sexta-feira, 5 de abril de 2013

Dia de finados na parede da minha cozinha hoje; BH, 0201102000; Publicado: BH, 050402013.

Dia de finados na parede da minha cozinha hoje, 
É dia de finados, converso com os meus mortos; numa
Foto grande, com moldura, tenho a me fazer companhia,
Nada mais nada menos, do que a Clementina de Jesus,
Em obra do fotógrafo Roberto Garcia; vejo a Clementina
De Jesus, todos os dias; reverencio-a, porém, hoje é
Diferente, hoje é dia de conversar com todos eles; em
Frente a ela, em quadro menor, vejo o Zé Keti, em foto de
Autor desconhecido, a segurar uma bisnaga na
Mão; logo depois da porta do banheiro, deparo
Com a grandeza de Nelson Cavaquinho, também
Do mesmo fotógrafo de Clementina de Jesus; no vão entre
As duas janelas, está o Carcará, o João do Vale, na
Mão um microfone; a foto é presente dado a mim, pelo
Grande amigo Luberto, que não sei por onde anda;
A seguir vem uma fotografia com Jair do Cavaco,
Zé Keti, e outros dois, ao violão; depois da porta,
Outra foto antológica de dois mendigos a se beijar,
Também de Roberto Garcia, e uma gravura de
Edson Dantas, "A Morte de Luis Buñuel", e na
Parede do lado da geladeira, o único que penso
Que ainda está vivo, é o Jards Macalé, em show no
Seis e Meia, também presente do meu amigo
Luberto; na parede atrás de mim, uma pintura à mão,
Com dedicatória do autor, da cantora Billie Holyday,
Um quadro com Cartola, a aparecer parte do rosto,
Zé Keti entre ele e o Nelson Cavaquinho, com violão:
Detalhe: no outro quadro com o Nelson, ele segura
Um cavaquinho, à frente dum microfone, como se
Estivesse a dar um show, nalgum lugar; inda na
Parede às minhas costas, tenho a Elizeth Cardoso a cantar
Também ao microfone e o retrato do Futuca, da
Velha Guarda e um dos fundadores da Imperatriz
Leopoldinense, em foto de Atayde dos Santos, o Tatá;
Esses são os mortos que me acompanham nas vãs
Madrugadas da minha cozinha e a quem reverencio
Hoje, no dia dos finados, a mandá-los os meus
Recados e recomendações e a esperar as mensagens
Deles também, para fazer um remate feliz  duma obra,
Como o ourives trabalha o ouro; e o sinal gráfico que se
Tem para abranger, numa só designação, vários objetos,
Ou termos, é por isso que quero ser o que explica um
Fato, um fator decisivo; uma ferramenta para apertar
E desapertar peças mecânicas e a peça para abrir e fechar
Um mecanismo e entender, para não transformar
Este nosso mundo, num charvascal, num lugar imundo,
Onde nem os mortos queiram ficar; e preferem usar o
Chavão, a expressão muito gasta pelo uso, de passar desta para
A melhor e não manter esse chauvinismo, o nacionalismo
Exagerado, de que antigamente era motivo de orgulho;
Hoje é chato falar em nacionalismo, incomoda
Mais do que piolho na púbis virgem; é inoportuno e dar um ar
De semblante achatado, de superfície sem relevo, a chatice
Que é falar em nacionalismo; serve para chatear até
O presidente, só o vejo aborrecer-se, quando é para tratar
Do assunto; ele prefere passear pelas marambaias, em chata,
Embarcação de carga de fundo achatado, porém, com
Luxo à altura da imagem dele, que precisa de barras de aço
Para sustentáculo, como se ele fosse tão pesado quanto
Carroceria de veículos, automóveis; para suportar o ego
Do presidente só um chassi, pois ele não é a chapa
Sensibilizada que se coloca na câmara fotográfica
E deveria da mesma forma ser reverenciado entre os mortos;
Mas não entre os meus ilustres mortos e sim entre os
Mortos indigentes e sem identificações dos cemitérios
Clandestinos; tenho que chasquear dele, tenho que zombar,
Escarnecer, é só o que ele merece e o que posso fazer.



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