz ou
de pedir amor ou de dar amor amar serei
homem comum do lugar comum mau a fazer o
mal sem igual nunca o bem sem olhar a quem
todo homem para ser homem tem que ser 
assim sangue nos olhos ódio na face
preconceitos na voz igual à uma pessoa
salafrária tal a um pastor malafaia ainda um
macedo a falar em nome de deus a prometer
os céus a pregar a salvação a ser reverendados
reverenciados pelo gado cristão evangélico ou
não gado é gado em qualquer religião ou em
qualquer ocasião seguirei solitário sempre
sozinho o teu coração o meu já não me
pertence jaz já o levaste contigo quando
partiste só o arcabouço do meu peito vazio
agora é que exala no exílio da minha rua esse
mau cheiro de cadáver em decomposição

BH, 070702025; Publicado: BH, 0190802025. 

estás sem amor estás sem mulher estás sem dinheiro

estás sem amor estás sem mulher estás sem dinheiro
sozinho no rio de janeiro sem dinheiro estás sem amigo
vira todo mundo inimigo ninguém dá mais atenção
nem o pastor da igreja uma benção nem te chama de
irmão ou o padre faz uma encomendação sem dinheiro
não tem samba no terreiro batucada mulata cerveja
gelada segues pelas praias leme copacabana arpoador
ipanema leblon olhas os dois irmãos corcovado
cristo redentor pão de açúcar nenhum milagre
feito por deus nosso senhor cai do céu azul sol a pino
suor na pele sal fino calor só falta agora a polícia
puxar um papo reto num forjado ou uma bala pedida
mandar-te para o saco feito malandro que perdeu a
majestade a dignidade que ninguém mais o respeita
nas rodas de malandros capoeiras rasteiras cais não
levantas mais levas porrada levas sarrafo és passado
para trás entras nas filas pelo parceiro carregas
embrulho para o chegado carregas o pesado para o
irmão chegas ao fim do dia sem condição não saíste do
anonimato ainda sem algum na mão nem ogun
quer ajudar-te oxum chega para lá perdeste os orixás
também não foste ao terreiro nem levaste flores à
iemanjá assim não dá morres afogado na preamar
fingias que sabias nadar acompanhaste em transe
uma morena nua bonita de lá não soubeste mais
voltar só o corpo a boiar encalhou nas areias brancas da praia

BH, 0110702025; Publicado: BH, 0190802025.

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

NIRVANA:


 

um dia me lembro de tudo que esqueci aqui

um dia me lembro de tudo que esqueci aqui
escrevo onde só escrevi o que esqueci é que
agora escrevo como um morto sem lembrança
sem memória sem recordação em vida só soube
chorar não queria lembrar de nada só queria
esquecer de tudo hoje explode a cabeça implode
o cérebro ao tentar lembrar dalguma coisa
para escrever nunca encontro nada foram-se
os tempos dos romances das poesias dos poemas
agora são só confetes serpentinas  purpurinas
fantasias alegorias perfumarias enredos superficiais
sambas comerciais marchas de infantarias
cadências de artilharias atropelos de cavalarias
acabaram-se a rebeldia a evolução a revolução
a vanguarda acabou-se o modernismo voltou-se
o conservadorismo o imperialismo o colonialismo
o capitalismo ainda dita as velhas regras da
esvravidão da exploração o liberalismo ainda
controla a vida a morte o sul o norte não
temos saída saúda só ataúde quando temos
dinheiro quando não temos nem existimos
que se foda o mundo inteiro aí jovens com
cabeças de velhos conservadores de senhores
de engenhos feudais de capitães do mato  de
capatazes de fazendas de café ou casa grande
de burgueses medievais de elites pré-históricas
jovens outrora geniais hoje destilam preconceitos
ódios pensamentos monstruosos fundamentalisras
de igrejas construídas em cima de depósitos de ossos

BH, 0110702025: Publicado: BH, 0180802025.

domingo, 17 de agosto de 2025

ACDC:


 

o meu único livro é um livro universal infinito

o meu único livro é um livro universal infinito
a minha única obra-prima jamais ganhará o
prêmio nobel de literatura não a pensam
estilosa pelo contrário gritam que é horrorosa
que acompanha o mundo cruel que admira
israhell que condena a palestina o terrorismo de
gaza que não luta pelo fim do bloqueio
econômico a cuba o meu único livro nunca será
lido é um livro de letras pré-históricas é um livro
de palavras rupestres rudes rotas nenhuma
editora quererá publicar meu livro septuagenário
onde pulsa um coração de puta o coração duma
travesti negra preta cabocla mulata esmagada
pelo calcanhar da elite esmigalhada pela
opressão da burguesia relhada nos pelourinhos
do sistema onde só nós negros somos relhados
não deixeis as crianças terem acesso a este
livro profano herético pagão que só merece a
fogueira da inquisição pois expulso do santuário
excomungado pelos papas borgia meu livro é
uma orgia não tem poemas não tem poesias só
bacanal de bacantes bacanas que batem
palmas aos poderosos balançam as joias aos
reis às rainhas aos príncipes jogueis este livro
no abismo do vulcão em oferenda ao mundo
cão ao caos da fornalha da bíblia aumentada
sete vezes caceis este livro das bruxas das
luxúrias dos magos malignos do gigante de são
ciprião meu livro não fará parte de nenhuma
biblioteca só passeará nos jardins das flores do
mal dos maus que pensam que o mundo é um
paraíso que a terra é um éden meu livro é só um
terreiro de macumba uma escola de aprendiz de magia negra

BH, 040602025; Publicado: BH, 0170802025.

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

lembras de quando tinha medo que pulasses dentro do espelho?

lembras de quando tinha medo que pulasses dentro do espelho?
ou de que morresses engasgado quando comias ou ingerias
comprimidos? água não gostavas de beber bebias pouca ou
quase nenhuma por isso não morreste afogado morreste
doutra causa qualquer que não foi por amor que não foi por
mulher porém morreste apesar do pesadelo do desespero que
foi te ver morrer sem nada poder fazer não tens ideia do que
fazias em mim quando si lançavas para trás sem querer saber
o que ia acontecer si jogavas contra as paredes sem voltar
a si lutavas contra o guarda roupa os armários vidros
quebravas lançavas pelas janelas porém tudo isso valia a 
pena estavas aqui bem ou mal bom ou mau estavas aqui eras
tudo que importava estavas aqui observava-te conservava-te
na vã esperança dum dia ser feliz contigo a preservar teu riso
teu sorriso doce tua pele alva de branco de neve só teu copo
continuou na cozinha teu corpo a terra levou de mim a me levar
junto grago-te abraçado a mim dois esqueletos presos
entrelaçados engendrado um noutro casal esmeralda quasímodo 

BH, 0130802025; Publicado: BH, 0130802025.

CHEAP THRILLS:


 

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

ai se tivesse o dom de preencher todas as folhas que

ai se tivesse o dom de preencher todas as folhas que
caem das amendoeiras das tamarindeiras
das gameleiras com letras a ser levadas pelos ventos das tardes de todas as estações até
que cheguem à andrômeda ou outras vastas
galáxias mais distantes ai se tivesse um dom
de preencher com palavras as folhas das
relvas das selvas as seivas das árvores
genealógicas ou das árvores das ciências do
bem do mal de gaia da pedra fundamental
da pedra filosofal da caixa de pandora da
panaceia que curam a civilização expande a
evolução perpetua a revolução a decretar
que ninguém mais sofreria não nem criança
morreria de fome ou de sede ou escuridão a
mulher morta pelo homem ai quem me dera
uma espera de esperança de sonho de paz de
criança sem pesadelo sem medo ou angústia
desespero ansiedade só felicidade de mãe a
amamentar de pai a cingir o filho no seio
sem receio nenhuma bomba irá mais cair do
céu nenhuma mina arrancará mais pernas
de meninas seu moço me segura se não vou
dar um troço não quero mais guerra na terra
enterra tuas convicções teus canhões teus
colhões lá no cu do judas aqui não pões no
meu nem no meu torrão decretei paz no
coração da humanidade nos sem idade da
raça rara humana nos sem anos do ser vivo
humano raro quem fizer guerra agora aqui
há de se ver comigo correrá perigo estou
bem armado de lápis papel caneta nas
mãos o que escrevo gera reação de
geração em geração nem o bom deus
concede o perdão da total remissão

BH, 070702025; Publicado: BH, 0110802025.

ninguém pergunta por mim que também não pergunto por ninguém

ninguém pergunta por mim que também não pergunto por ninguém
dizem os ditos faladores que necessitamos perguntar só sobre
ideias nunca sobre gentes pessoas então
penso que estou no
caminho certo que todos os outros seres pessoas gentes
estão no caminho certo já que o caminho
dos ideais
superiores das ideias geniosas não terreais inacessíveis
pois terra é o que temos demais dentro de nós mesmos
filhos da terra só fomos formados de terra pela terra seremos
devorados espalhados nas nossas próprias poeiras das
partículas das moléculas dos átomos das
matérias só
não podemos ser partidos ou provocaremos explosões
atômicas ou nucleares em cadeias sucessivas infinitamente
o cais gerará o fim total estamos a acelerar celerados de
vento em popa com todas as velas desfraldadas que as naus de
toneladas de tão leves parecem flutuar à flor d'água a encantar
marinheiros argonautas internautas doutros
mares uniersais
doutros universos celestiais tudo depende do que gera a
mente de ondas abelhadas que germina uma semente
semelhante sempre avante sem pensar no futuro pois
o futuro ainda não existe não se pode pensar
no que  não
existe por algum momento não existimos também se
ainda não chegamos ao futuro teimais em ajuntar
dinheiros bens saúde salvação se o futuro não vier tudo
será em vão até a morte vivamos então
enquanto temos sorte

BH, O90702025; Publicado: BH, 0110802025.

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

quando te vejo igual água entro em ebulição

quando te vejo igual água entro em ebulição
meu vulcão em erupção meu coração em tal
pulsação meu carvão em combustão meu vil
corpo todo em incêndio farol de milha tição
em fumegação lenha boa para defumação só
não posso te ver que sinto comichão à urtiga
coceira de cansanção pela pele pelada póros
em liquefação perco sólido perco gasoso
perco até pastoso perco em qualquer estado
da matéria escura ou clara tua presença
reverbera em qualquer estação primavera
verão outono inverno do ano terreal lunar
ou o doutra dimensão espacial se estás
comigo sou o dono da bola controlo toda a
situação danço conforme a música dou
murros em ponta de faca pego em fios
desencapados dirijo na contramão não tenho
olhos para mais nada és a minha única visão
se tivesse sete vidas as sete depositaria em
tuas mãos não quero mais nenhuma vida
além da tua a não ser a minha para poder te
oferecer sei que é pouco pelo muito que
fazes por mim para merecer não mereço
nem viver mas vivo por ti por ter o teu ser o
único ser entre os seres vivos que sabe me
fazer sentir ser viver pois se navegar é
preciso viver não é preciso se não for guiado
pôr teu coração em sensação em emoção

BH, 090702025; Publicado: BH, 070802025.

terça-feira, 5 de agosto de 2025

não posso fazer nada pois tenho que fazer meus poemas

não posso fazer nada pois tenho que fazer meus poemas
que não servem para nada pois não posso ser nada nem
um heterônimo tenho que ser meus poemas minhas poesias
para que tanto nada então? a vida não é nada até mesmo
para quem tem tudo que porém no fim não pode levar nem
a si mesmo chega de cobrar ao falar em tanto nada mas
que é nada pode falar em alguma outra coisa? quem é
nada pode ter somar dividir multiplicar alguma coisa?
só diminuir nem vida acrescenta para viver o que é nada
não pode ter nem de comer nem de beber a não ser se for
álcool destilado desdobrado misturado rabo de galo coquetel
molotove tnt de manhã é que se ver o resultado do
arrasa quarteirão o tremor das mãos as palpitações
do coração as depressões os sentimentos guardiães dos
pesadelos dos terrores suores que ensopam camas lençois
fronhas travesseiros sou cego de nascença nem na sofrência
enxergo alguma luz no fim do túnel o trem quando me
atingiu estava com o farol apagado morri desesperado
não havia outro jeito para morrer só morre diferente
quem não faz gesto de gente não tem sentimento nem
sentido ou direção isto é nada em nenhuma dimensão

BH, 0110702025; Publicado: BH, 050802025.

deixai envelhecer curtir igual ao vinho na pipa

deixai envelhecer curtir igual ao vinho na pipa
de carvalho a cachaça no barril de amburana
o whisky no tonel de bálsamo usai todas as madeiras
nobres no processo jequitibá ipê tapinhoã grápia
freijó deixai maturar defumar tal a carne a linguiça
no pau defumador em cima do fogão à lenha da cozinha
de minha avó menino não põe água na moringa
cuidado com a pinga pura não mistura vai estragar
pinga é coisa sagrada só não se pode é abusar
ou se ver até bode preto no altar o padre rouco
pároco não vai gostar apesar de também tomar umas
antes da missa rezar esse vigário padre junta com o
sacristão aí então só estalar de língua é pinga
com limão a mulher o sacristão arruma escondida
na sacristia antes do fim do dia de noite rola a folia
pega essa oferta na caixa de esmola cala a boca da
vadia já bebeu demais pode bagunçar a orgia seu
vigário não é bobo nem otário não comete crime
igual ao padre amaro só toma umas outras escondidas
no armário deus perdoa quaisquer desvios de conduta
não serão umas recaídas profanas chamuscar
no fogo do inferno as batinas santas do santo irmão

BH, 0150702025; Publicado: BH, 050802025.

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

JOHN LEE HOOKER:


 

de repente desperto para uma nova era

de repente desperto para uma nova era
as crianças agora dormem em paz na terra
os homens acabaram com as guerras o sol
continua nascente poente nas serras não se
fala mais em fome sede infelicidade tudo se
encerra dos céus não caem mais bombas a
arder os seres vivos todas as armas atômicas
nucleares foram desativadas as pálpebras de
todos pesam com o sono da inocência os
cílios as pestanas entrelaçam-se só se pode
enxergar do amor do perdão as centelhas
sob as sombras das sobrancelhas já a
maldição dos malditos as malvadezas dos
malvados as maldades dos males dos maus
foram todas ao chão bem enterradas em
covas profundas o planeta respira numa
atmosfera renovada o ar não é mais
rarefeito poluído pesadão encardido os
pássaros voam livres das gaiolas viveiros
arapucas alçapões a flora está abençoada a
fauna resguardada ninguém mais agride
ninguém todo mundo acordou vivo no
paraíso terreal real como se estivesse sido
arrebatado ao celestial à essa nova vida de
sonho de criança de mulher no embalo do
ato do gozo do amor que regalo para o
regaço sagrado a mulher no seu devido
lugar tal santa num altar deusa num andor
inviolável intocável só a servir ao amor ou
musa dalgum poeta louco sempre apaixonado

BH, 090702025; Publicado: BH, 040802025.