sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

as peles que me cobrem não são só sete peles

as peles que me cobrem não são só sete peles
são talvez até mais do que setenta vezes sete
são couros dos meus tios negros
epidermes das minhas tias negras
pergaminhos escuros
queimados de sois africanos dos meus avôs pretos
das minhas avós pretas
que se transformaram em
papiros de manuscritos de sangramentos
escorridos de pelourinhos
ali a história é contada ao avesso
a cantiga antiga cantada de traz para a frente
a saga negada
sempre seremos os vilões
nunca os heróis
sempre seremos os escravos
escravizados
da elite
da burguesia representantes dos colonizadores
nunca nos pedirão perdões
nunca nos darão nossas cartas de alforrias
sofreremos escárnios
sofreremos racismos
sofreremos esculachos
demais preconceitos
sem os nossos direitos de sermos
pelo menos seres humanos
respeitados pela humanidade como
componentes exemplos da raça humana
sem despertar suspeitas
lustrarei minhas peles ancestrais
engraxarei  os pelos
os cabelos
as dermeas tais epidermes de tudo
dos meus antepassados
donde sou composto com organismo
intestinos
entranhas
tutanos
medula
testosterona
adrenalina
libido
óvulos
espermas
sangue muito sangue arterial
para escrever as linhas trilhadas
as correntes quebradas
os elos despedaçados
os grilhões arregaçados
os precipícios superados
os temores liberados
todas as nossas falas
rezas
orações
preces
serão em nome da liberdade
das nossas gerações em gerações descendentes livres como a brisa do vento nos chama
nos olha nos olhos de livres irmãos

BH, 030401002022; Publicado: BH, 0201202022.

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